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OPINIÃO
Não há reparação sem amor aos que sofrem
FRANCISCO BORBA RIBEIRO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A IGREJA CATÓLICA
acordou muito tarde
para um de seus maiores problemas atuais. O problema não é só dela, pedófilos infelizmente existem em muitos
lugares -das igrejas à internet.
Um artigo recente de João Pe
reira Coutinho nesta Folha
("Padres e pedófilos", Ilustrada, 23/3/2010) aborda essas
questões e por isso, nesta linha,
eu paro por aqui. A grande
questão é o que fazer com esse
problema...
A Carta pastoral do Santo Padre Bento 16 aos católicos na Irlanda (o leitor encontra-a com
este título na internet) é bem
clara em vários pontos. Para começar, os católicos (a começar
pelos bispos) demoraram para
reagir. Agora é necessário assumir a culpa, a dor e o constrangimento pela omissão. Além
disso, a justiça -tanto a divina
como a humana- tem que ser
cumprida. Por fim, a igreja se vê
como um corpo, onde o órgão
doente ou que fez o mal afeta
todo o conjunto e deve ser
acompanhado em sua recuperação e expiação por todo o
conjunto. Portanto, a solidariedade com as vítimas e o esforço
de superar o mal praticado é de
todos.
Sem estereótipos
Para entender corretamente
como a igreja vive esse seu drama interno, o leitor terá que
abandonar os estereótipos anticlericais que a imaginam recheada de pervertidos, hipócritas e cínicos, que usam um discurso religioso para enganar os
crédulos. Terá que compreender que trabalha com a instituição e a comunidade religiosa
que, por séculos, carregou os
ideais de dignidade, amor e solidariedade na sociedade ocidental. Um lugar onde justiça
sempre foi articulada com
amor, perdão e misericórdia;
responsável pelos primeiros
hospitais, orfanatos, casas de
acolhida a idosos etc.
Como fazer justiça e, ao mesmo tempo, ser misericordioso?
Como praticar uma justiça verdadeiramente restauradora, e
não apenas punitiva, frente a
um mal tão grande? Estas eram
as perguntas certas, as difíceis
de responder -as que realmente mereciam ser respondidas.
Perdoem-me os leitores que
não se encaixam nessa observação, mas a busca de justiça que
fazemos em nosso cotidiano
frequentemente tem muito
mais a ver com a busca por vingança ou por condenação que
por busca por perdão e restauração. Inclusive porque sabemos, para nosso desespero, que
somos totalmente impotentes
para restaurar os grandes males cometidos.
Nenhum dinheiro paga
As reparações financeiras
são o mínimo que se pode dar
-ajudam pelo menos a pagar
uma boa terapia. Mas nenhum
dinheiro pode reparar uma dignidade ferida. Por isso, dar dinheiro é o mínimo que se pode
fazer. Não é possível reparação
para esses danos sem um castigo justo, mas também sem o
amor incondicional aos que sofrem. Só este amor pode fazer a
esperança nascer das coisas
mais hediondas que podemos
encontrar. Este amor não é dó,
comiseração, mas perceber que
eu não me realizo sem me entregar ao outro, que ele tem
uma grandeza, uma beleza,
uma dignidade, que transcende
toda dor, toda humilhação que
ele sofreu.
A Igreja Católica vai ter que
seguir o seu calvário de culpa e
dor por esses acontecimentos.
Alguns dentro dela vão ter que
se confrontar com a Justiça dos
homens. Mas esta não é a grande questão que se joga neste
momento.
Caro leitor, diante de um caso de pedofilia, de uma criança
assassinada brutalmente, do
aparente absurdo que o mal parece distribuir a nossa volta todos os dias, o que cada um de
nós sente? Somos capazes de
olhar com ternura e comoção
para este bicho humano, que
mal consegue se erguer sobre
duas patas, mas sonha com as
estrelas? Somos capazes de
uma compaixão que nos faz
mais capazes de amar a nós
mesmos e aos outros? Ou nos
tornamos um pouco mais brutos, também nós mais cínicos e
desesperançados?
A igreja terá que seguir o seu
calvário, mas não pode deixar
de anunciar ao mundo que seu
pecado não é a última palavra,
que existe um amor capaz de
superar todo o mal.
FRANCISCO BORBA RIBEIRO NETO é coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP. Dedica-se aos temas de bioética, cultura,
ciência e religião. É um dos organizadores dos livros Um diálogo latino-americano: bioética e Documento de Aparecida (Difusão Editora, 2009) e
Economia e vida na perspectiva da encíclica Caritas in veritate (Companhia Ilimitada, 2010).
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