São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2008

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ARTIGO

Guerrilheiros não morrem de velhice

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Joaquin Villalobos entende de guerrilha como poucos. Foi um dos principais dirigentes e ideólogos da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, de El Salvador, que conduziu a luta armada contra sucessivas ditaduras, até transitar para a vida política institucional.
Hoje, Villalobos é consultor para a solução de conflitos internacionais e, do alto dessas duas experiências, lembra: "Durante a guerra, não me preocupava tanto a possibilidade de morrer em combate como a de envelhecer como guerrilheiro". Cita, depois, em artigo recente para o jornal espanhol "El País", "as seis insurgências mais importantes" da América Latina, que tinham em comum duas coisas: eram "rebeliões de jovens que deram tudo de si e, nesse caminho, morreram e perderam ou venceram e transformaram, mas todas evitaram envelhecer como guerrilhas".
Manuel Marulanda, o "Tirofijo", envelheceu como guerrilheiro, a ponto de ser tratado ontem pelo jornal colombiano "El Tiempo" como "o guerrilheiro mais velho do mundo".
É esse o seu fracasso -e o fracasso das Farc que ele liderava. Ambos passaram do ponto de morrer perdendo ou de ganhar transformando.
A morte de Marulanda tem todo esse sentido simbólico, mas não quer dizer necessariamente que ela, por si só, represente o começo do fim das Farc. Primeiro, porque o líder era muito mais uma referência do que um agente operacional. Segundo porque "historicamente, as Farc têm sido uma organização com uma estrutura sólida, e não é de descartar que saibam adaptar-se às mudanças no cenário do conflito armado", como diz Markus Schultze-Kraft, diretor para a América Latina e o Caribe do International Crisis Group.
O problema é que a morte de Marulanda vem na seqüência de uma catarata de más notícias para as Farc. Perderam, incluindo o chefe máximo, três dos sete integrantes de seu secretariado, a cúpula do movimento armado.
Nas bases, é a mesma coisa: 2.400 guerrilheiros deixaram a organização no ano passado. Entre a cúpula e as bases, caíram também comandantes de frentes e de operações importantes, como J.J., Martin Caballero e o "Negro Acácio", todos no ano passado, contabiliza Schultze-Kraft.
O Comando Sul dos Estados Unidos, profundamente envolvido nas ações contra as Farc, informou, em março, que os efetivos do grupo estavam reduzidos a 9.000 pessoas, das 17 mil que chegaram a ter no início do século. Operam em aproximadamente um terço da Colômbia, principalmente nas selvas do Sul e do Leste.
Adam Isacson, em seu blog para o Centro para Política Internacional, escreve que a guerrilha está em "crise estratégica" e "não pode mais contar com o apoio da população local, na medida em que muitos se voltaram contra ela devido a seus métodos violentos".

Condenação na esquerda
É sintomático a esse respeito que no Polo Democrático, o partido de esquerda que, em tese, teria mais simpatia ou menos distanciamento das Farc, uma importante liderança, o senador Gustavo Petro, condene duramente a suposta aproximação de companheiros seus com o grupo terrorista, conforme denúncia do governo colombiano com base nos documentos apreendidos no computador de Raúl Reyes, o segundo das Farc, morto no dia 1º de março.
"Se as provas forem fortes e realmente mostrarem um nexo entre militantes, e não qualquer militante, mas congressista do Polo, e as Farc, isso indubitavelmente constituiria uma ruptura do pacto político com que se criou o Polo", disse Petro ao jornal "El Tiempo".
A suposta ou real crise estratégica não quer dizer, no entanto, que as Farc serão derrotadas militarmente. Envelheceram, de fato, perderam o tempo histórico, sim, mas mudaram de ramo: calcula-se que o grupo levante anualmente entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões, pelo menos a metade dos quais proveniente do tráfico de drogas. Sem contar outros crimes, como seqüestros, extorsões e a imposição do chamado "imposto revolucionário".
Cerca de 65 das 110 unidades operacionais das Farc estão envolvidas em algum aspecto do tráfico de drogas, segundo relatório do International Crisis Group. Acabar com as Farc exigiria, portanto, acabar com o tráfico de drogas. Cai-se, então, na situação descrita pelo escritor Germán Castro Caycedo ao jornal espanhol "El País", meses atrás: "Como acabará esta guerra? Dizem que quando os Estados Unidos permitirem que se legalize a droga, quando deixarem de estimular o consumo em seu próprio país. É o nariz dos norte-americanos que alimenta o conflito".


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