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Israel quer punir libaneses para forçar país a acabar com Hizbollah, diz analista
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
"O povo libanês é tão refém
do Hizbollah quanto os dois
soldados israelenses capturados, e a estratégia de Israel de
machucar seqüestrados para
atingir seqüestradores é arriscada." "Grupos como Hizbollah
e Hamas só existem porque os
governos do Oriente Médio são
corruptos." "Os EUA esperam
que Israel acabe com o Hizbollah por eles, mesmo que isso
custe à imagem do país."
Os Katyushas verbais são disparados pelo homem que Condoleezza Rice e a Casa Branca
procuram quando querem ouvir opiniões isentas sobre o
Oriente Médio e críticas à sua
própria política externa, o iraniano Abbas Milani. Na tarde
de ontem, o diretor do Instituto
Hoover, conservador, deu a seguinte entrevista à Folha:
FOLHA - O sr. acha que a região está "à beira da guerra", como dizem
analistas, ou a guerra está em curso?
ABBAS MILANI - A pergunta que
devemos fazer é: essa será uma
guerra regional? E, se for, envolverá outros países? A resposta é: não. Nem o Irã nem a
Síria, os dois únicos países que
entrariam nessa guerra, têm interesse nisso agora.
FOLHA - Qual sua reação quando o
ultraconservador republicano Newt
Gingrich (ex-presidente do Congresso e presidenciável) diz que essa é a
"Terceira Guerra Mundial"?
MILANI - O sr. Gingrich pode
ser um expert em todos os outros assuntos, mas não entende
nada de Oriente Médio. Ele e
alguns cristãos fundamentalistas bem que gostariam, porque
esperam que este seja o sinal do
Apocalipse, mas estão errados.
Os protagonistas que poderiam
elevar a temperatura do conflito, como Arábia Saudita, que
seria fundamental para financiar uma guerra do tipo, o Egito, os já citados Irã e Síria e os
EUA, não querem isso.
FOLHA - Os EUA foram criticados
por demorarem a agir...
MILANI - Em termos de imagem pública, certamente demoraram. Mas a política que
adotaram é correta? Aí, a resposta é mais complicada. Os
EUA querem que Israel acabe
com o Hizbollah por eles. Se o
plano não der certo, tanto a
imagem quanto o resultado terão sido comprometidos, e o
custo político disso será altíssimo. Mas é uma jogada que eles
estão dispostos a bancar.
FOLHA - Mas Israel conseguirá dar
cabo da missão?
MILANI - O objetivo de Israel,
creio eu, é punir o povo libanês
de modo a obrigá-lo a se livrar
do Hizbollah. Mas eles não conseguirão em duas semanas. Israel não conseguiu em anos,
com o Exército mais sofisticado da região, o que o faz pensar
que o premiê Fouad Siniora
conseguirá em duas semanas?
FOLHA - Qual a solução?
MILANI - A comunidade internacional tem de dizer muito
clara e categoricamente que o
apoio a esse tipo de terrorismo
não vai ser tolerado. Mas, ao
mesmo tempo, tem de ajudar a
resolver os problemas gritantes
do Oriente Médio, que são a falta de governos democráticos e
transparentes. Não basta dizer
para o Irã tirar seu nariz do Líbano sem ajudar a resolver os
problemas dos libaneses. Nós
somos diretamente responsáveis por esses problemas.
Enquanto isso não ocorrer,
grupos como Hizbollah e Hamas, que se alimentam do ódio
do povo, continuarão crescendo. O Hamas só ganhou as eleições no começo do ano porque
os palestinos estavam sob uma
autoridade corrupta. O grupo
radical não teria tido chances
se Iasser Arafat não fosse cleptomaníaco, e seus amigos não
fossem um bando de ladrões.
FOLHA - O sr. concorda com Condoleezza Rice que o cessar-fogo seria
solução temporária?
MILANI - Se o cessar-fogo vier
sem que o Hizbollah seja desarmado, obviamente será temporário. Mas, às vezes, soluções
temporárias são as únicas possíveis se o custo humanitário é
muito grande. Estamos falando
de 750 mil pessoas deslocadas,
1 milhão de israelenses em
abrigos antibombas. O Hizbollah planejou isso claramente,
porque essa é a maneira com
que organizações do tipo trabalham: crescem dentro da democracia, e o desastre humanitário que resulta de suas ações
dificulta o ato de combatê-los.
Eles vêem os seres humanos
como ferramentas, mesmo
quando oferecem ajuda. O Hizbollah é muito bom em oferecer ajuda, mas é teatro.
FOLHA - Israel exagerou?
MILANI- Quando você vê 400
civis mortos, metade deles
crianças, não pode dizer que
não haja algo errado com essa
tática, mesmo que eu entenda
perfeitamente que Israel não
possa viver sob a ameaça constante de Katyushas. Por outro
lado, as 750 mil pessoas deslocadas têm muito pouco a ver
com isso. O povo libanês é tão
refém do Hizbollah quanto os
dois soldados israelenses capturados. Machucar reféns para
atingir seus seqüestradores é
uma estratégia arriscada.
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