São Paulo, domingo, 25 de outubro de 2009

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Irbil se torna refúgio para população cristã

DO ENVIADO A IRBIL

O padre Louis Kakos exibe com orgulho a planilha de casamentos marcados na agenda. "Há cada vez mais gente querendo se unir", diz, prevendo dificuldade em atender tantos novos pedidos.
Os noivos são moradores de Ankawa, um subúrbio de Irbil, capital do Curdistão Iraquiano (norte), onde católicos, ortodoxos, protestantes e assírios de todo o Iraque encontraram refúgio por medo do radicalismo islâmico que se instalou no vácuo do poder deixado pelo ditador laico Saddam Hussein, deposto após a invasão americana de 2003.
Kakos aposta que os matrimônios ajudarão a aumentar a população de Ankawa e a reforçar a posição da cidade como principal encrave cristão no Iraque.
Pelas contas do padre, mais de 90% dos 20 mil habitantes de Ankawa são cristãos. Ele diz que 6.000 famílias se instalaram na capital curda desde a queda do antigo regime. A maioria chegou nos últimos dois anos, quando Irbil e seus arredores consolidaram a reputação de região mais segura e economicamente dinâmica do Iraque -os curdos vivem num sistema de governo autônomo que os mantêm distantes da realidade do sul do país, de maioria árabe.
Além das celebrações de rotina, Kakos supervisiona as seis escolas maternais católicas de Ankawa. Em uma delas, a Folha acompanhou aulas de catequese em árabe para crianças de três a cinco anos de idade.
Ankawa é uma cidade plana de prédios baixos e casas erguidas sem qualquer plano de urbanismo. Novas ruas são construídas paralelas umas às outras na medida em que é necessário mais espaço para acomodar os novos moradores. Atrás das últimas fileiras de casas há dezenas de escavadeiras e montes de cimento. De longe se pode ver as montanhas nevadas que cercam Irbil.
No pacato centro da cidade chamam a atenção os vistosos outdoors de anúncio de vodca e uísque nos tetos das lojas de bebidas alcoólicas e a quantidade de carros novos.

Integração e nostalgia
Ankawa, construída numa área em que os primeiros registros de cristãos remontam à Antiguidade, tem uma emissora local de TV com conteúdo religioso e quatro igrejas.
A maioria dos cristãos de Ankawa ouvidos pela Folha disse ter sido bem aceita pela população curda, majoritária na região, e se declarou satisfeita com a nova vida. Mas muitos imigrantes admitem ter nostalgia do antigo regime.
"Não tenho saudade do Saddam, mas do tempo em que ele governava", diz a médica Janin Antuan. Ela se mudou há dois anos com a família para Ankawa depois de sofrer duas tentativas de sequestro.
O marido, George, é mais explícito: "Antigamente, Bagdá era a cidade mais segura do mundo, hoje é uma das mais perigosas". Ele diz que, se pudesse, voltaria a viver na capital iraquiana.
O padre Kakos não quis responder a perguntas sobre o antigo regime, com medo de ser "mal interpretado".
Embora não fossem formalmente protegidos, os cristãos se sentiam confortáveis sob o regime secular de Saddam. Ao contrário dos curdos e xiitas, nunca despertaram a hostilidade do ditador sunita, que ordenou a construção de várias igrejas pelo país e tinha um militar católico, Tareq Aziz, como seu chanceler e vice-primeiro-ministro.
Com a queda do regime, começaram os ataques contra cristãos, em meio a uma explosão generalizada da violência no Iraque. Clérigos e fiéis foram assassinados, especialmente em Mossul, e empresários tiveram suas indústrias depredadas sob acusação de que vendiam bebidas alcoólicas ou colaboravam com o inimigo.
Por terem reputação de abastados, cristãos também se tornaram alvo fácil de sequestradores, e mulheres sofreram ameaças por não usar véu.

Anos de exílio
A perseguição, ou o medo dela, levou ao exílio no exterior (Canadá, Escandinávia, Jordânia e Síria) metade dos cerca de 800 mil cristãos que moravam no Iraque antes da invasão. Dos que não puderam sair do país ou preferiram lá ficar, 60% estão no norte do país.
A empresária Rita Wathiq nega que os cristãos sejam o alvo preferencial dos grupos ultrarradicais que se fortaleceram ou que entraram no Iraque nos últimos anos. "A violência é geral, todo o mundo é visado", diz ela. (SA)


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