São Paulo, quinta-feira, 26 de agosto de 2010

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A vida pelo cano

Dutos de 6 cm de diâmetro atuam como "cordões umbilicais" entre mineiros presos há 18 dias e equipes na superfície; depressão, desalento e angústia já afetam estado de espírito na mina

Ivan Alvarado/Reuters
Duto pelo qual os 33 mineiros presos há 18 dias na mina San José são abastecidos com comida, remédios e cartas

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A COPIAPÓ (CHILE)

"Depressão, desalento, angústia." Assim o ministro da Saúde do Chile, Jaime Manalich, definiu ontem o estado de espírito de parte dos 33 mineiros soterrados a 688 metros de profundidade, em uma galeria da mina San José, no norte do Chile.
Após a euforia por terem sido localizados no domingo, passados 18 dias do acidente, os mineiros deram-se conta do que vem pela frente -pelo menos três meses até que consigam pôr de novo a cabeça para fora da terra. "Antes do Natal, todos estarão fora", é o mantra do governo.
Segundo Manalich, as condições físicas dos homens enterrados "são excepcionalmente boas", em vista dos dias em que, perdidos e isolados no meio da montanha, alimentaram-se apenas de restos de pêssego e atum. A água provinha dos veículos de transporte de minérios, que também ficaram presos. O ar que entrava, pouco, era o que atravessava rachaduras na montanha.
"Mas há riscos. Os maiores derivam das debilidades nutricionais acumuladas, que potencializam os efeitos de parasitoses e fungos." O ambiente hiper-úmido e com temperaturas de quase 40 C, além da grande quantidade de poeira em suspensão, criam uma estufa ideal para fungos e bactérias. Já há casos de diarréias e infecções nos olhos e garganta.
A escuridão permanente, que eles conseguiam vencer graças ao acionamento das máquinas e tratores soterrados, ontem voltou a reinar. A junta médica que monitora os homens pediu o desligamento de todos os motores -geravam um aumento na concentração de carbono.
Hoje, deve baixar um cabo para iluminação por LEDs -vai pelo mesmo duto de 6 cm de diâmetro que leva tudo o que os homens precisam para seguir vivendo (remédios, comida, cartas de parentes). Por outro duto aberto vai se criar uma fonte constante de água potável.
Segundo o ministro da Saúde, tratam-se de verdadeiros "cordões umblicais", sustentando a vida dos mineiros, tanto física quanto psicologicamente. Já se prepara o envio de drogas para conter os sintomas da depressão e do desespero.

"MENTIRA CRUEL"
A San José fica em uma área de várias minas de cobre e ouro, no meio do deserto do Atacama, norte do Chile. Paisagem lunar, sem casas, seca, assentada sobre um braço rebaixado dos Andes, com montanhas avermelhadas, amareladas, esverdeadas. A entrada da mina é marcada por um outdoor que grita em letras maiúsculas: "Juntos faremos uma jornada segura". Assina a comunicação a Companhia de Mineração San Esteban, proprietária das galerias sinistradas.
"Uma mentira cruel", afirma Lilian Ramirez, 51, mulher de Mario Gomez, 63, o mais velho da turma e o que redigiu o primeiro bilhete para a superfície: "Estamos bem no refúgio os 33". "Todos sabiam que a San José estava condenada. Que era uma roleta russa", diz.
Gomez tem uma silicose (enrijecimento dos pulmões causado pela aspiração de terra). É motorista da mina porque mal consegue andar -perde o fôlego.
A mão direita é como uma garra, só tem o indicador e o polegar. Perdeu os dedos numa explosão de pólvora dentro da mina. Os dedos da outra mão estão amputados na altura da primeira falange. A raiva dos mineiros extravasa em cartazes aqui e ali.
"Montanha de merda!", diz um deles, cercado por bandeiras chilenas. As famílias e os jornalistas ficam em uma área do tamanho de um campo de futebol, onde se montaram barracas, refeitórios, enfermaria, uma capela e até um jardim da infância, para cuidar dos filhos e netos dos mineiros.
Ainda sob o efeito da alegria por saber vivos os parentes que muitos já tinham por mortos, o lugar é quase festivo. "Força e Coração de Mineiros! Um monte de terra e pedras não pode com um punhado de atacamenhos", diz a família de Luis Urzúa Iribarren, 54, chefe do turno colhido pelo desabamento.
Poucos metros adiante, surge uma barreira -dali para frente, só autoridades passam. Lá ficam a entrada da mina, os dutos, o quartel-general do resgate. E os mineiros debaixo do chão. Na fronteira entre os dois mundos, calados, estão os 150 operários que saíram das galerias antes do acidente.
Desde 5 de agosto, eles não trabalham, mas comparecem à mina assim mesmo. Passam 10 horas (as mesmas que passariam sob a terra) olhando para os montes revolvidos. "São todos meus amigos", diz Nelson Ibarra, capacete na cabeça, como se fosse entrar na mina.

Ouça relato da enviada especial sobre a situação dos mineiros

folha.com.br/102374


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