São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

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RUGIDO PARAGUAIO

País, que pode ter base dos EUA, já é encrave militar dos americanos, que treinam forças paraguaias

Presença dos EUA no Paraguai é profunda

Rene Gonzalez - 17.set.2005/Reuters
Paraguaias passam por pichação antiamericana em Assunção



CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

A polêmica sobre a suposta instalação de uma base militar americana permanente no Paraguai, que dominou os jornais latino-americanos nos últimos meses, esconde uma outra realidade: a presença já forte e a influência marcante dos EUA nas Forças Armadas do país vizinho.
Analistas paraguaios independentes descrevem o país como um encrave militar histórico dos EUA no Cone Sul. Desde a década de 50, sob regimes autoritários ou sob governos democráticos, militares americanos têm trânsito relativamente livre pelo país por meio de acordos de cooperação.
Essas fontes afirmam que os EUA são também os responsáveis pela maior parte do treinamento e da formação das forças de segurança paraguaias, com cursos de especialização auspiciados pelos EUA por meio do Comando Sul e de programas de cooperação em defesa da Embaixada americana em Assunção.
"Hoje são os EUA quem definem quem é "bom" e quem é "mau" na política antiterrorista paraguaia", diz o especialista em temas militares Julio Benegas, do jornal paraguaio "ABC Color". "Há uma direta intervenção nos organismos antiterrorismo e antinarcóticos. São os EUA quem equipa, quem treina."
A implicação, sustenta, "é que o Paraguai abriu mão de definir sua própria política de defesa em troca de um suposto tratamento preferencial dos EUA".
"O presidente [Nicanor Duarte Frutos] diz que abrir uma maior relação com EUA pode redundar numa melhoria da economia e do intercâmbio comercial. Muitos somos céticos com relação a isso porque historicamente não temos tido uma relação comercial importante", disse o presidente do Senado, Carlos Filizzola, líder do partido de oposição País Solidário.
"A impressão é que os EUA se acercam porque lhes interessa estar nessa região e, como não podem fazê-lo com Brasil e Argentina, tentam ter uma maior presença através do Paraguai para fazer valer seus interesses em relação ao narcotráfico, ao terrorismo e à situação política no caso da Bolívia e da Venezuela", avaliou.
Grupos de defesa de direitos humanos vêem essa cooperação com inquietação.
"Isso é bastante preocupante porque o conceito de segurança norte-americano excluiu o conceito de direitos humanos", disse o advogado Orlando Castillo, membro da Serpaj (Serviço de Justiça e Paz).

Base
Com tamanha influência, argumentam os analistas, os EUA não precisam estabelecer uma base permanente em território paraguaio.
Fontes diplomáticas avaliam que o custo político dessa instalação seria muito alto e provocaria uma deterioração nas relações com os países vizinhos, dos quais depende boa parte da economia paraguaia.
"Seria mais interessante manter o Paraguai como um encrave sem ter a necessidade de trazer uma base, com toda a repercussão negativa que isso poderia ter na região", diz Benegas.
"Hoje, todos os escritórios de segurança norte-americanos estão funcionando [no Paraguai] e é melhor que funcionem livremente no país sem que se feche o escudo do Mercosul, para que possam mover-se facilmente e monitorar as atividades brasileira, argentina e boliviana", afirmou Castillo.
Não há indícios, por ora, de que a base exista. Segundo a Folha apurou, fotos aéreas feitas da pista de aterrissagem de Mariscal Estigarribia, apontado como lugar de instalação da base, e comparadas com fotografias de dois anos atrás não revelam nenhuma nova edificação nem movimentação de pessoas acima do normal -apenas um radar que não funciona.
Hoje, a atuação de militares americanos no Paraguai está ligada principalmente aos exercícios militares conjuntos de combate ao narcotráfico e ao terrorismo, além de operações de paz e humanitárias, como assistência médica em áreas carentes.
Recentemente, o Congresso do país autorizou a realização de 13 dessas ações, com duração prevista até dezembro de 2006. Estima-se que cerca de 400 militares americanos se revezem no país para participar dessas ações.
A reportagem da Folha pediu autorização para acompanhar os exercícios militares voltados ao combate do terrorismo e do narcotráfico que se realizavam nos últimos dias a 50 km de Assunção.
Foi autorizada pelo Comando das Forças Armadas do Paraguai; porém, até a última sexta-feira, quase duas semanas depois de formulado o pedido, a Embaixada dos EUA em Assunção não havia permitido o acesso do jornal ao local. Segundo uma fonte militar, trata-se de uma decisão "política".
"O que nos preocupa é que monitoramos 46 operações militares americanas desde 2002. Anteriormente, esses exercícios eram estabelecidos por seis meses. Depois aumentaram a quantidade de exercícios e o período, primeiro para um ano e agora para 18 meses. Isso demonstra a clara intenção de prolongar a presença americana no país", disse Castillo.


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