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AMÉRICA LATINA
Para o vice-presidente venezuelano, classe média é "ingênua" e suscetível a "mentiras" criadas sobre ambos
Elite demoniza Chávez e Lula, diz chavista
MARCIO AITH
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS
As elites estão tentando "demonizar" o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva,
da mesma forma com que procuram minar a Presidência de Hugo
Chávez na Venezuela. Essa é a
opinião do vice-presidente venezuelano, José Vicente Rangel, referindo-se ao temor de que Lula
instale um governo radical e expulse o capital do país.
Rangel diz, no entanto, que Lula
e Chávez são pessoas diferentes e
que a Venezuela ficará satisfeita
com qualquer resultado na eleição brasileira, neste domingo.
"A eleição de Lula teria esse
componente romântico e sentimental, mas, na prática, não vai
mudar muita coisa. Nossa relação
com [Fernando Henrique" Cardoso já foi maravilhosa."
Aos 73 anos, Rangel é hoje o
mais influente assessor de Chávez. Como ministro das Relações
Exteriores nos dois primeiros
anos do atual governo, foi responsável pela execução da estratégia
que tirou a Venezuela da órbita
dos EUA, irritando a Casa Branca.
Agora, diz que as relações entre
Washington e Caracas "estão melhores do que nunca", depois que
Chávez comprometeu-se a combater o terrorismo e prometeu
fornecer petróleo de forma ilimitada à economia americana.
Rangel disse ainda que Chávez
não vai renunciar nem reprimir
com violência as oposições e os
militares que se rebelam contra o
governo em Caracas.
Em janeiro de 2001, Rangel foi
transferido para o Ministério da
Defesa, tendo sido o primeiro civil
a ocupar esse cargo. Segundo depoimento de Chávez, Rangel propôs ao presidente resistir "à bala"
aos golpistas durante o levante de
11 de abril que tirou o presidente
do poder por 48 horas. Com o retorno de Chávez ao poder 48 horas depois, Rangel foi nomeado
vice e recebeu a incumbência de
coordenar o diálogo do governo
com as oposições. Até o momento, esse diálogo fracassou.
Advogado de formação e jornalista de profissão, Rangel ingressou na política na década de 40.
Em 1948, exilou-se no Chile por
oposição ao general golpista Marcos Pérez Jiménez.
Quando a democracia foi restabelecida na Venezuela, em 1958,
Rangel voltou ao país e elegeu-se
deputado cinco vezes seguidas.
Foi candidato fracassado à Presidência por coligações de partidos
de esquerda em 1973, 1978 e 1983.
O vice-presidente é autor de um
dos livros mais vendidos do país
-"Expediente Negro", sobre a
morte de um dirigente comunista- e tornou-se um colunista político influente na década de 90.
Rangel falou à Folha em seu gabinete, num prédio a dois quarteirões do palácio presidencial. Num
outro canto da cidade, militares
rebeldes pregavam a desobediência civil, e o país entrava numa nova fase de confusão política.
Folha - Por que Chávez não antecipa as eleições e acaba logo com a
crise política no país?
José Vicente Rangel - Antecipar
as eleições está fora de conversa.
Seria como pedir ao presidente
Bush que antecipe as eleições porque ele equivocou-se em sua política com relação ao Iraque. Na Venezuela, há um setor que quer tirar Chávez do poder de qualquer
maneira. Outro setor quer que
Chávez cumpra seu mandato.
Se os setores de oposição buscarem uma proposta respaldada pela Constituição, nós iremos discuti-la. Até agora, fizemos tudo o
que eles pediram. A oposição quis
uma lei para desarmar a população. A bancada do governo a
aprovou. As oposições propuseram novos mecanismos eleitorais. Ontem, os governistas aprovaram uma lei eleitoral.
Chávez propôs que um grupo
internacional participe da investigação sobre as mortes ocorridas
em abril [durante as manifestações que antecederam a tentativa
de golpe". As oposições rejeitaram. Opõem-se ao ex-presidente
Jimmy Carter. Sabe por quê? Dizem que Carter é chavista e que
Chávez lhe pagou US$ 2 milhões.
Folha - O sr. foi encarregado de
negociar com as oposições em abril
e falhou nessa missão. Por quê?
Rangel - O problema não é negociar. Estamos dispostos a fazer isso. O problema é que eles fingem
que vão negociar, mas têm uma
carta do golpismo escondida sob
a manga. Percebam que cada vez
que se convoca uma marcha ou
uma greve é para precipitar um
golpe. Essa última mobilização e a
greve geral de segunda-feira culminaram, não por coincidência,
com a palhaçada desse grupo de
militares golpistas. São os mesmos de 11 de abril, os mesmos rostos, os mesmos uniformes.
Folha - Se esses militares estão se
insubordinando, por que não foram presos?
Rangel - Porque este é o país da
impunidade. Retoricamente, respeitam-se muito as leis, mas não
na prática. Houve uma decisão do
máximo tribunal da República
que absolveu esses militares. De
acordo com a decisão, eles não
deram um golpe de Estado em
abril, mas se aproveitaram de um
vazio de poder. Segundo o tribunal, Chávez não foi detido por
eles, mas protegido. Foi um erro.
E, como consequência desse erro,
esses militares voltaram, fazendo
essa palhaçada. São os mesmos
gorilas golpistas de abril.
Folha - Qual é o motivo para não
prendê-los agora? O governo não
consegue controlar as Forças Armadas, ou os militares se negam a
prender seus colegas?
Rangel - O Exército da Venezuela é o mais democrático da região,
por sua composição social e por
outros fatores. Essas Forças Armadas não são golpistas. Existe
espírito de corpo, mas não nessa
forma absoluta e mítica de outros
países. Em outros países, poderia
ter havido uma solidariedade
imediata a esses golpistas. Mas
não aqui. Tenho conversado com
todos os comandantes e chefes de
guarnição. Eles estão profundamente irritados com os golpistas.
Folha - O que o governo pretende
fazer em relação a esse protesto?
Rangel - A única maneira é resolver isso democraticamente.
Poderíamos mandar tropas para
prendê-los, e há oficiais que fariam isso com prazer. Mas pessoas poderiam morrer.
Folha - Chávez perdeu a batalha
pelo coração da classe média?
Rangel - Há setores da classe média que realmente se colocaram
contra Chávez. E isso se deve aos
meios de comunicação. As classes
médias assimilam mais rapidamente as mensagens da mídia que
os setores populares. O curioso é
que os setores mais beneficiados
pela política de Chávez são as classes médias. Os menos beneficiados são as classes baixas, que fizeram um pacto de sangue com o
presidente. A classe média é muito ingênua. Engole todas as mentiras dos setores que dominam a
sociedade. No Brasil, reproduz-se
a mesma coisa. Lula está ganhando a Presidência e muitos acham
que ele vai comunizar o Brasil e
expulsar o capital, embora isso seja uma mentira.
Folha - Segundo as pesquisas, Lula não é rejeitado pela classe média
no Brasil...
Rangel - Chávez também não tinha problema com a classe média
no início de seu governo. Basta
começar a propaganda para a coisa mudar. A classe média é muito
suscetível. Por exemplo: vincularam Chávez a Fidel [Castro], como se nossa política externa se limitasse a Cuba.
Folha - Houve o encontro de Chávez com Saddam Hussein...
Rangel - Toda vez que algum
país da América Latina tenta obter sua autonomia, recebe esse tipo de crítica. Chávez acabou de
voltar de uma viagem de sucesso
da Europa, tem relações estratégicas com o mundo todo. Não houve uma única desapropriação na
Venezuela. O câmbio é livre. Essas
mentiras tem um propósito: influir na capacidade de reflexão da
população. Estamos tentando
resgatar fatias da classe média,
mas é difícil.
Folha - Não é curioso que candidatos ditos de esquerda estejam
avançando na América Latina enquanto os problemas na Venezuela
indicam uma tendência inversa?
Rangel - Não, não é estranho. Esse mesmo processo vai ocorrer no
Brasil e no Equador. Tenha certeza disso.
Folha - O que vai ocorrer?
Rangel - Resistências.
Folha - O que pode mudar na relação entre a Venezuela e o Brasil
com a provável eleição de Lula?
Rangel - Pode melhorar com
qualquer candidato. Com Lula, há
esse componente romântico, sentimental, mas não vai mudar muita coisa na prática. Nossa relação
com Cardoso foi maravilhosa. O
governo de Chávez descobriu o
Brasil e vice-versa. São economias
que se complementam. O Brasil
descobriu sua fronteira com a Venezuela e vice-versa. Antes desta
administração, a única fronteira
que aproveitávamos comercialmente era com a Colômbia.
Folha - Como está a relação de
Chávez com o governo dos EUA?
Rangel - Ótima. Temos mantido
uma atitude vigilante com relação
ao terrorismo. Garantimos o fornecimento de petróleo aos EUA.
O resto é retórica, das duas partes.
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