São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

Contrastes alimentam tensão social na Nigéria

No país rico em petróleo desigualdade limita o cotidiano de ricos e de pobres

Dinheiro trazido pelas empresas estrangeiras não se traduz em benefícios para a população, que acusa políticos locais de corrupção


BELISA RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LAGOS

Hope Harriman, 76, e Ojarenmwinda Osaro Famous, 40, não têm muito em comum além da nacionalidade. Mas ambos acreditam na mesma solução para os graves problemas econômicos, políticos e sociais de seu país, a Nigéria: uma revolução popular que não deve demorar muito a acontecer.
Harriman, brindado por um Oba (rei de tribo) com o título de "chief", correspondente na Nigéria ao "sir" dos britânicos, dá nome à rua em que mora. Integrante da pequena e riquíssima elite, estudou em Cambridge, onde educou também o filho, colega do príncipe Edward. Tem entre seus amigos próximos o ex-presidente da ONU, Kofi Anan, freqüenta colunas sociais e é mulato -algo bastante raro no país.
A miscigenação ocorreu em pequena escala exatamente na sua região de origem, a do delta do Níger, onde se concentra a produção de petróleo. Por isso mesmo, a mais conflagrada, berço de movimentos rebeldes que se misturam com a pirataria e os seqüestros de funcionários de multinacionais.
Famous -batizado seguindo a crença local de que o nome influencia o destino- é motorista de uma empresa estrangeira. Seu bairro não tem saneamento nem água, e ele acaba de comprar um gerador a diesel para dar algum conforto à mulher, que teve o primeiro filho.
A diferença das disparidades sociais em outros lugares do mundo está em cada esquina de Lagos, a mais populosa cidade da África, com 14 milhões de habitantes, número que se calcula aumentar em 6.000 por dia só com a imigração.
Gente vinda das áreas rurais ou de países vizinhos, em busca de empregos na indústria petrolífera, que acaba trabalhando em mercados de milhares de "lojas" de um metro quadrado, ou engorda as hordas de vendedores de rua. Nos engarrafamentos que fazem um percurso de 10 km durar duas horas, oferecem-se de bugigangas até, com a máquina de costura na cabeça, serviços de alfaiate.

Estrangeiros
Como o país, que faz parte da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), não consegue resolver suas deficiências energéticas, também são em parte movidas a diesel as mansões dos nigerianos mais abastados e as verdadeiras ilhas onde vivem os estrangeiros, como o condomínio da Chevron-Texaco, que abriga entre grades o prédio de escritórios da empresa e 150 residências de onde os executivos e suas famílias só saem para levar os filhos à escola ou fazer compras em supermercados que vendem produtos tão caros quanto um pé de alface, importada da França, a US$ 10.
Ainda é comum ver nas ruas, cheias de lixo e entulho, sem calçadas e margeadas por valas com esgoto a céu aberto, corpos de "justiçados", como o de um suspeito de roubo, que ficou em frente à imponente portaria da Shell, envolto em pneus queimados durante um dia inteiro.
A mesma violência que mata os mais pobres limita o direito de ir e vir dos ricos. Ninguém, negro ou branco, dirige, pois a guarda de trânsito e a polícia costumam intimidar e extorquir infratores, além de eventualmente espancá-los com as mãos ou com pedaços de pau.
Enquanto sua mulher, a advogada e professora de legislação comercial Rolly, presidia a reunião de moradores que decidiria pelo pagamento de US$ 8.000 a uma empresa privada para pavimentar a rua do bairro onde moram, Harriman disse à Folha: "Não somos uma democracia ainda, mas uma cleptocracia, governados por um grupo de ladrões. Temos de ter uma revolução. Ela virá mais rápido se o preço do petróleo continuar a cair e, por estar cansado de tanta injustiça, eu gostaria de fazer parte dela".
Famous passou o domingo na igreja, uma versão local das imensas e ricas instituições evangélicas, com curas pelo pastor e emissora de TV.
Alheio ao que os intelectuais locais classificam como neocolonialismo pentecostal, responsável pelo esmagamento de hábitos e culturas tradicionais, ele concorda com Harriman: "Teremos uma revolução. O povo não vai suportar tanta diferença no modo de vida. A culpa é dos políticos, não das empresas estrangeiras. Quando elas dão dinheiro às comunidades, o governo fica com tudo".
Ambos desmentem, com o argumento de que é impossível ser indiferente à realidade de extremos do cotidiano, o surpreendente resultado da pesquisa feita por um grupo de cientistas sociais e que se tornou lenda no país. Entre 65 nações, classificou a Nigéria como a que abriga as pessoas que se sentem mais felizes no mundo.
Eles são um exemplo de que os nigerianos -divididos entre etnias de línguas e religiões diferentes (leia abaixo)- começam a ter em comum a percepção de que um país onde 40 milhões falam no celular e a TV chegou à era digital não suportará, por muito mais tempo depois de vencer o colonialismo, em 1960, e colocar seus nativos no poder, tanta desigualdade.


Texto Anterior: Infeliz Natal 3: Jesus se ergueria contra potências, diz Ahmadinejad
Próximo Texto: Crescimento de Lagos ameaça "bairro brasileiro" criado por escravos libertos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.