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ANÁLISE
Venezuela e Colômbia: uma ruptura perigosa
JUAN GABRIEL TOKATLIAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há pelo menos três anos, a
natureza do relacionamento
entre Colômbia e Venezuela
mudou. Nesse sentido, a dinâmica que a luta armada na
Colômbia exerce, em seu território e em suas fronteiras, e
as profundas mudanças políticas e militares no mundo
andino hoje tornam mais
provável que surja um entrelaçamento entre conflito interno e internacional.
Se somarmos a isso o papel importante e contraditório dos EUA nas relações
triangulares entre Bogotá,
Caracas e Washington, o panorama se torna ainda mais
complexo.
O dado que mais se alterou
foi a transformação sofrida
pelo dilema de segurança entre Colômbia e Venezuela. Se
bem esse dilema não seja novidade ou tampouco excepcional, chegou a um grau de
agravamento inusitado.
O fato é que hoje nem Bogotá e nem Caracas acreditam que as ações do país vizinho sejam conduzidas sob a
tônica da dissuasão ("deterrence", na terminologia anglo-saxã); ou seja, não acreditam que a mensagem
transmitida de um a outro
signifique "não me ataque,
porque o custo de fazê-lo será
maior para você, já que empregaremos todo o nosso poderio em represália".
O que predomina é a percepção daqueles que procuram reverter ("roll-back", na
terminologia anglo-saxã) os
avanços conquistados pelo
outro. Significa que Bogotá
procura (com a ajuda dos
EUA) forçar o recuo da revolução bolivariana de Hugo
Chávez, e que Caracas procura (com a ajuda das Forças
Armadas Revolucionárias
Colombianas, ou Farc), promover a queda do regime político de Bogotá.
Agora, o relacionamento
bilateral ingressou em uma
fase mais perigosa. Por decisão do governo da Venezuela, foram rompidas as relações diplomáticas entre Caracas e Bogotá.
Fora da Colômbia, a impressão é a de que o presidente Álvaro Uribe, com as
denúncias que fez, procurou
agravar a situação a duas semanas da data da posse de
um novo presidente.
INTERPRETAÇÕES
Gostaria de me alongar na
análise da situação colombiana, sem levar em conta a
questão de provas, de sua
pertinência ou de seu alcance, e pretendo sugerir quatro
maneiras de compreender o
ocorrido.
A primeira delas tem por
base a personalidade e o estilo do presidente Uribe. Audacioso, inflexível e frontal, ou
desmedido, imprudente e
provocador são os adjetivos
que costumam ser usados
para descrevê-lo. Tanto de
uma quanto de outra forma,
teria sido sua personalidade
que precipitou a situação
existente, para provocar uma
reação de seu colega venezuelano.
Uma segunda interpretação se relaciona às convicções ideológicas de Uribe: ele
desejaria concluir seus oito
anos de mandato tendo a certeza de que existe um limite
definitivo, interno e externo,
para aquilo que a Colômbia
considera aceitável em sua
luta contra agentes armados.
Em ambos os casos, trata-se de decisões individuais
que, por conveniência ou
convicção, Uribe decidiu tomar antes de concluir seu
mandato. Nos dois casos, o
papel do presidente eleito,
Juan Manuel Santos, deve ser
considerado como secundário; ele estaria, de maneira silenciosa e pragmática, aceitando a determinação de Uribe, presidente ao qual até recentemente serviu como ministro da Defesa e proponente da adoção de uma linha
dura diante da Venezuela.
Paradoxalmente, caso
Santos apresente perfil mais
moderado ao assumir o Executivo, teria a chance de redefinir, talvez sobre bases razoavelmente mais positivas,
a relação hoje desgastada
com os venezuelanos.
Uma terceira leitura conduz, em lugar disso, à interpretação de que a situação
atual pode resultar de uma
política de Estado. Uribe,
desconsideradas suas opiniões pessoais, teria aceito o
desafio de conduzir o caso à
OEA (Organização dos Estados Americanos) porque o
aparelho civil e militar do Estado e boa parte dos cidadãos
colombianos estariam plenamente de acordo com uma
redefinição substantiva da
relação com a Venezuela.
Nada mais deve continuar
sendo como foi no passado, e
o objetivo seria reorientar
completamente o vínculo entre Colômbia e Venezuela em
cada um dos planos do relacionamento bilateral.
O novo presidente talvez
tenha declarado há alguns
dias que seu objetivo seria
promover uma melhora gradual no relacionamento entre os dois países, mas isso
não significa que Santos deixe de presumir que, daqui
por diante, a Venezuela deve
oferecer provas contundentes de mudança, para que isso venha a possibilitar uma
retomada das relações.
De certo modo, Santos, como ministro, foi um dos principais arquitetos de uma estratégia ativa de denúncias e
pressão contra Caracas.
Durante a campanha presidencial, indicou que, caso
eleito, voltaria a usar a força
contra um país vizinho se
surgisse situação como a de
março de 2008, que levou a
um ataque contra um acampamento em território equatoriano para eliminar Raúl
Reyes, um dos principais líderes das Farc, realizado
quando Santos era ministro.
Uma quarta explicação,
que reforça a ideia de que o
comportamento atual é uma
política de Estado, presume
que, apesar das declarações
divergentes que fizeram recentemente com relação a
Caracas, Uribe e Santos teriam de algum modo coordenado os passos a seguir com
relação à Venezuela.
Seria uma repetição, guardadas as distâncias e diferenças, do esquema usado pelo
Partido Revolucionário Institucional mexicano nas décadas em que controlou o governo e o aparelho de Estado.
O presidente em final de
mandato arcava com o custo
de políticas econômicas impopulares (cortes, ajustes
etc.,) para propiciar ao sucessor maior margem de manobra, o que permitia reforçar
ainda mais a política já estabelecida.
ARTIFÍCIO RETÓRICO
É essencial distinguir de
maneira clara e realista qual
é a posição assumida por Bogotá. O recurso à intermediação da Unasul, do Brasil ou
da OEA são e serão apenas
artifícios retóricos caso não
exista um conhecimento
mais claro quanto ao que está acontecendo.
Caso uma das duas primeiras opções mencionadas proceda, talvez seja o caso de encontrar soluções depois de 7
de agosto, quando Santos tomará posse. Um espaço estreito para distensão, talvez
com verificação por parte do
Conselho de Defesa Sul-Americano, poderia surgir
caso a terceira opção seja a
correta. Mas é provável que
não faça sentido buscar um
reatamento improvisado das
relações desgastadas se o
quarto caso representar a explicação verdadeira.
De todo modo, a América
do Sul deve se preparar, nesse caso, para uma política de
controle de danos, e não de
redução de tensões.
JUAN GABRIEL TOKATLIAN é professor de
relações internacionais na Universidade Di
Tella, em Buenos Aires, Argentina.
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