São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 2006

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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Dificuldades marcam volta de 3ª leva de brasileiros

Estradas destruídas, ônibus quebrados e burocracia dificultam chegada à Turquia
Boa parte dos passageiros que retornaram ontem ao Brasil era de descendentes de libaneses que passavam férias de verão no país

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais 77 brasileiros que conseguiram escapar do Líbano chegaram ontem a São Paulo, depois de um vôo de 14 horas a partir de Adana, na Turquia, com paradas em Argel (Argélia) e Recife (PE). Foi a terceira leva a conseguir retornar, formada em boa parte por descendentes de libaneses em férias. Quase todos enfrentaram longas jornadas até chegar ao vôo. Parte do grupo partiu de Damasco (Síria) para a Turquia. A viagem levou 20 horas, o dobro do previsto. Os dois ônibus ficaram parados três horas na fronteira pela burocracia local.
Depois, na madrugada, os dois ônibus quebraram. Sob um calor de mais de 30C e sem banheiros a bordo, os brasileiros esperaram na estrada a chegada de ônibus substitutos.
Mas a aventura começou antes, na fuga para Damasco. "Meu pai conseguiu um taxista para nos levar do norte do Líbano para a Síria, que cobrou US$ 400. Tivemos que viajar por seis horas por estradas destruídas", relata o estudante de cinema Chawki Zaher Filho, 21, que viajou com o pai e as duas irmãs.
"Chegamos lá no dia 9, pouco antes do conflito, e meus primos fizeram tudo para parecer que as coisas estavam bem. Só quando atacaram Beirute que nos demos conta. Depois, até o ruído do ar-condicionado velho já nos assustava."

Hospitalidade brasileira
O estudante Tarik Rahal, 15, estava pela primeira vez de férias no país, visitando seus avós. De Jub Janine, pequena cidade no vale do Bekaa, onde seus avós moram, não havia como ir para Beirute.
"Subornos, amigos, contatos, tudo foi necessário para tirar meu filho de lá", diz o cirurgião torácico Ahmad Rahal, pai de Tarik. "Meu pai, que é o avô do Tarik, decidiu levá-lo para Damasco." Só que o percurso de 40 km a Damasco levou mais de três horas.
Tarik ficou seis dias na casa de uma família brasileira que mora na Síria. "Eles têm três filhos da minha idade, todo mundo fala português, até há comida brasileira", diz Tarik. "Como são poucos, os brasileiros na Síria são muito unidos."
Os avós de Tarik moraram 50 anos no Brasil. Com a aposentadoria, voltaram para o Líbano há dois anos. Estiveram aqui entre janeiro e maio, de férias, quando convidaram o neto a visitá-los no Líbano. A operação-retorno foi ainda mais longa para o comerciante Mohamed Ibrahim, que mora em Porto Alegre. Sua mulher, grávida, passou mal no segundo vôo que trouxe brasileiros e eles tiveram que descer na Argélia, onde ficaram um dia. Por isso só chegaram ontem.
Mohamed e família fizeram a viagem de 20 horas até a Turquia em um ônibus coberto por uma grande bandeira do Brasil. "A bandeira foi nossa proteção. A viagem foi calma, mas nunca sabemos quando poderia acontecer um bombardeio."

Depois do desespero
A paranaense Valéria Teixeira, que no último sábado disse à Folha estar em "situação desesperadora" após fugir da cidade em que morava, no sul do Líbano, embarca hoje de volta ao Brasil. Ela estava abrigada de forma precária em uma escola da cidade costeira de Sidon, com os três filhos pequenos. Valéria conseguiu chegar ontem a Beirute e estará num dos quatro ônibus que partirão rumo a Adana, na Turquia. Outros dez ônibus com brasileiros partem hoje do vale do Bekaa.


Colaborou MARCELO NINIO , enviado especial a Beirute


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