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ANÁLISE
Vida em grupo pode ajudar a conter angústias individuais
EMÍLIO SALLE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Poderíamos chamar a dramática situação dos mineiros
no Chile de catastrófica, assim como o terremoto que
atingiu recentemente o país,
o tsunami da Indonésia e o
tremor no Haiti.
A iminência da morte está
constantemente presente.
Nesse tipo de acontecimento,
o aparelho mental, em particular o ego, necessita conter
uma angústia transbordante
e enlouquecedora decorrente de um trauma grave.
O ego precisa abranger essas angústias no nível psíquico para não fragmentar toda
a personalidade.
A capacidade de cada indivíduo para suportar uma
energia traumática tão intensa depende de sua capacidade de tolerância, que é variável -alguns suportando
mais ou menos que outros.
Na hipótese mais desfavorável, o ego se esfacelaria e
estaríamos diante de um
quadro psicótico. Nesse caso, a pessoa não teria condições de discernir o que é realidade do que é fantasia.
A maioria dos sujeitos envolvidos nessa condição de
trauma grave pode vir a desenvolver o Transtorno de
Estresse Agudo, que pode
evoluir para uma forma de
estresse mais prolongado: o
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).
Em situações extremas como a dos mineiros, a prevalência do TEPT pode chegar a
80% ou 90% do total das
pessoas envolvidas. Em contrapartida, alguns indivíduos, mesmo quando submetidos a uma situação traumática muito grave, não desenvolvem nenhuma patologia psiquiátrica a posteriori.
Tais indivíduos são chamados de resilientes, pois
conseguem suportar um
evento traumático muito grave sem maiores sequelas ao
seu desenvolvimento emocional ou psíquico.
No caso chileno, vale ressaltar o fato de que os mineiros se encontram soterrados
em um grupo de 33 pessoas,
o que gera uma situação diferente. É possível que o grupo
funcione como elemento de
contenção das angústias
traumáticas individuais.
Nesse caso, se alguém estivesse saindo da realidade ou
enlouquecendo, outros integrantes do grupo poderiam
chamá-lo de volta à realidade. Do contrário, na vigência
de um grupo com funcionamento predominantemente
psicótico, a influência sobre
a pessoa seria no sentido de
reforçar a loucura.
Em síntese, não há como
prever de que forma esse grupo reagirá e quantos indivíduos desse grupo apresentarão um quadro psicótico.
É fundamental que seja
mantida a comunicação dos
mineiros com o mundo exterior, oferecendo não só suporte físico (alimentos, água
e remédios, por exemplo),
como manifestações de
apoio e acolhimento.
EMÍLIO SALLE é psiquiatra e coordenador
do Depto. de Infância e Adolescência da
Associação de Psiquiatria do RS
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