São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Vida em grupo pode ajudar a conter angústias individuais

EMÍLIO SALLE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Poderíamos chamar a dramática situação dos mineiros no Chile de catastrófica, assim como o terremoto que atingiu recentemente o país, o tsunami da Indonésia e o tremor no Haiti.
A iminência da morte está constantemente presente. Nesse tipo de acontecimento, o aparelho mental, em particular o ego, necessita conter uma angústia transbordante e enlouquecedora decorrente de um trauma grave. O ego precisa abranger essas angústias no nível psíquico para não fragmentar toda a personalidade.
A capacidade de cada indivíduo para suportar uma energia traumática tão intensa depende de sua capacidade de tolerância, que é variável -alguns suportando mais ou menos que outros. Na hipótese mais desfavorável, o ego se esfacelaria e estaríamos diante de um quadro psicótico. Nesse caso, a pessoa não teria condições de discernir o que é realidade do que é fantasia.
A maioria dos sujeitos envolvidos nessa condição de trauma grave pode vir a desenvolver o Transtorno de Estresse Agudo, que pode evoluir para uma forma de estresse mais prolongado: o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).
Em situações extremas como a dos mineiros, a prevalência do TEPT pode chegar a 80% ou 90% do total das pessoas envolvidas. Em contrapartida, alguns indivíduos, mesmo quando submetidos a uma situação traumática muito grave, não desenvolvem nenhuma patologia psiquiátrica a posteriori.
Tais indivíduos são chamados de resilientes, pois conseguem suportar um evento traumático muito grave sem maiores sequelas ao seu desenvolvimento emocional ou psíquico. No caso chileno, vale ressaltar o fato de que os mineiros se encontram soterrados em um grupo de 33 pessoas, o que gera uma situação diferente. É possível que o grupo funcione como elemento de contenção das angústias traumáticas individuais.
Nesse caso, se alguém estivesse saindo da realidade ou enlouquecendo, outros integrantes do grupo poderiam chamá-lo de volta à realidade. Do contrário, na vigência de um grupo com funcionamento predominantemente psicótico, a influência sobre a pessoa seria no sentido de reforçar a loucura.
Em síntese, não há como prever de que forma esse grupo reagirá e quantos indivíduos desse grupo apresentarão um quadro psicótico. É fundamental que seja mantida a comunicação dos mineiros com o mundo exterior, oferecendo não só suporte físico (alimentos, água e remédios, por exemplo), como manifestações de apoio e acolhimento.

EMÍLIO SALLE é psiquiatra e coordenador do Depto. de Infância e Adolescência da Associação de Psiquiatria do RS



Texto Anterior: Soterrados mineiros perdem emprego
Próximo Texto: Acidente com Embraer mata 42 na China
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.