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ENTREVISTA DA 2ª
DON TAPSCOTT
Obama é o primeiro presidente digital
Pioneiro no estudo da "geração digital" vê ascensão de grupo de influência que não aceitará governo tradicional e será incomumente exigente
ESTA ELEIÇÃO marcou o nascimento de "uma força política
irresistível", acredita o autor do clássico "Growing Up Digital -The Rise of the Net Generation". Essa força vai dominar e transformar o meio político nos EUA, prevê o estudioso canadense. "Em 2015, quando todos eles tiverem idade suficiente para votar, comporão um terço do eleitorado", calcula.
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Em 1996, quando a internet
engatinhava, o canadense Don
Tapscott detectou um fenômeno. Era o que ele chama de "Geração Digital", pessoas nascidas
a partir da segunda metade da
década de 80, para quem os
avanços tecnológicos são realidade, não conquista. "Pela primeira vez, os jovens, e não seus
pais, são as autoridades numa
inovação central da sociedade."
Pois essa geração chegou ao
poder na última terça, com a
posse de Barack Obama, defende o autor, acadêmico e empresário, em entrevista por e-mail
à Folha. Mas os jovens fizeram
mais do que apenas votar no
democrata, segundo Tapscott.
"Eles entraram para a política,
mas no seu tipo de militância
política", disse. Ela envolve militância via site de relacionamento social Facebook, noticiário via site de pequenas
mensagens Twitter -e uma cobrança maior e mais imediata.
FOLHA - O que é "crescer digital"?
DON TAPSCOTT - Os jovens de hoje são a primeira geração a amadurecer na era digital. Essas
crianças foram banhadas em
bits. Diferentemente de seus
pais, elas não temem as novas
tecnologias, pois não são tecnologia para eles, mas realidade.
Eu os chamo de Geração Net.
Sua chegada está causando um
salto geracional -eles estão superando os pais na corrida pela
informação. Pela primeira vez,
os jovens, e não seus pais, são as
autoridades numa inovação
central da sociedade.
Essa geração está tomando
os locais de trabalho, o mercado e cada nicho da sociedade,
no mundo todo. Está trazendo
sua força demográfica, seus conhecimentos de mídia, seu poder de compra, seus novos modelos de colaboração e de paternidade, empreendedorismo
e poder político. Eles são "multitarefeiros", realizam várias
atividades ao mesmo tempo.
Para eles, e-mail é antiguidade.
Eles usam telefone para mandar textos, navegar na internet,
achar o caminho, tirar fotos e
fazer vídeo -e colaborar.
Eles entram no Facebook
sempre que podem, inclusive
no trabalho. Mensagem instantânea e Skype estão sempre
abertos, como pano de fundo de
seus computadores. O adulto
típico de meia-idade de hoje
cresceu assistindo a cerca de 22
horas de TV por semana. Mas
só assistia. Quando a Geração
Net vê TV, trata-a como música
ambiente, enquanto busca informação, joga games e conversa com os amigos on-line.
Os "digitais" representam
um desafio para todas as instituições. Para o governo, são desafio como consumidores dos
serviços mas também como cidadãos que querem se envolver
no processo democrático. Como consumidores, são muito
mais exigentes que seus pais e
estão acostumados a um serviço personalizado e rápido. Como empregados, seu instinto
contraria práticas tradicionais
do ambiente de trabalho.
FOLHA - O sr. disse que o cérebro
deles se "conecta" de outra forma.
TAPSCOTT - Pesquisas mostram
que o cérebro pode mudar ao
longo da vida, estimulado pelo
ambiente. Os cérebros das
crianças podem mudar em um
grau muito maior do que os dos
adultos, mas esses também podem mudar -e mudam.
Há muita controvérsia ainda,
mas os primeiros indícios sugerem que a exposição constante
a estímulos de tecnologias digitais, como games, pode mudar
o cérebro e a maneira como ele
percebe as coisas, torná-lo mais
atento e acelerar seu processamento de informação visual.
Não só jogadores de game são
mais atentos visualmente como têm habilidade espacial
mais desenvolvida, o que pode
ser útil para arquitetos, engenheiros e cirurgiões. Além disso, vejo que em média o "digital" é mais rápido para mudar
de tarefa do que eu e mais rápido para achar o que procura na
internet. Embora esse tipo de
pesquisa esteja engatinhando
ainda, e não seja conclusiva, há
indícios cada vez maiores. Os
"digitais" parecem incrivelmente flexíveis, adaptáveis e
habilidosos ao lidar com diversos meios de informação.
FOLHA - Nesse sentido, podemos
chamar Barack Obama de primeiro
presidente digital? Quais as implicações da eleição dele nessa geração?
TAPSCOTT - Sim, acho que Obama é o primeiro presidente digital. O aumento do voto jovem
foi crucial para seu sucesso.
Mas os jovens fizeram mais do
que apenas votar em Obama.
Eles entraram para a política,
mas no seu tipo de militância
política. Usam Facebook para
compartilhar informação, levantar dinheiro e organizar comícios num ritmo fenomenal.
Usam YouTube, que ainda estava em sua infância em 2004,
para alcançar milhões de eleitores via vídeo e música. Suas
mensagens no Twitter transformaram o ciclo noticioso.
Esta eleição marca o nascimento de uma força política irresistível que vai dominar e
transformar os EUA. Em 2015,
quando todos eles tiverem idade para votar, serão um terço
do eleitorado. Têm na ponta
dos dedos a internet, a ferramenta mais poderosa para informar, organizar e mobilizar.
Além disso, sabem usá-la efetivamente, ao tomar a iniciativa e
se comunicar diretamente entre eles para organizar atividades, em vez de esperar passivamente por notícias eleitorais
vindas dos QGs de campanha.
Essa faixa etária de público
não aceitará um tipo de governo tradicional e será excepcionalmente exigente. Vai querer
se envolver no ato de governar,
ao contribuir com ideias antes
que as decisões sejam tomadas.
Também vai insistir na integridade dos políticos eleitos; se esses disserem uma coisa e fizerem outra, eles usarão suas ferramentas digitais para checar e
espalhar o que descobrirem.
FOLHA - O sr. acha que economias
emergentes como o Brasil têm
chance de acompanhar as inovações
digitais de economias avançadas?
Ou há um "vácuo digital"?
TAPSCOTT - Países em desenvolvimento podem não acompanhar as inovações no mesmo
ritmo, mas certamente conseguirão reduzir o vácuo. A economia digital oferece uma
oportunidade sem precedentes
para a criatividade e o empreendedorismo para pequenos e médios negócios. A acessibilidade crescente de ferramentas exigidas para colaborar, criar valor e competir permite que as pessoas participem
na inovação e na criação de riquezas em todos os setores.
Novas infraestruturas de negócios de baixo custo -da telefonia via internet à terceirização global de plataformas-
permitem a pequenas empresas criar produtos, acessar
mercados e satisfazer consumidores de modos que só grandes
corporações conseguiam antes.
Países em desenvolvimento
precisam entender as mudanças no setor privado global e desenvolver estratégias para negócios de todos os tamanhos
para aproveitar as chances.
FOLHA - Como a atual situação
econômica afeta o que o sr. chama
de "wikinomics" [veja quadro]? Esse
tipo de atividade pode ajudar no
combate à crise financeira?
TAPSCOTT - A colaboração no
setor de serviços financeiros é
fundamental para superarmos
a atual crise. A indústria precisa
de um novo modelo operacional, construído nos quatro
princípios da "wikinomics":
transparência, cooperação,
compartilhamento de propriedade intelectual e ação global.
Isso é factível e disponível num
mundo digital. Chamemos de
Gerenciamento de Risco 2.0.
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