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ARTIGO
A aposta épica de Bush
DAVID BROOKS
DO "NEW YORK TIMES"
George W. Bush deixou claro,
anteontem à noite, que vitórias
militares não serão suficientes,
sozinhas, para instaurar a segurança no Iraque. Não paramos de
ter vitórias, mas, de alguma forma, a violência continua.
O trabalho americano de construção nacional tampouco vai garantir a segurança no Iraque. Estamos despejando dinheiro no
país, na tentativa de construir
uma nação decente e depois devolvê-la à população iraquiana,
embrulhada de presente. Mas
descobrimos que isso tampouco
funciona. Quanto mais tempo
continuamos em controle do país,
mais a confusão cresce.
A única maneira real de garantir
a segurança do Iraque, afirmou
Bush, é por meio de uma democracia autônoma. Apenas o autogoverno representativo vai negar
aos terroristas o pretexto de que
precisam para matar. É apenas
por meio de atos mundanos de cidadania democrática que os iraquianos vão conseguir erguer
uma sociedade civil.
A transição política que Bush
descreve implica uma infinidade
de atos concretos. Os 400 partidos
políticos existentes hoje no Iraque
terão de se fundir em apenas alguns poucos. Debates serão realizados. Políticos vão disputar o poder, petições serão assinadas, protestos serão registrados. E, conforme Bush deixou implícito, esse
constitui o único caminho que
pode conduzir à normalidade.
É uma aposta enorme imaginar
que a solução para o caos esteja na
liberdade. Mas é justo que, durante a mais grave crise de sua Presidência, Bush tenha voltado para
sua crença política mais fundamental.
Bush começou a Guerra do Iraque repetindo o sentimento incorporado à Declaração de Independência -o de que nosso Criador dotou todos os seres humanos do direito à liberdade e da capacidade de funcionar como cidadãos democráticos. Anteontem à
noite, ele disse com confiança absoluta que os iraquianos são, em
seus corações, democratas.
Bush está apostando sua Presidência -e o futuro de curto prazo dos EUA- nessa premissa
americana fundamental.
Trata-se de uma aposta épica.
Isso porque, verdade seja dita,
não sabemos se todas as pessoas
querem realmente viver em liberdade. Não sabemos se os iraquianos têm alguma noção do significado real de cidadania democrática. Não sabemos se eles interpretam palavras como ""liberdade" e
"pluralismo" como insultos mortais ao modo de vida que lhes é caro. Não sabemos quem são nossos inimigos. Serão eles uma pequena minoria de baathistas e jihadistas, ou será que existe um
pouco de Moqtada al Sadr no coração de cada iraquiano?
Bush está submetendo essa premissa básica de nossa doutrina a
um teste terrível, sob as piores circunstâncias possíveis. No último
ano os americanos cometeram erros pavorosos. E, se essa aposta falhar, não será apenas a competência de nossos representantes que
será colocada em dúvida -será a
própria doutrina americana.
Se essa aposta falhar, essa missão americana será vista por muitos como sendo falsa. Talvez a democracia e a liberdade não sejam
realmente valores universais, dirão alguns. Talvez sejam apenas
produtos de uma cultura específica. Será difícil fazer frente aos tiranos que vão arriscar o mundo.
Por outro lado, se continuarmos firmes no Iraque, da maneira
como pudermos, e alguma espécie de nação semidemocrática for
pouco a pouco emergindo, isso
não será fruto da habilidade americana. Acontecerá porque a doutrina democrática é tão forte que é
capaz de superar as piores incompetências. Nesse caso, realmente
haverá esperança de um Oriente
Médio democrático. A guerra
contra o terror aparecerá como a
que realmente pode ser vencida.
Neste momento, a impressão
que se tem é que essa saída feliz
está muito distante. Mas pelo menos Bush enfrentou cara a cara as
conseqüências de sua doutrina.
Sempre houve algo de antidemocrático no conceito de construção
de uma nação -a idéia de que
um país podia entrar em uma terra estrangeira e depois entregá-la
de volta a sua população.
Bush está apostando sua Presidência nos iraquianos e em sua
capacidade de se governar melhor
do que nós os governamos. Pelo
menos, agora, ele está agindo de
maneira que corresponde à convicção básica dos EUA. Se temos
fé em alguma coisa, deve ser nesse
sonho democrático, que sempre
justificou nossas esperanças.
Tradução de Clara Allain
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