São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

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Milhares protestam por eutanásia na Itália

Enterro do italiano que quis morrer, depois de ficar 10 anos paralisado, vira ato contra igreja, que lhe negou funeral religioso

Piergiorgio Welby sofria distrofia muscular havia 42 anos e defendia a eutanásia; morte na última quarta reabriu discussão na Itália

DA REDAÇÃO

Cerca de 4.000 pessoas foram ao enterro de Piergiorgio Welby, em Roma. Ele morreu na última quarta-feira e levantou um forte debate sobre a eutanásia na Itália.
Vítima de distrofia muscular progressiva e paralisado havia dez anos, Welby pediu o desligamento do respirador artificial que o mantinha vivo.
Parte da multidão presente gritava "vergonha" como protesto contra a decisão da Igreja Católica de proibir uma cerimônia religiosa para Welby.
Apesar do pároco local defender o funeral religioso, a Diocese de Roma o proibiu, "pela defesa reiterada de Welby de dar fim à sua vida, contra a doutrina católica".
O papa Bento 16 entrou ontem no debate sobre a eutanásia, na oração do Angelus, que precede o Natal. "O nascimento de Cristo nos ajuda a tomar consciência do que vale a vida de todo o ser humano, desde seu primeiro instante até seu declínio natural", disse.
Durante o enterro, foram aplaudidos políticos que apóiam a eutanásia, como a ex-deputada Emma Bonino, do Partido Radical, pequena agremiação de esquerda que entrou na campanha de Welby durante os últimos meses.

"Igreja insensível"
Muitos na Itália, incluídos padres e até um bispo do norte do país, condenaram a decisão como "insensível".
"Estou chocado pela decisão de não dar a Welby um funeral religioso. A igreja permitiu funerais para [ditadores como] Pinochet e Franco e até a mafiosos, mas rejeitamos um homem porque ele queria morrer", disse o padre Gianfranco Formenton.
A viúva de Welby, Mina, destacou a importância da campanha liderada pelo marido. "Estou feliz por ele, agora ele é livre. Continuarei sua luta. Sua carta ao presidente provocou uma grande mobilização na Itália e no exterior", disse.
"Gostaria que seu enterro fosse religioso, por sua mãe, que é muito devota. Trata-se de uma tradição", lamentou.
O senador socialista Gavino Angius afirmou que a atitude do Vaticano "nos deixa assombrados". "Estamos no Natal. Eu acho que Jesus não aprovaria uma decisão como essa", disse.
O premiê italiano, o socialista Romano Prodi, disse que era defensor da vida, mas achou que o assunto merecia um debate sério após o caso Welby.
A morte de Welby desatou um debate político. Políticos de esquerda defenderam sua atitude, enquanto deputados conservadores, da oposição, pediram que o anestesista que ajudou Welby a morrer fosse preso. Mario Riccio desligou o respirador artificial que mantinha Welby vivo, mas negou ter realizado uma eutanásia, dizendo que apenas "cumpriu a vontade do paciente de não prosseguir com o tratamento". Pode ser condenado a 15 anos de prisão.
Em jogos de futebol no sábado, torcedores italianos levaram para os estádios faixas com os dizeres "Bom Natal, Welby".

"Deixem-me morrer"
Welby esteve paralisado em uma cama por quase dez anos. Nos últimos meses, ele já não falava mais e se comunicava por um computador que codificava sons e até o movimento de seus olhos.
Em setembro, ele enviou um vídeo ao presidente italiano, Giorgio Napolitano, em que pedia seu direito a morrer. Também escreveu um livro chamado "Deixem-me morrer".
Sua luta é parecida com a do espanhol Ramón Sampedro, que viveu 29 anos paralisado em uma cama e escreveu o livro "Cartas do Inferno". Sua história foi levada ao cinema no filme "Mar Adentro", que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro no ano passado.
Na Espanha, o governo socialista quer aprovar a eutanásia - discussão em pauta também no Canadá e na Austrália.
Apenas Suíça, Holanda, Bélgica e o Estado americano de Oregon permitem o suicídio assistido para pacientes em estado terminal .


Com agências internacionais


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