São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 2006

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Israel quer punir libaneses para forçar país a acabar com Hizbollah, diz analista

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

"O povo libanês é tão refém do Hizbollah quanto os dois soldados israelenses capturados, e a estratégia de Israel de machucar seqüestrados para atingir seqüestradores é arriscada." "Grupos como Hizbollah e Hamas só existem porque os governos do Oriente Médio são corruptos." "Os EUA esperam que Israel acabe com o Hizbollah por eles, mesmo que isso custe à imagem do país." Os Katyushas verbais são disparados pelo homem que Condoleezza Rice e a Casa Branca procuram quando querem ouvir opiniões isentas sobre o Oriente Médio e críticas à sua própria política externa, o iraniano Abbas Milani. Na tarde de ontem, o diretor do Instituto Hoover, conservador, deu a seguinte entrevista à Folha:
 

FOLHA - O sr. acha que a região está "à beira da guerra", como dizem analistas, ou a guerra está em curso?
ABBAS MILANI
- A pergunta que devemos fazer é: essa será uma guerra regional? E, se for, envolverá outros países? A resposta é: não. Nem o Irã nem a Síria, os dois únicos países que entrariam nessa guerra, têm interesse nisso agora.

FOLHA - Qual sua reação quando o ultraconservador republicano Newt Gingrich (ex-presidente do Congresso e presidenciável) diz que essa é a "Terceira Guerra Mundial"?
MILANI
- O sr. Gingrich pode ser um expert em todos os outros assuntos, mas não entende nada de Oriente Médio. Ele e alguns cristãos fundamentalistas bem que gostariam, porque esperam que este seja o sinal do Apocalipse, mas estão errados. Os protagonistas que poderiam elevar a temperatura do conflito, como Arábia Saudita, que seria fundamental para financiar uma guerra do tipo, o Egito, os já citados Irã e Síria e os EUA, não querem isso.

FOLHA - Os EUA foram criticados por demorarem a agir...
MILANI
- Em termos de imagem pública, certamente demoraram. Mas a política que adotaram é correta? Aí, a resposta é mais complicada. Os EUA querem que Israel acabe com o Hizbollah por eles. Se o plano não der certo, tanto a imagem quanto o resultado terão sido comprometidos, e o custo político disso será altíssimo. Mas é uma jogada que eles estão dispostos a bancar.

FOLHA - Mas Israel conseguirá dar cabo da missão?
MILANI
- O objetivo de Israel, creio eu, é punir o povo libanês de modo a obrigá-lo a se livrar do Hizbollah. Mas eles não conseguirão em duas semanas. Israel não conseguiu em anos, com o Exército mais sofisticado da região, o que o faz pensar que o premiê Fouad Siniora conseguirá em duas semanas?

FOLHA - Qual a solução?
MILANI
- A comunidade internacional tem de dizer muito clara e categoricamente que o apoio a esse tipo de terrorismo não vai ser tolerado. Mas, ao mesmo tempo, tem de ajudar a resolver os problemas gritantes do Oriente Médio, que são a falta de governos democráticos e transparentes. Não basta dizer para o Irã tirar seu nariz do Líbano sem ajudar a resolver os problemas dos libaneses. Nós somos diretamente responsáveis por esses problemas. Enquanto isso não ocorrer, grupos como Hizbollah e Hamas, que se alimentam do ódio do povo, continuarão crescendo. O Hamas só ganhou as eleições no começo do ano porque os palestinos estavam sob uma autoridade corrupta. O grupo radical não teria tido chances se Iasser Arafat não fosse cleptomaníaco, e seus amigos não fossem um bando de ladrões.

FOLHA - O sr. concorda com Condoleezza Rice que o cessar-fogo seria solução temporária?
MILANI
- Se o cessar-fogo vier sem que o Hizbollah seja desarmado, obviamente será temporário. Mas, às vezes, soluções temporárias são as únicas possíveis se o custo humanitário é muito grande. Estamos falando de 750 mil pessoas deslocadas, 1 milhão de israelenses em abrigos antibombas. O Hizbollah planejou isso claramente, porque essa é a maneira com que organizações do tipo trabalham: crescem dentro da democracia, e o desastre humanitário que resulta de suas ações dificulta o ato de combatê-los. Eles vêem os seres humanos como ferramentas, mesmo quando oferecem ajuda. O Hizbollah é muito bom em oferecer ajuda, mas é teatro.

FOLHA - Israel exagerou?
MILANI
- Quando você vê 400 civis mortos, metade deles crianças, não pode dizer que não haja algo errado com essa tática, mesmo que eu entenda perfeitamente que Israel não possa viver sob a ameaça constante de Katyushas. Por outro lado, as 750 mil pessoas deslocadas têm muito pouco a ver com isso. O povo libanês é tão refém do Hizbollah quanto os dois soldados israelenses capturados. Machucar reféns para atingir seus seqüestradores é uma estratégia arriscada.


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