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Congresso extrapolou, diz García
Vice de Morales defende que Constituinte vote por maioria simples, apesar de a Lei de Convocatória prever 2/3
Em entrevista à Folha, García Linera diz que congressistas não tinham a atribuição de criar regras para a Constituinte
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Ex-guerrilheiro nos anos
1990, quando foi torturado e
passou cinco anos preso, o vice-presidente boliviano, Álvaro
García Linera, 43, hoje é considerado o principal ideólogo do
MAS (Movimento ao Socialismo) e, no exterior, atua como
um porta-voz de estilo mais
moderado do governo de Evo
Morales.
Na última quinta-feira, ele se
reuniu com o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva para tentar
superar o estremecimento diplomático e reabrir os impasses
gerados pela nacionalização do
gás, decretada em 1º de maio.
Após o encontro, ele concedeu
a seguinte entrevista à Folha:
FOLHA - O governo anunciou recentemente a suspensão temporária de parte da nacionalização, o presidente da YPFB (estatal boliviana)
está sendo responsabilizado por irregularidades administrativas, as
negociações com a Petrobras não
avançam e alguns prazos do decreto
já venceram. Por que há essa crise?
ÁLVARO GARCÍA LINERA - A nacionalização é uma tarefa bastante
complicada, que vai exigir um
conjunto de ajustes, como os
que estão sendo feitos agora. É
complicado em termos políticos porque há forças de antigos
governos que resistem a que isso e que vão usar todos os meios
para impedir que haja êxito
nesse caminho. A nacionalização é a coluna vertebral de um
novo país, de um novo regime
econômico. Politicamente, a
história da nacionalização é o
fim de qualquer possível regresso a formas neoliberais de
economia. Em termos técnicos,
é muito complicado porque envolve muitas áreas de toda a cadeira hidrocarbonífera. Não será estranho se outras irregularidades aparecerem.
FOLHA - O MAS passou a defender
que a votação na Assembléia Constituinte seja por maioria simples,
apesar de a Lei de Convocatória prever dois terços. Não se trata de mudar as regras no meio do jogo?
ÁLVARO GARCÍA LINERA - Nós, desde que levantamos a bandeira
da Assembléia Constituinte como reivindicação social em
2002, defendemos que a Assembléia seja refundadora, isto
é, acima dos Poderes atualmente estabelecidos. Uma coisa é
dizer que estou acima de você,
outra coisa é dizer que você não
existe. Justamente por isso foi
que, quando se elaborou, em
2005, o pedido para o Parlamento aprovar uma Lei de
Convocatória [da Constituinte], se dizia que o Congresso
não deveria fazer uma lei não
normativa, como acabou acontecendo. E a lei diz que só o texto final precisa ser aprovado
por dois terços.
Além disso, a Constituição
diz que o Congresso poderá
convocar, nada mais. Os congressistas extrapolaram as suas
atribuições, porque elaboram a
convocatória, a modalidade de
eleição, mas, além disso, colocam normas. Isso é romper a legalidade e o acordo de 2005.
E o que quer agora a oposição? Que o regulamento, a parte administrativa, que cada um
dos artigos seja por dois terços.
Nós, o que queremos? Que cada
um dos artigos e a base administrativa sejam aprovadas por
maioria simples. Por princípio,
acreditamos que, se é uma Assembléia originária, não deveria haver nenhum Poder acima,
mas isso é parte do debate. O
que não deveria ser o tema do
debate é a parte administrativa
e a parte dos artigos.
FOLHA - Mas o sr. disse na campanha que o objetivo do MAS era ter
de 70% a 80% da Assembléia, visando os dois terços. A Lei de Convocatória é de março e foi aprovada por
um Congresso com maioria do MAS.
O debate sobre a maioria simples só
começou agora. Não é casuísmo?
GARCÍA - Todo candidato diz
que vai ganhar as eleições. O
que você está mencionando é
campanha, dissemos que tínhamos de obter até 90%. É
otimismo de campanha. Mas
era impossível chegar a mais de
63%, porque elaboramos a lei
assim. Eu relatei essa lei na parte dos votos e das porcentagens, fiz as fórmulas diante dos
deputados. Essa parte é minha
responsabilidade. Não é que
mudamos de posição porque
não obtivemos 70%, mas a imprensa confunde o discurso de
campanha com o fato prático e
frio das cifras.
FOLHA - Porém o MAS usou outras
siglas partidárias como estratégia
para ajudar a chegar aos dois terços.
GARCÍA - Lamentavelmente,
não fizemos muito, apenas em
Cochabamba, e obtivemos cinco constituintes. Faltou tempo.
Mas habilitamos a presença de
minorias, e assumimos a responsabilidade de consenso. O
fato de que queremos trabalhar
com maioria absoluta não tira o
fato de que nos esforçamos por
consensos. Mas é uma questão
de princípios diante de partidos que governaram com 25%
do eleitorado e agora querem
transformar 15%, 20% em ditadura diante de uma maioria
simples.
FOLHA - O governo tenta processar
o ex-presidente Eduardo Rodríguez
(2005-2006), responsável pela bem-sucedida transição política, pelo envio de cerca de 30 mísseis aos EUA,
fato que ele diz que desconhecia e
que mandou investigar ao ser revelado. Não há exagero?
GARCÍA - Ninguém tira o valor
do ex-presidente Rodríguez em
assumir a transição num momento tão complicado e conflitivo. É preciso parabenizá-lo.
Mas há uma mancha potencial,
que não é qualquer coisa e envolve a soberania do nosso país.
O que diria você se os aviões e
mísseis da Força Aérea Brasileira amanhã aparecessem em
outro país? Talvez ele não seja o
culpado, mas era o comandante
das Forças Armadas. Ele tem
de explicar o que ocorreu. Mas
isso não tira seu grande papel
na transição democrática.
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