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Contrastes alimentam tensão social na Nigéria
No país rico em petróleo desigualdade limita o cotidiano de ricos e de pobres
Dinheiro trazido pelas empresas estrangeiras não se traduz em benefícios
para a população, que acusa políticos locais de corrupção
BELISA RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LAGOS
Hope Harriman, 76, e Ojarenmwinda Osaro Famous, 40,
não têm muito em comum
além da nacionalidade. Mas
ambos acreditam na mesma solução para os graves problemas
econômicos, políticos e sociais
de seu país, a Nigéria: uma revolução popular que não deve
demorar muito a acontecer.
Harriman, brindado por um
Oba (rei de tribo) com o título
de "chief", correspondente na
Nigéria ao "sir" dos britânicos,
dá nome à rua em que mora. Integrante da pequena e riquíssima elite, estudou em Cambridge, onde educou também o filho, colega do príncipe Edward.
Tem entre seus amigos próximos o ex-presidente da ONU,
Kofi Anan, freqüenta colunas
sociais e é mulato -algo bastante raro no país.
A miscigenação ocorreu em
pequena escala exatamente na
sua região de origem, a do delta
do Níger, onde se concentra a
produção de petróleo. Por isso
mesmo, a mais conflagrada,
berço de movimentos rebeldes
que se misturam com a pirataria e os seqüestros de funcionários de multinacionais.
Famous -batizado seguindo
a crença local de que o nome influencia o destino- é motorista
de uma empresa estrangeira.
Seu bairro não tem saneamento nem água, e ele acaba de
comprar um gerador a diesel
para dar algum conforto à mulher, que teve o primeiro filho.
A diferença das disparidades
sociais em outros lugares do
mundo está em cada esquina de
Lagos, a mais populosa cidade
da África, com 14 milhões de
habitantes, número que se calcula aumentar em 6.000 por
dia só com a imigração.
Gente vinda das áreas rurais
ou de países vizinhos, em busca
de empregos na indústria petrolífera, que acaba trabalhando em mercados de milhares de
"lojas" de um metro quadrado,
ou engorda as hordas de vendedores de rua. Nos engarrafamentos que fazem um percurso
de 10 km durar duas horas, oferecem-se de bugigangas até,
com a máquina de costura na
cabeça, serviços de alfaiate.
Estrangeiros
Como o país, que faz parte da
Opep (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo), não
consegue resolver suas deficiências energéticas, também
são em parte movidas a diesel
as mansões dos nigerianos
mais abastados e as verdadeiras
ilhas onde vivem os estrangeiros, como o condomínio da
Chevron-Texaco, que abriga
entre grades o prédio de escritórios da empresa e 150 residências de onde os executivos e
suas famílias só saem para levar
os filhos à escola ou fazer compras em supermercados que
vendem produtos tão caros
quanto um pé de alface, importada da França, a US$ 10.
Ainda é comum ver nas ruas,
cheias de lixo e entulho, sem
calçadas e margeadas por valas
com esgoto a céu aberto, corpos
de "justiçados", como o de um
suspeito de roubo, que ficou em
frente à imponente portaria da
Shell, envolto em pneus queimados durante um dia inteiro.
A mesma violência que mata
os mais pobres limita o direito
de ir e vir dos ricos. Ninguém,
negro ou branco, dirige, pois a
guarda de trânsito e a polícia
costumam intimidar e extorquir infratores, além de eventualmente espancá-los com as
mãos ou com pedaços de pau.
Enquanto sua mulher, a advogada e professora de legislação comercial Rolly, presidia a
reunião de moradores que decidiria pelo pagamento de US$
8.000 a uma empresa privada
para pavimentar a rua do bairro
onde moram, Harriman disse à
Folha: "Não somos uma democracia ainda, mas uma cleptocracia, governados por um grupo de ladrões. Temos de ter
uma revolução. Ela virá mais
rápido se o preço do petróleo
continuar a cair e, por estar
cansado de tanta injustiça, eu
gostaria de fazer parte dela".
Famous passou o domingo
na igreja, uma versão local das
imensas e ricas instituições
evangélicas, com curas pelo
pastor e emissora de TV.
Alheio ao que os intelectuais
locais classificam como neocolonialismo pentecostal, responsável pelo esmagamento de
hábitos e culturas tradicionais,
ele concorda com Harriman:
"Teremos uma revolução. O
povo não vai suportar tanta diferença no modo de vida. A culpa é dos políticos, não das empresas estrangeiras. Quando
elas dão dinheiro às comunidades, o governo fica com tudo".
Ambos desmentem, com o
argumento de que é impossível
ser indiferente à realidade de
extremos do cotidiano, o surpreendente resultado da pesquisa feita por um grupo de
cientistas sociais e que se tornou lenda no país. Entre 65 nações, classificou a Nigéria como
a que abriga as pessoas que se
sentem mais felizes no mundo.
Eles são um exemplo de que
os nigerianos -divididos entre
etnias de línguas e religiões diferentes (leia abaixo)- começam a ter em comum a percepção de que um país onde 40 milhões falam no celular e a TV
chegou à era digital não suportará, por muito mais tempo depois de vencer o colonialismo,
em 1960, e colocar seus nativos
no poder, tanta desigualdade.
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