São Paulo, sábado, 26 de junho de 2010

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"Mundo julga Israel com padrão duplo"

Autor de código de ética das Forças Armadas do país defende atuação dos militares, que "lutam contra terroristas"

Asa Kasher afirma que morte de nove ativistas em abordagem de frota humanitária foi ação de autodefesa de soldados


MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

O filósofo Asa Kasher, autor do código de ética das Forças Armadas de Israel, acha que as críticas mundiais à conduta dos soldados de seu país são fruto do desconhecimento das circunstâncias em que atuam. A Convenção de Genebra trata de guerra entre Estados, diz ele. "Mas Israel luta contra organizações terroristas."

FOLHA - Como o sr. encara as críticas à falta de ética das Forças Armadas de Israel?
Asa Kasher
- Israel não enfrenta Estados, mas organizações terroristas. Quando enfrentamos o Hamas, estamos diante de uma força militar que não veste farda nem usa armas de forma convencional. Comete todo tipo de ato hostil e depois se esconde atrás de populações civis. Há uma distinção entre combatentes e não combatentes, mas o Hamas mantém essa fronteira vaga de propósito. Seus militantes agem como se fossem civis, a partir de áreas residenciais. O que devemos fazer? Continuar observando a distinção, enquanto o inimigo a ignora? Temos as nossas doutrinas, elas estão no espírito da doutrina da "guerra justa", mas elas têm que ser aplicadas diferentemente porque nosso inimigo age de forma diferente. Mesmo os que não são nossos inimigos têm dificuldade em entender e acham que podem nos dar lições de moral.

A falta de ética dos inimigos levou ao relaxamento do código de ética israelense?
Depende de que nível você fala. Olhando o soldado israelense individualmente, entende-se que a maioria faz parte do alistamento obrigatório, e isso significa que dificilmente são profissionais. São jovens, e não surpreende que aqui e ali um deles se comporte de forma inadequada. Mas temos evidência de que esse não é um fenômeno generalizado, mas uma raridade. E quando ocorre, vai a julgamento em corte marcial. Se houvesse uma política de "dedo leve" no gatilho, haveria dezenas de milhares de palestinos mortos, e metade seria de mulheres e crianças. Na guerra de Gaza houve alguns casos excepcionais e eles são investigados. Mas não passam de 30 ou 40.

Israel diz ter o Exército mais ético do mundo. Mas a imagem externa não é essa. A que o sr. atribui essa dissonância?
Há alguns meses houve uma operação da Otan no Afeganistão, dois caminhões foram atacados e dezenas de civis foram mortos. Não criaram nenhuma comissão da ONU sobre isso, e [Barack] Obama não foi requisitado a fazer uma investigação independente sobre o caso. Há um padrão duplo na forma como o mundo reage a Israel. E embora o padrão moral do Exército seja alto, isso não quer dizer que aqui e ali um soldado não cometa alguma atrocidade ou aja de forma imprópria. Mas isso ocorre em todo lugar de conflito.

No caso da frota humanitária que Israel interceptou, o que deu errado?
Com todo o respeito aos países democráticos e às instituições democráticas, nós devemos um comportamento moral em primeiro lugar para nós mesmos. Temos os nossos princípios e ninguém pode impor padrões que nos impeçam de exercer nosso direito de legítima defesa. O Hamas é um grupo cuja constituição prega a destruição de Israel. O Irã apoia o Hamas e o Hizbollah não apenas politicamente, mas militarmente. Por isso, temos que nos defender. Não podemos permitir qualquer carregamento militar enviado pelo Irã ou pela Síria à faixa de Gaza, porque eles serão usados contra nossos civis. O bloqueio marítimo é permitido pela lei internacional, assim como é perfeitamente legítima uma ação preventiva. Alguns membros da frota pertenciam a uma organização turca ligada ao terrorismo que se preparou para um combate. O resultado foi que nove terroristas morreram. A aspiração é sempre a paz. Mas quando somos atacados, temos o direito de autodefesa.

Não é uma solução simplista apontar os ativistas mortos como terroristas?
Suponhamos que um policial seja atacado violentamente, em Tel Aviv ou em São Paulo. Ele tem o direito de se defender. E quando um policial se defende, algumas vezes eles matam e as pessoas que o atacaram sofrem as consequências. O que aconteceu nessa flotilha é que esses terroristas atacaram os soldados e foram mortos. Os soldados começaram a ação de forma contida, mas não tiveram alternativa e, quando atacados, reagiram.

Já foi dito que o aumento do número de soldados religiosos aumentou o radicalismo do Exército. A fé distorce o seu código de ética?
Houve alguns fenômenos, durante a operação em Gaza, de capelões que pregaram coisas que não me agradam e não são apropriadas a um Estado democrático. Há capelões em todas as forças armadas do mundo, sua função não é só conduzir serviços religiosos, mas também ensinar ética. Os comandantes israelenses são profissionais e sabem o que pode e o que não pode ser feito. Há capelões que falam demais, mas seu efeito é marginal.

Leia a íntegra da entrevista

folha.com.br/mu753595


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