São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / JULGAMENTO FINAL

História pode julgar Bush em vida por "guerra ao terror"

Cresce pressão sobre Obama para que investigue atos de seu antecessor em questões como tortura em interrogatórios

O mais provável é que o democrata recomende instituir uma comissão bipartidária de apuração, como a do 11 de Setembro


Manuel Balce Ceneta - 22.dez.08/Associated Press
Bush, que deixará cargo com reprovação de quase 80%, chega à Casa Branca após visitar veteranos

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Na recente bateria de entrevistas que deu antes de se recolher na residência de Camp David, no Estado de Maryland, onde passa o Natal hoje, o presidente George W. Bush voltou a repetir que não se preocupa com o julgamento da história, pois estará morto quando isso acontecer. O republicano se preocupa, no entanto, com o movimento cada vez maior de entidades progressistas pedindo seu julgamento em vida.
Organizações como a Aclu, uma das principais de direitos civis dos EUA, Human Rights First, Human Rights Watch, Brennan Center for Justice e advogados como Vincent Bugliosi, que mandou para a cadeia Charles Manson nos anos 70, Scott Horton, que defendeu o dissidente russo Andrei Sakharov (1921-1989), e Michael Ratner, presidente do Center For Constitutional Rights, pressionam Barack Obama a abrir investigações sobre seu antecessor quando assumir o governo, no próximo dia 20.
Especialistas em lei como Harold Krent, reitor da Faculdade de Direito Chicago-Kent, especulam se Bush não usará os dias que lhe restam para dar perdão preventivo a todos os que, em sua definição, tiverem lutado na "guerra ao terror", livrando assim membros de seu governo de futuros constrangimentos. A Casa Branca não comenta a possibilidade, mas a Aclu já entrou com ação preventiva contra a medida.

Ordens executivas
Durante a campanha, Obama disse que revisaria todas as ordens executivas assinadas por Bush que ferissem os direitos civis ou a Constituição. Tais ordens são o equivalente à brasileira medida provisória, atos tomados pelo Executivo com força de lei e que podem ser anulados por novas ordens ou contestadas pelo Congresso. Estima-se que Bush tenha assinado mais de 200 na luta antiterror, a maioria delas secreta.
São atos como os que permitiram técnicas de interrogatório baseadas em torturas ilegais, primeiro no Afeganistão, depois na prisão de Guantánamo; a instalação de prisões secretas fora do país comandadas pela CIA, a agência de inteligência americana; e a espionagem sem mandato judicial de cidadãos americanos em comunicação com suspeitos no exterior, que depois virou lei.
O mais provável, no entanto, é que o presidente eleito recomende ao Congresso que institua uma comissão independente e bipartidária nos moldes da que investigou as falhas que levaram ao 11 de Setembro. Desta vez, ela levantaria todos os desmandos constitucionais que ocorreram nos oito anos da dupla Bush-Dick Cheney na Casa Branca, divulgaria recomendações, mas não implicaria ninguém legalmente.
O ponto de partida seria o relatório elaborado por comissão bipartidária da Comissão das Forças Armadas do Senado e divulgado há duas semanas. Ele chegou à conclusão de que o abuso de detentos na prisão de Abu Ghraib, então sob controle americano, no Iraque, foi resultado direto de políticas adotadas pelo então secretário da Defesa de Bush, Donald Rumsfeld, e Alberto Gonzales, então assessor legal da Casa Branca e depois secretário de Justiça.
O comando obamista vê com bons olhos a abertura do levantamento, mas teme aonde a apuração pode chegar, caso saia do controle do governo. A partir do dia 6, Dianne Feinstein assumirá o comando da Comissão de Inteligência do Senado. A senadora democrata da Califórnia é autora de medida que exigia que a CIA seguisse as mesmas regras de interrogatório dos militares, que proíbem a tortura. Bush vetou a lei.
Ela não fará pressão sozinha. O congressista John Conyers, atual presidente da Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes (deputados federais), é simpático ao pedido de entidades de direitos humanos européias que querem o indiciamento de membros ou ex-membros do gabinete de Bush suspeitos de terem quebrado a lei em ações antiterrorismo.
Em entrevista ao jornal conservador "Washington Times", na segunda-feira, o vice-presidente admitiu que ao menos três detentos sofreram a simulação de afogamento chamada de "waterboarding", comumente apontada como tortura.
"Era tortura?", perguntou-se Dick Cheney. "Não acredito que fosse tortura." No dia anterior, havia sido indagado pela Fox News: se o presidente, em tempos de guerra, decidir tomar ações para proteger o país, elas são legais? "Como proposição geral, creio que sim."


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