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A vida pelo cano
Dutos de 6 cm de diâmetro atuam como "cordões umbilicais" entre mineiros presos há 18 dias e equipes na superfície; depressão, desalento e angústia já afetam estado de espírito na mina
Ivan Alvarado/Reuters
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Duto pelo qual os 33 mineiros presos há 18 dias na mina San José são abastecidos com comida, remédios e cartas
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A COPIAPÓ (CHILE)
"Depressão, desalento,
angústia." Assim o ministro
da Saúde do Chile, Jaime Manalich, definiu ontem o estado de espírito de parte dos 33
mineiros soterrados a 688
metros de profundidade, em
uma galeria da mina San José, no norte do Chile.
Após a euforia por terem
sido localizados no domingo,
passados 18 dias do acidente,
os mineiros deram-se conta
do que vem pela frente -pelo
menos três meses até que
consigam pôr de novo a cabeça para fora da terra. "Antes do Natal, todos estarão fora", é o mantra do governo.
Segundo Manalich, as
condições físicas dos homens enterrados "são excepcionalmente boas", em vista
dos dias em que, perdidos e
isolados no meio da montanha, alimentaram-se apenas
de restos de pêssego e atum.
A água provinha dos veículos de transporte de minérios, que também ficaram
presos. O ar que entrava,
pouco, era o que atravessava
rachaduras na montanha.
"Mas há riscos. Os maiores
derivam das debilidades nutricionais acumuladas, que
potencializam os efeitos de
parasitoses e fungos."
O ambiente hiper-úmido e
com temperaturas de quase
40 C, além da grande quantidade de poeira em suspensão, criam uma estufa ideal
para fungos e bactérias. Já há
casos de diarréias e infecções
nos olhos e garganta.
A escuridão permanente,
que eles conseguiam vencer
graças ao acionamento das
máquinas e tratores soterrados, ontem voltou a reinar.
A junta médica que monitora os homens pediu o desligamento de todos os motores
-geravam um aumento na
concentração de carbono.
Hoje, deve baixar um cabo
para iluminação por LEDs
-vai pelo mesmo duto de 6
cm de diâmetro que leva tudo
o que os homens precisam
para seguir vivendo (remédios, comida, cartas de parentes). Por outro duto aberto
vai se criar uma fonte constante de água potável.
Segundo o ministro da
Saúde, tratam-se de verdadeiros "cordões umblicais",
sustentando a vida dos mineiros, tanto física quanto
psicologicamente. Já se prepara o envio de drogas para
conter os sintomas da depressão e do desespero.
"MENTIRA CRUEL"
A San José fica em uma
área de várias minas de cobre
e ouro, no meio do deserto do
Atacama, norte do Chile. Paisagem lunar, sem casas, seca, assentada sobre um braço rebaixado dos Andes, com
montanhas avermelhadas,
amareladas, esverdeadas.
A entrada da mina é marcada por um outdoor que grita em letras maiúsculas:
"Juntos faremos uma jornada segura". Assina a comunicação a Companhia de Mineração San Esteban, proprietária das galerias sinistradas.
"Uma mentira cruel", afirma Lilian Ramirez, 51, mulher de Mario Gomez, 63, o
mais velho da turma e o que
redigiu o primeiro bilhete para a superfície: "Estamos
bem no refúgio os 33".
"Todos sabiam que a San
José estava condenada. Que
era uma roleta russa", diz.
Gomez tem uma silicose
(enrijecimento dos pulmões
causado pela aspiração de
terra). É motorista da mina
porque mal consegue andar
-perde o fôlego.
A mão direita é como uma
garra, só tem o indicador e o
polegar. Perdeu os dedos numa explosão de pólvora dentro da mina. Os dedos da outra mão estão amputados na
altura da primeira falange.
A raiva dos mineiros extravasa em cartazes aqui e ali.
"Montanha de merda!", diz
um deles, cercado por bandeiras chilenas.
As famílias e os jornalistas
ficam em uma área do tamanho de um campo de futebol,
onde se montaram barracas,
refeitórios, enfermaria, uma
capela e até um jardim da infância, para cuidar dos filhos
e netos dos mineiros.
Ainda sob o efeito da alegria por saber vivos os parentes que muitos já tinham por
mortos, o lugar é quase festivo. "Força e Coração de Mineiros! Um monte de terra e
pedras não pode com um punhado de atacamenhos", diz
a família de Luis Urzúa Iribarren, 54, chefe do turno colhido pelo desabamento.
Poucos metros adiante,
surge uma barreira -dali para frente, só autoridades passam. Lá ficam a entrada da
mina, os dutos, o quartel-general do resgate. E os mineiros debaixo do chão.
Na fronteira entre os dois
mundos, calados, estão os
150 operários que saíram das
galerias antes do acidente.
Desde 5 de agosto, eles não
trabalham, mas comparecem à mina assim mesmo.
Passam 10 horas (as mesmas que passariam sob a terra) olhando para os montes
revolvidos. "São todos meus
amigos", diz Nelson Ibarra,
capacete na cabeça, como se
fosse entrar na mina.
Ouça relato da enviada
especial sobre a situação
dos mineiros
folha.com.br/102374
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