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Irbil se torna refúgio para população cristã
DO ENVIADO A IRBIL
O padre Louis Kakos exibe
com orgulho a planilha de casamentos marcados na agenda.
"Há cada vez mais gente querendo se unir", diz, prevendo
dificuldade em atender tantos
novos pedidos.
Os noivos são moradores de
Ankawa, um subúrbio de Irbil,
capital do Curdistão Iraquiano
(norte), onde católicos, ortodoxos, protestantes e assírios de
todo o Iraque encontraram refúgio por medo do radicalismo
islâmico que se instalou no vácuo do poder deixado pelo ditador laico Saddam Hussein, deposto após a invasão americana
de 2003.
Kakos aposta que os matrimônios ajudarão a aumentar a
população de Ankawa e a reforçar a posição da cidade como
principal encrave cristão no
Iraque.
Pelas contas do padre, mais
de 90% dos 20 mil habitantes
de Ankawa são cristãos. Ele diz
que 6.000 famílias se instalaram na capital curda desde a
queda do antigo regime. A
maioria chegou nos últimos
dois anos, quando Irbil e seus
arredores consolidaram a reputação de região mais segura e
economicamente dinâmica do
Iraque -os curdos vivem num
sistema de governo autônomo
que os mantêm distantes da
realidade do sul do país, de
maioria árabe.
Além das celebrações de rotina, Kakos supervisiona as seis
escolas maternais católicas de
Ankawa. Em uma delas, a Folha acompanhou aulas de catequese em árabe para crianças
de três a cinco anos de idade.
Ankawa é uma cidade plana
de prédios baixos e casas erguidas sem qualquer plano de urbanismo. Novas ruas são construídas paralelas umas às outras na medida em que é necessário mais espaço para acomodar os novos moradores. Atrás
das últimas fileiras de casas há
dezenas de escavadeiras e
montes de cimento. De longe se
pode ver as montanhas nevadas que cercam Irbil.
No pacato centro da cidade
chamam a atenção os vistosos
outdoors de anúncio de vodca e
uísque nos tetos das lojas de bebidas alcoólicas e a quantidade
de carros novos.
Integração e nostalgia
Ankawa, construída numa
área em que os primeiros registros de cristãos remontam à
Antiguidade, tem uma emissora local de TV com conteúdo religioso e quatro igrejas.
A maioria dos cristãos de Ankawa ouvidos pela Folha disse
ter sido bem aceita pela população curda, majoritária na região, e se declarou satisfeita
com a nova vida. Mas muitos
imigrantes admitem ter nostalgia do antigo regime.
"Não tenho saudade do Saddam, mas do tempo em que ele
governava", diz a médica Janin
Antuan. Ela se mudou há dois
anos com a família para Ankawa depois de sofrer duas tentativas de sequestro.
O marido, George, é mais explícito: "Antigamente, Bagdá
era a cidade mais segura do
mundo, hoje é uma das mais
perigosas". Ele diz que, se pudesse, voltaria a viver na capital
iraquiana.
O padre Kakos não quis responder a perguntas sobre o antigo regime, com medo de ser
"mal interpretado".
Embora não fossem formalmente protegidos, os cristãos
se sentiam confortáveis sob o
regime secular de Saddam. Ao
contrário dos curdos e xiitas,
nunca despertaram a hostilidade do ditador sunita, que ordenou a construção de várias
igrejas pelo país e tinha um militar católico, Tareq Aziz, como
seu chanceler e vice-primeiro-ministro.
Com a queda do regime, começaram os ataques contra
cristãos, em meio a uma explosão generalizada da violência
no Iraque. Clérigos e fiéis foram assassinados, especialmente em Mossul, e empresários tiveram suas indústrias depredadas sob acusação de que
vendiam bebidas alcoólicas ou
colaboravam com o inimigo.
Por terem reputação de
abastados, cristãos também se
tornaram alvo fácil de sequestradores, e mulheres sofreram
ameaças por não usar véu.
Anos de exílio
A perseguição, ou o medo dela, levou ao exílio no exterior
(Canadá, Escandinávia, Jordânia e Síria) metade dos cerca de
800 mil cristãos que moravam
no Iraque antes da invasão. Dos
que não puderam sair do país
ou preferiram lá ficar, 60% estão no norte do país.
A empresária Rita Wathiq
nega que os cristãos sejam o alvo preferencial dos grupos ultrarradicais que se fortaleceram ou que entraram no Iraque
nos últimos anos. "A violência é
geral, todo o mundo é visado",
diz ela.
(SA)
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