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ARTIGO
Guerrilheiros não morrem de velhice
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Joaquin Villalobos entende
de guerrilha como poucos. Foi
um dos principais dirigentes e
ideólogos da Frente Farabundo
Martí de Libertação Nacional,
de El Salvador, que conduziu a
luta armada contra sucessivas
ditaduras, até transitar para a
vida política institucional.
Hoje, Villalobos é consultor
para a solução de conflitos internacionais e, do alto dessas
duas experiências, lembra:
"Durante a guerra, não me
preocupava tanto a possibilidade de morrer em combate como a de envelhecer como guerrilheiro". Cita, depois, em artigo recente para o jornal espanhol "El País", "as seis insurgências mais importantes" da
América Latina, que tinham
em comum duas coisas: eram
"rebeliões de jovens que deram
tudo de si e, nesse caminho,
morreram e perderam ou venceram e transformaram, mas
todas evitaram envelhecer como guerrilhas".
Manuel Marulanda, o "Tirofijo", envelheceu como guerrilheiro, a ponto de ser tratado
ontem pelo jornal colombiano
"El Tiempo" como "o guerrilheiro mais velho do mundo".
É esse o seu fracasso -e o fracasso das Farc que ele liderava.
Ambos passaram do ponto de
morrer perdendo ou de ganhar
transformando.
A morte de Marulanda tem
todo esse sentido simbólico,
mas não quer dizer necessariamente que ela, por si só, represente o começo do fim das Farc.
Primeiro, porque o líder era
muito mais uma referência do
que um agente operacional. Segundo porque "historicamente,
as Farc têm sido uma organização com uma estrutura sólida, e
não é de descartar que saibam
adaptar-se às mudanças no cenário do conflito armado", como diz Markus Schultze-Kraft,
diretor para a América Latina e
o Caribe do International Crisis Group.
O problema é que a morte de
Marulanda vem na seqüência
de uma catarata de más notícias para as Farc. Perderam, incluindo o chefe máximo, três
dos sete integrantes de seu secretariado, a cúpula do movimento armado.
Nas bases, é a mesma coisa:
2.400 guerrilheiros deixaram a
organização no ano passado.
Entre a cúpula e as bases, caíram também comandantes de
frentes e de operações importantes, como J.J., Martin Caballero e o "Negro Acácio", todos
no ano passado, contabiliza
Schultze-Kraft.
O Comando Sul dos Estados
Unidos, profundamente envolvido nas ações contra as Farc,
informou, em março, que os
efetivos do grupo estavam reduzidos a 9.000 pessoas, das 17
mil que chegaram a ter no início do século. Operam em aproximadamente um terço da Colômbia, principalmente nas
selvas do Sul e do Leste.
Adam Isacson, em seu blog
para o Centro para Política Internacional, escreve que a guerrilha está em "crise estratégica"
e "não pode mais contar com o
apoio da população local, na
medida em que muitos se voltaram contra ela devido a seus
métodos violentos".
Condenação na esquerda
É sintomático a esse respeito
que no Polo Democrático, o
partido de esquerda que, em tese, teria mais simpatia ou menos distanciamento das Farc,
uma importante liderança, o
senador Gustavo Petro, condene duramente a suposta aproximação de companheiros seus
com o grupo terrorista, conforme denúncia do governo colombiano com base nos documentos apreendidos no computador de Raúl Reyes, o segundo das Farc, morto no dia 1º
de março.
"Se as provas forem fortes e
realmente mostrarem um nexo
entre militantes, e não qualquer militante, mas congressista do Polo, e as Farc, isso indubitavelmente constituiria uma
ruptura do pacto político com
que se criou o Polo", disse Petro
ao jornal "El Tiempo".
A suposta ou real crise estratégica não quer dizer, no entanto, que as Farc serão derrotadas
militarmente. Envelheceram,
de fato, perderam o tempo histórico, sim, mas mudaram de
ramo: calcula-se que o grupo levante anualmente entre US$
200 milhões e US$ 300 milhões, pelo menos a metade dos
quais proveniente do tráfico de
drogas. Sem contar outros crimes, como seqüestros, extorsões e a imposição do chamado
"imposto revolucionário".
Cerca de 65 das 110 unidades
operacionais das Farc estão envolvidas em algum aspecto do
tráfico de drogas, segundo relatório do International Crisis
Group. Acabar com as Farc exigiria, portanto, acabar com o
tráfico de drogas. Cai-se, então,
na situação descrita pelo escritor Germán Castro Caycedo ao
jornal espanhol "El País", meses atrás: "Como acabará esta
guerra? Dizem que quando os
Estados Unidos permitirem
que se legalize a droga, quando
deixarem de estimular o consumo em seu próprio país. É o nariz dos norte-americanos que
alimenta o conflito".
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