|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Ideologia comum não pode fazer Brasil refém de vizinho"
América do Sul precisa achar equilíbrio entre crescer e distribuir renda, diz brasilianista
Werner Baer, que orientou Correa espera pragmatismo do equatoriano, enfatiza papel de mediador do Brasil e vê mais tensão na Bolívia
FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL
O brasilianista norte-americano Werner Baer é um professor bem-sucedido: seus alunos
ilustres de economia na América Latina incluem o presidente
eleito do Equador, o esquerdista Rafael Correa, dois diretores
do Banco Central brasileiro, o
ministro da Fazenda colombiano e o ex-presidente do Banco
do Brasil, Rossano Maranhão.
"Estou sempre dizendo que,
se eles tiverem sucesso, é por
causa da boa educação. Se fracassarem, é porque esqueceram tudo que eu ensinei", brinca Baer, professor da Universidade de Illinois (EUA).
Ativo aos 72 anos, Baer falou
à Folha sobre os benefícios e
riscos que vê na onda de esquerda que se consolidou na
América do Sul neste ano. Leia
os principais trechos da entrevista, feita por telefone:
FOLHA - Quem foi o aluno Rafael
Correa? É o mesmo que ganhou a
eleição no Equador?
WERNER BAER - É um bom economista, que conhece a teoria
moderna e também os métodos
quantitativos modernos. Em
geral, ele acredita no mercado,
no direito à propriedade. A única coisa que o marca como, entre aspas, esquerdista, é que
sempre foi preocupado com a
má distribuição da renda e da
propriedade nos países latino-americanos. Sob esse ponto de
vista, ele é coerente. Numa
campanha, há uma retórica
exagerada. Não estou em contato íntimo com ele há anos,
mas me parece que o resultado
será um pouco como o Lula. O
Lula, na primeira campanha,
em 1989, foi extremista nas declarações, mas depois, no poder, se tornou muito mais moderado. Acho que o mesmo pode ocorrer com Correa.
FOLHA - Correa já disse que não
quer um acordo comercial com os
EUA e ensaia uma aproximação com
o Mercosul. Qual é o melhor caminho, um tratado com o o país mais
rico do mundo ou fortalecer as relações com os vizinhos?
BAER - É preciso tentar ambos.
Hostilizar os EUA ganha votos,
mas não é necessariamente
prático. Eu espero que Correa,
agora que ganhou, vá tomar
uma atitude mais pragmática.
FOLHA - E as petroleiras, com as
quais quer renegociar os contratos?
BAER - É negociação. Qualquer
empresa privada, hoje em dia,
de vez em quando quer renegociar contratos. Mas dizer que
ele não vai reconhecer os contratos assinados é exagero.
FOLHA - A estratégia do Brasil de
fortalecer o Mercosul e privilegiar as
relações Sul-Sul é bem sucedida?
BAER - O interessante no Brasil
é que, de um lado, há um governo que se diz de esquerda, mas
não é, e também há um presidente pragmático, o que é muito positivo. Acho que o Brasil
está numa situação muito boa.
Se a relação entre Venezuela e
EUA piorar, o intermediário
poderia ser o Brasil. Isso pode
favorecer o Brasil. No caso do
Mercosul, os problemas são a
falta de benefícios para os pequenos países e a dependência
do gás vindo da Bolívia. O problema do nacionalismo boliviano não é dos EUA, mas da Argentina e do Brasil. Até que
ponto, mesmo que eles sejam
companheiros ideológicos, o
Brasil cederá à, vamos dizer,
chantagem dos vizinhos? O
Brasil não se pode dar ao luxo, a
longo prazo, de fazer isso.
FOLHA - A Bolívia renovou os acordos com as petroleiras e tem tentado aumentar o papel do Estado. É
um modelo que tende a ter mais sucesso na distribuição de renda?
BAER - Não sei ainda. Ele [Evo
Morales] quer fazer uma reforma agrária que poderia melhorar a distribuição de renda, mas
piorar a produção agrícola. Essa reforma agrária poderia causar um atrito regional muito
maior do que no passado entre
o leste da Bolívia e o altiplano,
ameaçando a unidade do país.
FOLHA - No caso da Venezuela, o
presidente Hugo Chávez conseguiu
crescimento com a alta do petróleo
e faz uma política distributiva. No
que a formula difere dos anos 70?
BAER - Não há dúvidas de que
ele quer de fato alguma coisa
dramática para mudar o padrão
de vida das pessoas de baixa
renda, há uma tentativa de usar
os recursos do petróleo para
saúde, educação etc., o que é
louvável. Mas o que vai acontecer se o preço do petróleo baixar? Será que outras fontes investimentos aparecerão? Será
que ele vai eliminar a classe
empresarial? São pontos de interrogação importantes. É possível que a classe média, pessoas com muito capital humano, fujam do país, como aconteceu em Cuba, apesar da política
social e educacional de saúde.
Fidel Castro também desencorajou o crescimento das pessoas que poderiam investir,
criar empresas, pois não permite a propriedade privada. De
um lado, o sucesso de Fidel foi a
melhora do padrão de vida, a
educação, a saúde das pessoas
mais pobres. Mas, do outro lado, uma vez que tem educação,
a pessoa quer liberdade.
FOLHA - Chávez já prometeu US$
1,5 bilhão de investimentos na Bolívia, e Correa anunciou que fará a refinação de petróleo na Venezuela. A
Venezuela tem a capacidade de
substituir capitais americano e europeu nesses países menores?
BAER - Essa é a estratégia de
Chávez, de comprar a lealdade
para se tornar um líder de uma
grande massa regional para enfrentar os EUA - e, talvez, o
Brasil também, porque o Brasil
não vai se submeter às regras
do caudilho da Venezuela. Mas
acho que, se o preço do petróleo
baixar e houver a exigência de
mais investimentos em capital
fixo, ele será contestado internamente. Essa liberdade de fazer doações é muito arriscada.
FOLHA - Em geral, o que essa onda
de esquerda trouxe de positivo e negativo para a região?
BAER - O bom foi a ênfase na
necessidade de melhorar a distribuição de renda, a educação
etc. O fato de que o crescimento
das últimas décadas foi até adequado às vezes, mas com uma
distribuição muito concentrada, se reflete na violência das
cidades, é um sintoma de má
distribuição e descontentamento. Essa onda de governos
esquerdistas é saudável, pois a
negligência do problema distributivo pelo Consenso de Washington não está certa. Por outro lado, temo que isso produza
também uma onda de caudilhos que vão desrespeitar a liberdade política. Esse é o risco.
Texto Anterior: Etiópia ataca Somália para combater forças islâmicas do país Próximo Texto: Frase Índice
|