São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

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"Ideologia comum não pode fazer Brasil refém de vizinho"

América do Sul precisa achar equilíbrio entre crescer e distribuir renda, diz brasilianista

Werner Baer, que orientou Correa espera pragmatismo do equatoriano, enfatiza papel de mediador do Brasil e vê mais tensão na Bolívia

FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL

O brasilianista norte-americano Werner Baer é um professor bem-sucedido: seus alunos ilustres de economia na América Latina incluem o presidente eleito do Equador, o esquerdista Rafael Correa, dois diretores do Banco Central brasileiro, o ministro da Fazenda colombiano e o ex-presidente do Banco do Brasil, Rossano Maranhão. "Estou sempre dizendo que, se eles tiverem sucesso, é por causa da boa educação. Se fracassarem, é porque esqueceram tudo que eu ensinei", brinca Baer, professor da Universidade de Illinois (EUA). Ativo aos 72 anos, Baer falou à Folha sobre os benefícios e riscos que vê na onda de esquerda que se consolidou na América do Sul neste ano. Leia os principais trechos da entrevista, feita por telefone:

 

FOLHA - Quem foi o aluno Rafael Correa? É o mesmo que ganhou a eleição no Equador?
WERNER BAER
- É um bom economista, que conhece a teoria moderna e também os métodos quantitativos modernos. Em geral, ele acredita no mercado, no direito à propriedade. A única coisa que o marca como, entre aspas, esquerdista, é que sempre foi preocupado com a má distribuição da renda e da propriedade nos países latino-americanos. Sob esse ponto de vista, ele é coerente. Numa campanha, há uma retórica exagerada. Não estou em contato íntimo com ele há anos, mas me parece que o resultado será um pouco como o Lula. O Lula, na primeira campanha, em 1989, foi extremista nas declarações, mas depois, no poder, se tornou muito mais moderado. Acho que o mesmo pode ocorrer com Correa.

FOLHA - Correa já disse que não quer um acordo comercial com os EUA e ensaia uma aproximação com o Mercosul. Qual é o melhor caminho, um tratado com o o país mais rico do mundo ou fortalecer as relações com os vizinhos?
BAER
- É preciso tentar ambos. Hostilizar os EUA ganha votos, mas não é necessariamente prático. Eu espero que Correa, agora que ganhou, vá tomar uma atitude mais pragmática.

FOLHA - E as petroleiras, com as quais quer renegociar os contratos?
BAER
- É negociação. Qualquer empresa privada, hoje em dia, de vez em quando quer renegociar contratos. Mas dizer que ele não vai reconhecer os contratos assinados é exagero.

FOLHA - A estratégia do Brasil de fortalecer o Mercosul e privilegiar as relações Sul-Sul é bem sucedida?
BAER
- O interessante no Brasil é que, de um lado, há um governo que se diz de esquerda, mas não é, e também há um presidente pragmático, o que é muito positivo. Acho que o Brasil está numa situação muito boa. Se a relação entre Venezuela e EUA piorar, o intermediário poderia ser o Brasil. Isso pode favorecer o Brasil. No caso do Mercosul, os problemas são a falta de benefícios para os pequenos países e a dependência do gás vindo da Bolívia. O problema do nacionalismo boliviano não é dos EUA, mas da Argentina e do Brasil. Até que ponto, mesmo que eles sejam companheiros ideológicos, o Brasil cederá à, vamos dizer, chantagem dos vizinhos? O Brasil não se pode dar ao luxo, a longo prazo, de fazer isso.

FOLHA - A Bolívia renovou os acordos com as petroleiras e tem tentado aumentar o papel do Estado. É um modelo que tende a ter mais sucesso na distribuição de renda?
BAER
- Não sei ainda. Ele [Evo Morales] quer fazer uma reforma agrária que poderia melhorar a distribuição de renda, mas piorar a produção agrícola. Essa reforma agrária poderia causar um atrito regional muito maior do que no passado entre o leste da Bolívia e o altiplano, ameaçando a unidade do país.

FOLHA - No caso da Venezuela, o presidente Hugo Chávez conseguiu crescimento com a alta do petróleo e faz uma política distributiva. No que a formula difere dos anos 70?
BAER
- Não há dúvidas de que ele quer de fato alguma coisa dramática para mudar o padrão de vida das pessoas de baixa renda, há uma tentativa de usar os recursos do petróleo para saúde, educação etc., o que é louvável. Mas o que vai acontecer se o preço do petróleo baixar? Será que outras fontes investimentos aparecerão? Será que ele vai eliminar a classe empresarial? São pontos de interrogação importantes. É possível que a classe média, pessoas com muito capital humano, fujam do país, como aconteceu em Cuba, apesar da política social e educacional de saúde. Fidel Castro também desencorajou o crescimento das pessoas que poderiam investir, criar empresas, pois não permite a propriedade privada. De um lado, o sucesso de Fidel foi a melhora do padrão de vida, a educação, a saúde das pessoas mais pobres. Mas, do outro lado, uma vez que tem educação, a pessoa quer liberdade.

FOLHA - Chávez já prometeu US$ 1,5 bilhão de investimentos na Bolívia, e Correa anunciou que fará a refinação de petróleo na Venezuela. A Venezuela tem a capacidade de substituir capitais americano e europeu nesses países menores?
BAER
- Essa é a estratégia de Chávez, de comprar a lealdade para se tornar um líder de uma grande massa regional para enfrentar os EUA - e, talvez, o Brasil também, porque o Brasil não vai se submeter às regras do caudilho da Venezuela. Mas acho que, se o preço do petróleo baixar e houver a exigência de mais investimentos em capital fixo, ele será contestado internamente. Essa liberdade de fazer doações é muito arriscada.

FOLHA - Em geral, o que essa onda de esquerda trouxe de positivo e negativo para a região?
BAER
- O bom foi a ênfase na necessidade de melhorar a distribuição de renda, a educação etc. O fato de que o crescimento das últimas décadas foi até adequado às vezes, mas com uma distribuição muito concentrada, se reflete na violência das cidades, é um sintoma de má distribuição e descontentamento. Essa onda de governos esquerdistas é saudável, pois a negligência do problema distributivo pelo Consenso de Washington não está certa. Por outro lado, temo que isso produza também uma onda de caudilhos que vão desrespeitar a liberdade política. Esse é o risco.


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