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EUA hesitam em acolher iraquianos que fogem da guerra
Conflitos sectários deixam 100 mil iraquianos sem casa por mês; aumento do efetivo militar em Bagdá piorou situação
Milhares querem emigrar para os EUA, mas só 500 tiveram asilo aprovado pelo governo americano desde o início da guerra, em 2003
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A MICHIGAN
A cada hora, 138 iraquianos
são expulsos de suas casas ou as
deixam e são obrigados a mudar de cidade ou sair do país.
Segundo os cálculos da ONU e
do Crescente Vermelho, cerca
de 100 mil pessoas por mês são
levadas ao êxodo involuntário,
o maior número no país desde
que Saddam Hussein foi derrubado do poder, em 2003.
O total mensal teria explodido em fevereiro, quando começou a chegar ao Iraque o reforço de 30 mil soldados pedido
pelo presidente George W.
Bush. O incremento militar teve o efeito oposto do desejado,
dizem esses dois e outros estudos feitos nos últimos meses,
pois acelerou o sectarismo, a
briga entre as diversas facções
religiosas que compõem a população do país.
O principal palco dos conflitos que levam ao êxodo é a capital, Bagdá. Expulsos sob tiros
por milícias armadas, xiitas são
forçados a ir para bairros eminentemente xiitas ou para o
sul, onde são maioria. Idem
com os curdos, para o norte, e
os sunitas, para oeste. "Literalmente no meio do tiroteio estão os caldeus, que não têm para onde ir", disse à Folha Joseph Kassab, diretor da Federação Caldéia Americana, baseada em Detroit, Michigan.
Esses cristãos iraquianos são
o principal grupo prejudicado
pelo fenômeno. Estima-se que
600 mil deles tenham deixado
suas casas -ou 15% de todos os
refugiados até agora. Desses,
400 mil saíram do país. Organizações caldéias no mundo inteiro lutam para tirar os outros
200 mil, visto que não há bairros ou cidades de maioria caldéia naquele país.
"Um dia, meus parentes chegaram do trabalho e havia um
aviso na porta mandando-os
deixarem nossa casa, assinado
pelo líder de uma milícia", disse Ibrahim Dawood, hoje morando em Sterling Heights, um
dos subúrbios da Grande Michigan, onde se concentra a
maioria não só dos caldeus como dos iraquianos nos EUA.
O ex-professor de geografia e
sua família são a exceção da exceção. Desde a invasão americana, em março de 2003, 4 milhões de iraquianos, ou 16% de
uma população de 26,8 milhões, tiveram de deixar seu lugar de origem. Desses, 2,2 milhões foram para países vizinhos, como Síria (1,2 milhão) e
Jordânia (800 mil). Outro 1,9
milhão de pessoas é considerado "refugiados internos".
Centenas de milhares querem vir aos EUA. Desde o começo da guerra, no entanto, o
governo Bush concedeu asilo a
apenas 496 refugiados iraquianos -ou o equivalente a menos
de quatro horas de refugiados
de uma guerra que já dura quase cinco anos. Nos últimos meses, sob pressão, o Departamento de Estado reviu sua política de concessão de vistos a
refugiados para 2007.
Nos 60 mil previstos para todas as nacionalidades, a fatia
destinada a iraquianos pulou
para 7.000. "Até agora, porém,
menos de 60 conseguiram ser
aprovados", disse à Folha Mihaela Mitrofan, dos Serviços
Sociais Luteranos de Michigan.
Junto da federação, a organização é responsável por receber e
encaminhar 90% dos iraquianos que chegam aqui.
O governo norte-americano
se defende dizendo que pode
haver militantes da Al Qaeda
escondidos entre os candidatos. "Pode haver, mas um mínimo de triagem os elimina", disse Rafat Ita, especialista em refugiados -ele próprio um refugiado (só que da Guerra do Golfo, 1991), hoje nos EUA.
Por esse motivo, Joseph Kassab, da Federação Caldéia, preparou um modelo de questionário tão abrangente que tem
sido adotado por outras organizações de refugiados de outras
nacionalidades. "Basta eles
quererem", disse o cientista.
"Durante a Guerra do Golfo,
Bush pai aprovou a entrada de
mais de 100 mil iraquianos."
O jornal "Washington Post"
publicou editorial em que chama de "embaraçoso" o fato de
iraquianos correrem risco de
vida em seu país por terem ajudado os EUA, que agora não os
aceita. Foi seguido por Michael
Gerson, ex-autor dos discursos
do presidente Bush, que disse
ser esse um caso de "credibilidade nacional e honra".
"O importante mesmo é resolver logo este desastre humanitário", resume Rafat Ita.
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