São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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OCDE quer ajuda maior à América

Para economista do grupo de países industrializados, é preciso contra-atacar investimentos e doações da Venezuela e da China

Javier Santiso crê que "possibilismo econômico" de países como o Brasil deve fazer frente ao "bom revolucionário" Chávez

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Hoje "obcecada" pelo avanço da China como "doadora emergente" em países na África e na Ásia, a comunidade internacional também deve se preocupar com a generosidade crescente da Venezuela a seus aliados na América Latina.
A opinião é de Javier Santiso, economista-chefe do Centro de Desenvolvimento da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o grupo dos 30 países mais ricos do mundo). Santiso defende que a OCDE aumente seu aporte a programas de cooperação internacional na região, em contrapeso às ajudas milionárias distribuídas por Hugo Chávez.
Nesse cenário, também é essencial, diz o economista espanhol, que o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva decole. Daí, o país seria a vitrine para o mundo, prova de que é possível se desenvolver na democracia de mercado, com políticas responsáveis e sustentáveis. Para Santiso, a parte da América Latina que escolheu essa vertente -nela estão também Chile, Peru e México- é a que apresenta os melhores resultados. Ele explicitou a tese em seu livro " La economía política de lo posible" (a economia política do possível).
 

FOLHA - Recente reportagem da revista "Economist" ecoou a sua tese sobre o avanço da classe média na América Latina, mas também sugere que há um limite para esse processo. A região decolará, mas não há mais vagas na primeira classe?
JAVIER SANTISO
- Não vejo assim. Li a reportagem, que me pareceu muito interessante por falar do auge do desenvolvimento da classe média na região.
Uma dificuldade, claro, é o ritmo da saída da pobreza, que não se dá na velocidade que as pessoas desejariam. Mas não vejo esse problema de teto, de limite. Depende do horizonte onde nos situamos.
Por exemplo, tomemos a Espanha nos anos 70. Era um emergente, tecnicamente falando. Vinte anos depois, de 1975 a 1995, é que começa o processo de ascendência acelerado, principalmente nos anos 90. Aumenta o PIB, o tamanho das empresas. Claro, a Espanha teve a sorte que nenhum país da América Latina teve, que é fazer parte da União Européia.
Mas também importam a qualidade da gestão macroeconômica e a qualidade do gasto público, porque Portugal e Grécia também estão na UE e não tiveram o mesmo êxito que Irlanda e Espanha. Portanto não há maldição latina. E também não há maldição latina na América Latina. É só olhar o Chile.

FOLHA - Lula, na sua tese, é um "embaixador do possibilismo", defensor desse modelo de desenvolvimento e antípoda de Chávez, "o bom revolucionário" com dinheiro. Quem está ganhando a disputa?
SANTISO
- Há uma competição entre Lula e Chávez efetivamente, e há uma guerra dupla, em nível regional e internacional. Mas ainda não sei quem ganhou ou vai ganhar. É verdade que a imprensa internacional falava muito de Chávez quando ele chegou e continua falando, mas do outro lado está essa vertente do "possibilismo" encarnado por Lula. No exterior, é a que mais se aprecia, porque desenha políticas mais sustentáveis. Afinal, o que ocorre na Venezuela só é possível porque tem por trás o petróleo, e por isso não é reproduzível -já veremos o que vai ocorrer no Equador, na Bolívia...
Por isso, é muito importante também que em nível regional essa trajetória possibilista tenha sucesso. É o que está em jogo: o êxito ou o fracasso dos países que apostaram na democracia de mercado, como o Brasil e muitos da região. Se a OCDE é uma organização que valoriza a economia de mercado e a democracia, os países que a adotaram devem ser modelo para outros países do mundo, por isso vamos fazer um relatório sobre a América Latina no final do ano. É que nem todos escolheram esse modelo. Pode-se imaginar em quais eu estou pensando, olhando mais para o Oriente... É importante para a América Latina, é importante para a OCDE, é importante internacionalmente que as grandes democracias emergentes como Brasil e Índia tenham êxito.

FOLHA - Os discursos de Chávez e a generosidade dele com aliados causam ruído nessa campanha de expor o êxito dos "possibilistas"?
SANTISO
- Chávez é um grande comunicador. E desse ponto de vista consegue dar golpes midiáticos. E, além disso, tem capacidade financeira, que permite comprar bônus na Argentina, fazer programas de recuperação na Bolívia e até em Londres -quando ainda tem pobres em casa. Em 2006 eu fiz uma estimativa do gasto da Venezuela, de maneira ampla, não pelos critérios da OCDE, em cooperação internacional: eram US$ 6 bilhões. E, se olharmos a cooperação dos países da OCDE na América Latina, não é muito elevada. A dos EUA não alcança nem sequer a metade disso. A da Espanha, a mais importante entre os europeus, é de quase US$ 2 bilhões -um terço da venezuelana. Por isso é importante que a OCDE olhe mais para a região.

FOLHA - O sr. propõe que a OCDE faça um contrapeso a Chávez?
SANTISO
- O que estou comentando é que há um doador emergente na América Latina que é a Venezuela. Se fala muito dos "emerging donours", e todo mundo está obcecado pela China como "emerging donour" na Ásia e na África. Então, da mesma maneira que a China como doador emergente na África preocupa a OCDE, também teria de haver preocupação com a Venezuela, e então adotar medidas para ajudar mais a América Latina com programas de cooperação. Só para dar um exemplo, por que não ter grandes fundos de infra-estrutura para apoiar a região?

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