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DEPOIMENTO
"Silêncio opressivo mostrava que algo não ia bem"
KAREN MARÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BAGDÁ
A primeira explosão sacudiu a
cidade até suas bases. Eram
17h25, alguns minutos depois de
terminado o jejum diário celebrado pelos muçulmanos durante
seu mês sagrado, o Ramadã.
Segundos mais tarde, antes que
eu pudesse reagir, a segunda explosão sacudiu as janelas do quarto, e logo depois a terceira, que faz
tudo tremer até nosso sangue gelar. As nuvens de fumaça esbranquiçada que se erguem, imponentes, são o sinal da tragédia.
Os telefones ficam congestionados, e a notícia chega em tempo
real. Três explosões aconteceram
nas imediações dos hotéis Palestine e Sheraton, o complexo hoteleiro onde nós, correspondentes
estrangeiros, costumamos nos
hospedar e onde também se alojam os empresários que mantêm
lucrativos negócios de segurança
no Iraque devastado.
O primeiro pensamento racional é trabalhar rapidamente; a primeira emoção é a angústia com os
que estão ali. Roger Auque, com a
sabedoria de anos como correspondente de guerra e a experiência de ter sido refém do Hizbollah
no Líbano durante um ano, acalma-me e prioriza o trabalho.
É que o hotel Palestine é nossa
casa. É o lugar que nos albergou
nos momentos mais difíceis da
cobertura neste país. No entanto,
de alguns meses para cá, o hotel,
antes fortaleza, se converteu num
lugar vulnerável. Foi embora a
empresa de segurança que controlava com cuidado a entrada de
pessoas e o perímetro de 300 metros ao seu redor. Foi por isso que
desta vez, na minha quarta cobertura no Iraque, mudei de "casa".
Mas sinto saudades do Palestine.
Ali vivemos os momentos mais
sublimes, aterradores, exultantes
e tristes pelos quais um correspondente de guerra pode passar.
Estive no Palestine há quatro
dias. Fui para lá com Fran Sevilla,
da Rádio Nacional da Espanha,
visitar outro querido amigo e
mestre, Alberto Sotillo, da ABC. A
revista corporal e dos meus pertences foi mais superficial do que
nunca. As ruas dos arredores do
hotel não tinham segurança, e só
dois soldados das forças multinacionais controlavam a segunda
barreira, conversando entre eles.
As ruas internas desertas e um
silêncio opressivo foram o sinal
de que algo não estava bem -eu
o senti no ambiente. Na porta de
entrada do hotel estavam posicionados três veículos Humvee com
atiradores sobre seus tetos.
A banquinha que vendia refrigerantes, chocolates e cerveja
-em segredo-, sempre firme,
chovesse ou fizesse sol; a lojinha
de artesanato no saguão do hotel,
embora vazia de clientes, sempre
atraente com os presentes e souvenires; o gerente em seu escritório, como o tenho visto desde que
o conheci, e um membro da segurança que me perguntou para onde eu ia -é que, com o corpo coberto pela "abaya" e sob o "hijab",
eu estava irreconhecível.
Mas hoje a barraquinha de bebidas está destruída. A lojinha com
suas relíquias e seus presentes foi
pulverizada, e o gerente tampouco está sentado em seu escritório.
O primeiro carro-bomba se jogou contra uma guarita e explodiu com seu motorista. Uma betoneira chegou manobrando, e o
segundo homem-bomba se fez
explodir. Ele viera pela praça Firdus, ou Paraíso, que o mundo conheceu ao ver a estátua de Saddam Hussein ser derrubada.
Apartamentos e casas da vizinhança ficaram destruídos, com
as vítimas de sempre: os civis atingidos pelas guerras, os conflitos,
as ocupações.
As mães que sofrem abortos espontâneos por causa do terror, os
bebês que nascem prematuros em
razão da angústia, as crianças que
começam a sofrer novas doenças
por causa das bombas que invadem seus sonhos, convertendo-os
em pesadelos.
São ao menos seis mortos civis
que nada têm a ver com o objetivo
militar tão valorizado pela insurgência nestes 30 meses de ocupação. Os ataques com morteiro
contra esses hotéis eram diários, e
me recordo de um deles que me
recebeu em um 8 de abril, quando
se completou um ano da ocupação. Mas a história que se repete a
cada dia tem como vítimas os
mais inocentes, como os meninos
que, todos os dias, eu via jogar futebol às margens do rio Tigre,
num campinho improvisado ao
lado do Palestine. Um ataque com
morteiros matou quatro deles que
não deviam ter mais de 12 anos.
Não os vejo mais jogar, nem vejo outros meninos oferecendo
mercadorias na calçada, ou a multidão de correspondentes convivendo com tudo isso dia a dia para continuar contando a história.
Porque sempre é melhor estar ali
do que não, e nisso consiste uma
responsabilidade social -e um
risco, como ontem, de perder a vida. Vida que a dor, o poder, a ambição e a loucura levam embora.
A argentina Karen Marón é especializada na cobertura de conflitos armados, como na Colômbia e no Oriente Médio
Tradução de Clara Allain
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