São Paulo, terça-feira, 25 de agosto de 2009

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Governo Obama vai investigar abusos da CIA

Em outra medida que esvazia poder da agência, Casa Branca põe FBI à frente de interrogatórios de suspeitos de terrorismo

Medidas são anunciadas no mesmo dia em que relatório detalha novas violações no trato de presos da "guerra ao terror" no governo Bush


Stan Honda/France Presse
MARCO ZERO
Operários observam simbólico ato de devolução de coluna de aço ao local onde ficavam torres do World Trade Center, em Nova York; viga havia sido o último objeto a ser removido após o 11 de Setembro e ficará exposta em memorial a vítimas dos ataques terroristas


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Duas decisões do governo de Barack Obama tiram de fato o poder da CIA, no mais duro golpe sofrido pela principal agência de inteligência americana desde os anos 70. Na primeira, o secretário da Justiça, Eric Holder, nomeou um promotor especial para investigar 11 casos em que há acusação de abusos de prisioneiros pela CIA no governo de George W. Bush.
Segundo relatório de 2004 divulgado ontem por conta de uma ação judicial de liberdade de informação, os desmandos teriam ocorrido durante as guerras do Afeganistão e do Iraque, e sua investigação pelo promotor John Durham aumenta a possibilidade de que agentes americanos sejam levados a julgamento, algo que o governo anterior tentou evitar a todo custo.
Na segunda decisão, ficou acertado que doravante os interrogatórios de suspeitos de terrorismo serão conduzidos por uma "força-tarefa" formada por membros de diversas agências mas sob comando do FBI, a polícia federal americana, onde será sediada, e sob supervisão da Casa Branca.
As ações acontecem à luz da divulgação de detalhes inéditos do abuso de prisioneiros pelo Escritório de Ética, no primeiro caso, e após recomendação feita há algumas semanas pelo Escritório de Responsabilidade Profissional, no segundo caso, ambos do Departamento da Justiça. Serão implantadas por Holder, que toma a frente do assunto a pedido de Obama.
Desde que foi eleito, o democrata vem dizendo que prefere deixar o passado para trás e olhar para o futuro quando o assunto é investigar supostos abusos cometidos na "guerra ao terror" proclamada por Bush (2001-2009). Por um lado, teme alienar a comunidade de inteligência, vital para a segurança do país. Por outro, evita gastar um capital político já empenhado em outras questões polêmicas, como a reforma do sistema de saúde.
Ontem, o porta-voz interino da Casa Branca procurava dissociar Obama da decisão de se investigar as denúncias, que podem ter resultados imprevisíveis. Bill Burton disse que o secretário da Justiça era "um procurador-geral muito independente" -diferentemente de no Brasil, nos EUA ambos os cargos são ocupados pela mesma pessoa- e que suas decisões seriam respeitadas.
Disse ainda que o presidente acredita que ninguém que tenha agido de acordo com as regras preestabelecidas deve ser investigado ou processado. Desde que a maré política virou, os agentes se defendem dizendo que nos interrogatórios seguiam parâmetros definidos pelos conselheiros legais do Departamento da Justiça de Bush.

Furadeira
Mas os detalhes divulgados ontem sugerem que em alguns casos foram além desses parâmetros, que já eram mais licenciosos que as regras definidas por convenções internacionais. Num deles, segundo os relatórios, um dos agentes ameaça usar uma furadeira elétrica num dos prisioneiros. Em outro, diz que a mãe do detento será estuprada em sua frente.
Viria daí a decisão de Obama de passar a realização de tais interrogatórios para uma força-tarefa composta de representantes de várias agências, que tentariam coibir excessos uns dos outros. A unidade continuará algumas práticas anteriores, como a entrega de suspeitos a países aliados, mas o Departamento de Estado monitorará se os prisioneiros estão sendo bem tratados.
Não é o primeiro revés sofrido pela CIA. Criada em 1947, a agência teve suas atividades ilegais expostas após o escândalo de Watergate, quando foi descoberto que ex-agentes participaram da origem do caso que acabaria por levar à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974. Desde aquela época e até o 11 de Setembro de 2001, a agência foi regulada por uma série de medidas criadas para restringir sua ação.
Obama tem procurado desmontar o arcabouço de exceção de Bush -baniu práticas como o afogamento simulado, batizado de "waterboarding", e instituiu o manual de campo militar como parâmetro para as sessões de interrogatório. O ritmo lento das mudanças e o recuo a favor de algumas práticas do republicano que antes condenava lhe valem críticas.


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