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Papa barrou julgamento de padre pedófilo
Jornal revela que o então cardeal Joseph Ratzinger mandou suspender julgamento de acusado de abusar de 200 meninos surdos
Justificativa foi de que o sacerdote estava velho e doente; episódio se soma
à onda de denúncias de abusos a menores na igreja
CRISTINA FIBE
DE NOVA YORK
Depois de molestar cerca de
200 meninos surdos, ao longo
de pelo menos 20 anos, o padre
Lawrence Murphy foi poupado
de um julgamento canônico pelo Vaticano, depois que bispos
do Estado americano de Wisconsin tiveram suas correspondências ao então cardeal Joseph Ratzinger, atual papa
Bento 16, ignoradas.
O padre Murphy, que chegou
a admitir alguns dos abusos, foi
enterrado com suas vestes religiosas, em 1998, aos 72 anos,
sem nunca ter sido punido.
O caso veio à tona ontem, em
reportagem do "New York Times", que teve acesso a documentos que detalham as acusações e fazem parte de um processo movido por cinco vítimas
contra a Arquidiocese de Milwaukee -cidade onde fica a escola para surdos em que o padre trabalhou de 1950 a 1974.
Em resposta ao jornal, o Vaticano divulgou um comunicado
em que atribui a proteção ao sacerdote à denúncia tardia por
parte dos americanos. O primeiro apelo dirigido à Congregação da Doutrina e da Fé, organismo comandado por Ratzinger entre 1981 e 2005, data
de 1996. Segundo o Vaticano, já
era tarde para punir um padre
"idoso e com a saúde muito
ruim".
Em 1997, oito meses depois
do envio da primeira carta à
congregação dirigida por Ratzinger, o cardeal Tarcisio Bertone, então segundo no comando do órgão -e atual secretário
de Estado do Vaticano-, chegou a instruir o arcebispo de
Milwaukee a iniciar um julgamento canônico secreto, que
poderia resultar na exoneração
do padre.
Mas, após Ratzinger receber
uma carta do próprio Murphy,
apelando para "viver o tempo
que restava com a dignidade do
sacerdócio", a congregação
mandou suspender o julgamento contra ele.
No comunicado ao "New
York Times", o Vaticano argumenta ainda que, nos anos 70,
algumas das vítimas denunciaram os abusos do padre "às autoridades civis, que o investigaram; no entanto, de acordo com
reportagens, a investigação foi
encerrada".
Em 1974, depois de receber
diversos apelos de estudantes
para que afastasse o padre -inclusive com cartazes de "procurado" estampando o rosto de
Murphy-, a arquidiocese o
transferiu de cidade, e ele continuou a trabalhar com crianças durante os 24 anos seguintes, até a sua morte.
Em entrevista coletiva ontem, em frente à Arquidiocese
de Milwaukee, a filha de uma
das vítimas afirmou, em nome
de seu pai, Arthur Budzinski,
61, que a "inocência dele foi
roubada" e que "o papa sabia
disso". "Ele era o único que lidava com casos de abuso sexual. Então acho que ele deveria ser responsabilizado, porque não fez nada."
Budzinski disse ainda ter levado a denúncia ao arcebispo
da cidade, em 1974, junto com
outras vítimas. Depois que o religioso duvidou do abuso, eles
foram à polícia, que liberou o
padre depois de ele negar todas
as acusações. O porta-voz da
polícia de Milwaukee afirmou
ontem que o órgão não possui
nenhum registro da queixa.
Onda de denúncias
A reportagem do "New York
Times" vem se somar à onda de
denúncias de casos de pedofilia
na Igreja Católica em vários
países europeus e do seu encobrimento por altas autoridades
eclesiásticas, inclusive o papa
-que não teria tomado providências contra um padre alemão suspeito de abusar de menores quando comandava a Arquidiocese de Munique.
No sábado, o papa divulgou
carta aos fiéis da Irlanda, país
mais abalado pelo escândalo,
pedindo perdão pelos "atos pecaminosos e criminosos" ocorridos no país ao longo de seis
décadas. Ele foi criticado, porém, por não se referir a outros
países, como a sua Alemanha
natal, e por não anunciar nenhuma punição aos envolvidos.
Na manhã de ontem, quatro
líderes de uma associação americana de vítimas de padres
(SNAP) protestavam em frente
ao Vaticano, pedindo que fossem abertos os arquivos de casos de pedofilia, quando foram
detidos pela polícia -segundo
agências internacionais, eles
foram liberados depois de duas
horas.
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