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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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MÉXICO

Nove anos depois de surpreender o mundo, o movimento do subcomandante Marcos perde apoio de camponeses indígenas

Desiludidos, índios abandonam zapatismo

ANTONIO O. ÁVILA
DO "EL PAÍS", NO MÉXICO

Há nove anos, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), nascido no sul do México, surpreendeu o mundo e chamou a atenção de todos para uma luta guerrilheira que, em pouco tempo, deixou suas posições marxistas para trás e avançou em direção a um horizonte de direitos para as populações indígenas mexicanas e de defesa dos excluídos do mundo, de acordo com o discurso antiglobalização de seu líder, o subcomandante Marcos.
Os chefes militares do movimento dominam, como comprova o silêncio que reina nas comunidades, mas esse controle lembra uma cortina que esconde a desilusão de muitos camponeses índios que, depois de anos de luta, gostariam de ver resultados práticos de seu empenho.
""A maior parte dos camponeses que participaram da revolta zapatista vem desertando em grande número -vilarejos inteiros já deixaram o movimento", conta uma fonte que vive na região, acompanha o conflito desde sua origem e mantém contato com as aldeias índias, mas que exigiu manter-se no anonimato.
"Saiu perdendo o zapatismo como expressão do camponês indígena, e isso é uma pena. É uma derrota para todos os camponeses e indígenas, como confirmam as ondas que vêm abandonando o movimento zapatista. Desde o início os índios foram utilizados por uma direção cujos interesses não são os mesmos que os deles", afirma a fonte.
Segundo sua visão do que acontece na zona do conflito, o problema dos índios nunca foi o interesse principal da direção do EZLN. São Marcos e outros dirigentes não-indígenas da guerrilha que controlam o zapatismo.
"Nunca houve contradições. Podem ocorrer disputas de poder entre Marcos e o comandante Germán (dirigente histórico da guerrilha), mas sempre foi mantida a linha dura. O resto é uma máscara adotada para ver se poderiam tirar proveito dela. É uma linha dura que volta à tona; o resto, o discurso indígena e em favor dos excluídos em nível internacional, é um artifício", diz a fonte.
Ela se diz surpresa com a capacidade que o zapatismo possui de se manter e acha que isso é possível porque o movimento "tem dinheiro para se movimentar, faz um trabalho de recrutamento, de incorporação de jovens, e porque sua capacidade financeira não se esgotou". Parte desses recursos, para a fonte em questão, vem do exterior; segundo sua observação feita em tom sarcástico, "já há mais italianos e espanhóis do que índios nas Cañadas".
Falando desde uma ótica distinta, Gerardo González, especialista em movimentos sociais da região de Chiapas, diz que "o peso político do Exército Zapatista é mais militar do que político". "Nas comunidades, o comando exerce grande influência, e as decisões do subcomandante, mais ainda."
Ele explica que, depois de anos de luta e resistência, "o saldo é essencialmente mais positivo do que negativo". "Os quadros políticos mais importantes continuam no EZLN, que vem sofrendo perdas na parte militar". Apesar do tempo passado, diz, convicto: "Não acredito que Marcos seja um líder velho. Por sua inteligência natural e sua formação, ele soube interpretar a conjuntura muito bem, tendo dado destaque em seu discurso a questões importantes como a recuperação indígena, dando a eles um lugar como mantenedores da terra".
Entre os jornalistas de San Cristóbal de las Casas, o epicentro informativo do EZLN, as opiniões se dividem quanto ao peso e à unidade do zapatismo nas comunidades indígenas, mas todos coincidem em dizer que o subcomandante errou quando fez críticas severas a figuras do cenário político nacional, como o líder de esquerda Cuauhtémoc Cárdenas.
Salvador Beltrán, um consultor que trabalhou para o Ministério do Interior em Chiapas, observa: "Poucas vezes eu vi o subcomandante tão sem controle sobre a situação. Marcos está deixando entrever uma situação de desespero, e acho que essa situação o está levando a agir segundo impulsos".
Beltrán diz que existem duas vertentes da questão. "A primeira é a falta de controle real que ele, como líder, exerce sobre seus seguidores. Ele é líder de um movimento que está perdendo pessoas, que está esperando há nove anos para ver sua luta dar frutos e não está vendo nada. Ele está perdendo sua liderança. A outra parte, a "glamourosa", ligada ao financiamento, às ONGs nacionais e estrangeiras, já está chegando ao fim -por isso a atitude desesperada de Marcos no exterior".
Beltrán, que conhece a fundo a realidade do sul pobre do México, comenta: "O zapatismo já não possui presença militar importante, e a pequena presença social que lhe resta ele mantém não graças a Marcos, mas porque os índios e os marginalizados estão se apegando ao único ícone que já tiveram na vida. Para as comunidades, não é fácil abrir mão da única coisa que já tiveram".


Tradução de Clara Allain


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