São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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EUA hesitam em acolher iraquianos que fogem da guerra

Conflitos sectários deixam 100 mil iraquianos sem casa por mês; aumento do efetivo militar em Bagdá piorou situação

Milhares querem emigrar para os EUA, mas só 500 tiveram asilo aprovado pelo governo americano desde o início da guerra, em 2003

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A MICHIGAN

A cada hora, 138 iraquianos são expulsos de suas casas ou as deixam e são obrigados a mudar de cidade ou sair do país. Segundo os cálculos da ONU e do Crescente Vermelho, cerca de 100 mil pessoas por mês são levadas ao êxodo involuntário, o maior número no país desde que Saddam Hussein foi derrubado do poder, em 2003.
O total mensal teria explodido em fevereiro, quando começou a chegar ao Iraque o reforço de 30 mil soldados pedido pelo presidente George W. Bush. O incremento militar teve o efeito oposto do desejado, dizem esses dois e outros estudos feitos nos últimos meses, pois acelerou o sectarismo, a briga entre as diversas facções religiosas que compõem a população do país.
O principal palco dos conflitos que levam ao êxodo é a capital, Bagdá. Expulsos sob tiros por milícias armadas, xiitas são forçados a ir para bairros eminentemente xiitas ou para o sul, onde são maioria. Idem com os curdos, para o norte, e os sunitas, para oeste. "Literalmente no meio do tiroteio estão os caldeus, que não têm para onde ir", disse à Folha Joseph Kassab, diretor da Federação Caldéia Americana, baseada em Detroit, Michigan.
Esses cristãos iraquianos são o principal grupo prejudicado pelo fenômeno. Estima-se que 600 mil deles tenham deixado suas casas -ou 15% de todos os refugiados até agora. Desses, 400 mil saíram do país. Organizações caldéias no mundo inteiro lutam para tirar os outros 200 mil, visto que não há bairros ou cidades de maioria caldéia naquele país.
"Um dia, meus parentes chegaram do trabalho e havia um aviso na porta mandando-os deixarem nossa casa, assinado pelo líder de uma milícia", disse Ibrahim Dawood, hoje morando em Sterling Heights, um dos subúrbios da Grande Michigan, onde se concentra a maioria não só dos caldeus como dos iraquianos nos EUA.
O ex-professor de geografia e sua família são a exceção da exceção. Desde a invasão americana, em março de 2003, 4 milhões de iraquianos, ou 16% de uma população de 26,8 milhões, tiveram de deixar seu lugar de origem. Desses, 2,2 milhões foram para países vizinhos, como Síria (1,2 milhão) e Jordânia (800 mil). Outro 1,9 milhão de pessoas é considerado "refugiados internos".
Centenas de milhares querem vir aos EUA. Desde o começo da guerra, no entanto, o governo Bush concedeu asilo a apenas 496 refugiados iraquianos -ou o equivalente a menos de quatro horas de refugiados de uma guerra que já dura quase cinco anos. Nos últimos meses, sob pressão, o Departamento de Estado reviu sua política de concessão de vistos a refugiados para 2007.
Nos 60 mil previstos para todas as nacionalidades, a fatia destinada a iraquianos pulou para 7.000. "Até agora, porém, menos de 60 conseguiram ser aprovados", disse à Folha Mihaela Mitrofan, dos Serviços Sociais Luteranos de Michigan. Junto da federação, a organização é responsável por receber e encaminhar 90% dos iraquianos que chegam aqui.
O governo norte-americano se defende dizendo que pode haver militantes da Al Qaeda escondidos entre os candidatos. "Pode haver, mas um mínimo de triagem os elimina", disse Rafat Ita, especialista em refugiados -ele próprio um refugiado (só que da Guerra do Golfo, 1991), hoje nos EUA.
Por esse motivo, Joseph Kassab, da Federação Caldéia, preparou um modelo de questionário tão abrangente que tem sido adotado por outras organizações de refugiados de outras nacionalidades. "Basta eles quererem", disse o cientista. "Durante a Guerra do Golfo, Bush pai aprovou a entrada de mais de 100 mil iraquianos."
O jornal "Washington Post" publicou editorial em que chama de "embaraçoso" o fato de iraquianos correrem risco de vida em seu país por terem ajudado os EUA, que agora não os aceita. Foi seguido por Michael Gerson, ex-autor dos discursos do presidente Bush, que disse ser esse um caso de "credibilidade nacional e honra".
"O importante mesmo é resolver logo este desastre humanitário", resume Rafat Ita.

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