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Ocupação e crise empobrecem Natal de Belém
Cidade onde Jesus nasceu também vê população cristã, antiga maioria, ser superada pela muçulmana
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BELÉM
(CISJORDÂNIA)
O patriarca latino Fouad
Twal, mais alta autoridade da
Igreja Católica na Terra Santa,
deu um tom político à procissão anual entre Jerusalém e
Belém que marcou a abertura
das celebrações de Natal na cidade em que, segundo a tradição cristã, Jesus nasceu.
"Queremos liberdade de movimento, e não muros", disse
Twal ao chegar a Belém, cruzando a barreira erguida pelo
governo israelense para separar seu território da Cisjordânia ocupada. "Não nos falta comida nem assistência. Só nos
falta paz, esse é o desejo que
ainda não foi atendido."
As restrições impostas pela
ocupação israelense têm um
impacto inegável na vida cotidiana da cidade de Jesus. São os
efeitos da crise global, porém,
que têm abalado de forma mais
persistente o principal patrimônio econômico da cidade: o
turismo religioso.
Segundo a Prefeitura de Belém, o número de peregrinos
neste ano terá queda de mais de
30% em relação a 2008, de 1,25
milhão para 800 mil no ano.
"O principal motivo é a crise
econômica mundial", admitiu à
Folha o prefeito da cidade, Victor Batarseh. "Mas o muro afeta tudo, o turismo, o comércio e
a mobilidade das pessoas que
querem buscar trabalho em Jerusalém. A taxa de desemprego
já está em 28%."
Menos de dez quilômetros
separam Jerusalém de Belém,
cercada desde 2003 pelo muro
de seis metros de altura construído por Israel para evitar a
infiltração de terroristas.
Palestinos precisam de permissões especiais do Exército
israelense para cruzar a barreira, mas estrangeiros não têm
nenhuma dificuldade em fazer
o trajeto em ambas direções.
Para a reportagem da Folha,
bastou a apresentação do passaporte brasileiro para a passagem ser liberada, sem nem sequer uma revista no veículo.
Da janela de seu gabinete, na
praça da Manjedoura, Batarseh
observa o cortejo diário de turistas de todas as partes do
mundo a caminho da basílica
da Natividade, onde fica o local
em que Jesus teria nascido.
Mas o prefeito lamenta o pálido resultado econômico desse
fluxo humano. "A maioria dos
turistas passa algumas horas
aqui, mas deixa o seu dinheiro
nos hotéis, restaurantes e comércio de Israel", diz Batarseh.
Ele calcula que só 3% a 5% do
que gasta o turista médio fica
em Belém.
Em meio à crise econômica
que freou nos últimos dois
anos a chegada de muitos turistas, principalmente da Europa,
a novidade na paisagem humana de Belém é a grande quantidade de peregrinos da Rússia.
Encorajados pelo renascimento da Igreja Ortodoxa, depois
de décadas na sombra no período soviético, eles têm sido os
principais visitantes de Belém.
"É um sonho realizado", resume a professora aposentada
Elena, falando baixo dentro da
basílica da Natividade. Ela conta ter comprado um pacote turístico de uma semana em Israel numa agência de São Petersburgo, por pouco mais de
US$ 1.000 (R$ 1.700), incluindo passagem e hospedagem.
Menos cristãos
Enquanto o volume de peregrinos encolhe, a crise também
resulta em escassez de oportunidades econômicas no território palestino e acelera a transformação demográfica da cidade-símbolo do cristianismo.
Até 1948, quando o Estado de
Israel foi fundado, 90% da população de Belém era cristã.
Hoje a proporção caiu para
40%, segundo a prefeitura, ou
até para 15%, de acordo com estudos independentes.
A emigração em grande escala dos cristãos, sobretudo para
as Américas, e a alta taxa de natalidade dos muçulmanos, fizeram a balança demográfica
pender de forma ainda mais
dramática em favor do segundo
grupo. Em seis décadas, a parcela cristã da população palestina caiu de 18% para 1,9%.
"Enquanto uma família cristã se satisfaz com dois ou três
filhos, as muçulmanas têm oito,
12", explica o prefeito Batarseh.
Ele nega que tensões com a
maioria muçulmana estimulem o êxodo cristão, como ocorre em outras cidades palestinas. "Belém é um símbolo de
coexistência."
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