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MÉXICO
Nove anos depois de surpreender o mundo, o movimento do subcomandante Marcos perde apoio de camponeses indígenas
Desiludidos, índios abandonam zapatismo
ANTONIO O. ÁVILA
DO "EL PAÍS", NO MÉXICO
Há nove anos, o Exército Zapatista de Libertação Nacional
(EZLN), nascido no sul do México, surpreendeu o mundo e chamou a atenção de todos para uma
luta guerrilheira que, em pouco
tempo, deixou suas posições marxistas para trás e avançou em direção a um horizonte de direitos
para as populações indígenas mexicanas e de defesa dos excluídos
do mundo, de acordo com o discurso antiglobalização de seu líder, o subcomandante Marcos.
Os chefes militares do movimento dominam, como comprova o silêncio que reina nas comunidades, mas esse controle lembra
uma cortina que esconde a desilusão de muitos camponeses índios
que, depois de anos de luta, gostariam de ver resultados práticos de
seu empenho.
""A maior parte dos camponeses
que participaram da revolta zapatista vem desertando em grande
número -vilarejos inteiros já
deixaram o movimento", conta
uma fonte que vive na região,
acompanha o conflito desde sua
origem e mantém contato com as
aldeias índias, mas que exigiu
manter-se no anonimato.
"Saiu perdendo o zapatismo como expressão do camponês indígena, e isso é uma pena. É uma
derrota para todos os camponeses e indígenas, como confirmam
as ondas que vêm abandonando o
movimento zapatista. Desde o
início os índios foram utilizados
por uma direção cujos interesses
não são os mesmos que os deles",
afirma a fonte.
Segundo sua visão do que acontece na zona do conflito, o problema dos índios nunca foi o interesse principal da direção do EZLN.
São Marcos e outros dirigentes
não-indígenas da guerrilha que
controlam o zapatismo.
"Nunca houve contradições.
Podem ocorrer disputas de poder
entre Marcos e o comandante
Germán (dirigente histórico da
guerrilha), mas sempre foi mantida a linha dura. O resto é uma
máscara adotada para ver se poderiam tirar proveito dela. É uma
linha dura que volta à tona; o resto, o discurso indígena e em favor
dos excluídos em nível internacional, é um artifício", diz a fonte.
Ela se diz surpresa com a capacidade que o zapatismo possui de
se manter e acha que isso é possível porque o movimento "tem dinheiro para se movimentar, faz
um trabalho de recrutamento, de
incorporação de jovens, e porque
sua capacidade financeira não se
esgotou". Parte desses recursos,
para a fonte em questão, vem do
exterior; segundo sua observação
feita em tom sarcástico, "já há
mais italianos e espanhóis do que
índios nas Cañadas".
Falando desde uma ótica distinta, Gerardo González, especialista
em movimentos sociais da região
de Chiapas, diz que "o peso político do Exército Zapatista é mais
militar do que político". "Nas comunidades, o comando exerce
grande influência, e as decisões do
subcomandante, mais ainda."
Ele explica que, depois de anos
de luta e resistência, "o saldo é essencialmente mais positivo do
que negativo". "Os quadros políticos mais importantes continuam no EZLN, que vem sofrendo perdas na parte militar". Apesar do tempo passado, diz, convicto: "Não acredito que Marcos
seja um líder velho. Por sua inteligência natural e sua formação, ele
soube interpretar a conjuntura
muito bem, tendo dado destaque
em seu discurso a questões importantes como a recuperação indígena, dando a eles um lugar como mantenedores da terra".
Entre os jornalistas de San Cristóbal de las Casas, o epicentro informativo do EZLN, as opiniões
se dividem quanto ao peso e à
unidade do zapatismo nas comunidades indígenas, mas todos
coincidem em dizer que o subcomandante errou quando fez críticas severas a figuras do cenário
político nacional, como o líder de
esquerda Cuauhtémoc Cárdenas.
Salvador Beltrán, um consultor
que trabalhou para o Ministério
do Interior em Chiapas, observa:
"Poucas vezes eu vi o subcomandante tão sem controle sobre a situação. Marcos está deixando entrever uma situação de desespero,
e acho que essa situação o está levando a agir segundo impulsos".
Beltrán diz que existem duas
vertentes da questão. "A primeira
é a falta de controle real que ele,
como líder, exerce sobre seus seguidores. Ele é líder de um movimento que está perdendo pessoas, que está esperando há nove
anos para ver sua luta dar frutos e
não está vendo nada. Ele está perdendo sua liderança. A outra parte, a "glamourosa", ligada ao financiamento, às ONGs nacionais e
estrangeiras, já está chegando ao
fim -por isso a atitude desesperada de Marcos no exterior".
Beltrán, que conhece a fundo a
realidade do sul pobre do México,
comenta: "O zapatismo já não
possui presença militar importante, e a pequena presença social
que lhe resta ele mantém não graças a Marcos, mas porque os índios e os marginalizados estão se
apegando ao único ícone que já tiveram na vida. Para as comunidades, não é fácil abrir mão da única
coisa que já tiveram".
Tradução de Clara Allain
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