São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Correa ameaça não quitar empréstimo do BNDES

Instituição emprestou US$ 243 mi para obra feita pela Odebrecht no Equador

"Projeto não presta", diz presidente, que na véspera embargara os bens da empresa; dívida é garantida por convênio regional

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Um dia depois de intervir nas operações da Odebrecht no Equador, o presidente Rafael Correa ameaçou ontem não pagar empréstimo de US$ 243 milhões contraído no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a hidrelétrica San Francisco, construída pela empresa brasileira e parada desde junho por problemas operacionais.
"Esse crédito foi dado por meio da Odebrecht e também tem graves irregularidades, porque tem dinheiro que nem sequer entra no país, é dinheiro que se contabiliza lá [no Brasil] como crédito interno e na verdade é um dinheiro emprestado à empresa. É um empréstimo de mais de US$ 200 milhões para um projeto que não presta", disse Correa, em entrevista à TV Gama.
O empréstimo do BNDES começou a ser negociado em 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, mas só foi fechado em 2004, pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Lucio Gutiérrez, hoje adversário político de Correa. Nominalmente, foi feito à empresa equatoriana Hidropastaza, controladora da hidrelétrica de San Francisco.
O que Correa chama de "graves irregularidades" é uma regra bastante conhecida do BNDES pela qual o banco só financia obras de infra-estrutura no exterior se houver a exportação de bens e serviços de empresas brasileiras.
Se Correa decidir não pagar o BNDES, terá de enfrentar um complexo caminho, já que o empréstimo é garantido pelo CCR (Convênio de Pagamentos e Créditos Recíproco), uma câmara de compensação de crédito e débitos da Aladi (Associação Latino Americana de Integração), da qual Brasil e Equador fazem parte.
Periodicamente, os bancos centrais fazem um acerto de contas. Caso uma empresa deixe de pagar, o BC desse país assume o débito -na prática, um seguro de pagamento.
Correa acusou a Odebrecht de "dar pra trás" duas vezes na assinatura de um acordo com o governo e que "já não haverá a terceira vez".
O presidente equatoriano chamou também de "decreto de expulsão" as medidas anunciadas anteontem contra a Odebrecht, que incluem o embargo dos seus bens e a intervenção em quatro outros projetos em execução pela empresa, cujo valor dos contratos soma US$ 650 milhões.
"Acreditaram que nos levariam como levaram tantos governos ou que iam subornar um alto funcionário, por isso assinei ontem [anteontem] o decreto de expulsão."
Correa disse ainda que conversou com Lula sobre o assunto na semana passada, durante cúpula da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) no Chile, e que não acredita que os problemas com a Odebrecht afetem as relações com o Brasil. "Eu lhe disse que o que essa empresa fez no Equador é terrível e não creio que haja repercussões internacionais."
Em nova nota divulgada ontem, a Odebrecht disse que os problemas que resultaram na paralisação da usina decorreram "de erupção do vulcão Tungurahua (...) não considerada no projeto de engenharia de responsabilidade do governo equatoriano".
A empresa disse que só não assinou um acordo com o governo, o qual incluía assumir os custos dos reparos, estimados em US$ 25 milhões, e a a extensão da garantia por mais um ano, porque não teve a "anuência" das outras empresas do consórcio, a francesa Alstom e a austríaca VA Tech Hydro.
Segundo a Odebrecht, as duas empresas "decidiram não assiná-lo, face ao aumento significativo dos limites e riscos contratuais e a insegurança jurídica". Essa versão foi desmentida pela Alstom, que em em nota disse que "o contrato não foi assinado porque envolvia atividades de não-geração, que não têm a ver com o campo de atuação da empresa".

Sem expulsões
Embora venha mantendo uma relação tensa com as multinacionais no Equador, Correa até agora não cumpriu nenhuma ameaça de expulsão.
O caso mais notório ocorreu no primeiro semestre, quando o governo equatoriano anunciou que não renovaria sob hipótese nenhuma a concessão da operadora de celular Porta, do empresário mexicano Carlos Slim, acusando-a de sonegação e de outras irregularidades. Mas acabou chegando a um acordo para mais 15 anos.
O presidente tampouco levou adiante a promessa de que daria um calote na dívida externa do país para pagar a "dívida social". Caso deixe de pagar o empréstimo do BNDES, portanto, terá sido a primeira vez.


Texto Anterior: África: Em conselho da ONU, Brasil evita criticar Sudão
Próximo Texto: Lula prevê acordo após votação no Equador
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.