São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 2008

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Democratização comprometeu os interesses americanos

DA REPORTAGEM LOCAL

Os Estados Unidos têm razões para se preocupar com o Paquistão, diante da impossibilidade de restaurar a democracia sem que o poder estratégico do ditador Pervez Musharraf saísse comprometido.
A proliferação de regimes democráticos, presente na retórica de Washington, desce ao segundo plano quando está em jogo a idéia monotemática de combater o terrorismo e evitar um novo 11 de Setembro, o que faz plenamente sentido.
Mas não foram as pressões americanas que debilitaram a ditadura paquistanesa. Foram as pressões dentro de uma sociedade toscamente organizada -sobretudo de magistrados e advogados- que se articulou no ano passado contra os planos do despótico Musharraf de obter um novo e controvertido mandato presidencial.
Pouco antes, em julho, o ditador já havia declarado guerra aos integristas islâmicos de regiões urbanas, ao determinar que o Exército matasse mais de uma centena de radicais que haviam se apoderado da Mesquita Vermelha, em Islamabad.
Um regime mais arejado, acreditava o governo americano, permitiria ganhar em eficiência para neutralizar as regiões tribais na fronteira com o Afeganistão, onde Osama bin Laden permanece vivo e protegido por lideranças feudais.
Foi para isso que uma solução conciliatória estava no horizonte, com a volta do exílio de Benazir Bhutto e a vitória que seu partido efetivamente obteve nas eleições legislativas. Mas o assassinato dela, em atentado no qual partidários da ex-premiê responsabilizavam o governo, tornou inviável uma já difícil parceria harmoniosa com o general Musharraf.
O primeiro-ministro anteontem eleito e ontem empossado, Yousaf Raza Gilani, procura ocupar espaços que inviabilizem a permanência de Musharraf no poder.
Mesmo o Exército, bastião da ditadura, modifica ligeiramente seu antigo perfil. Anteontem foram removidos dois dos nove comandantes militares mais próximos do ditador.
Gilani libertou os magistrados que Musharraf mandara prender em novembro. E possivelmente acredita, a exemplo de seu aliado, Nawaz Sharif, que sem um diálogo com os extremistas não cessarão os homens-bombas em Islamabad. Desde janeiro já morreram 300 paquistaneses em atentados.
Esse diálogo implica concessões, que os EUA não aceitariam em razão do exclusivismo do projeto de destruição por meios militares da Al Qaeda, Taleban e simpatizantes.
De qualquer modo, há nesse processo limites nos quais estão em jogo interesses maiores de toda a comunidade internacional. O Paquistão, por sua rivalidade com a Índia, construiu armas atômicas. Um regime civil fraco poria em risco esse arsenal. Os militares locais talvez acreditem que a longo prazo não deram a última palavra.
(JOÃO BATISTA NATALI)


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