São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOCIEDADE

Florencia de la V é estrela de telenovela e ganha a simpatia de uma sociedade antes conhecida por sua homofobia

Travesti vira celebridade na TV argentina

CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES

A mulher mais famosa da TV argentina hoje é um travesti. Florencia de la V interpreta Laisa, a personagem mais popular da novela "Los Roldán", uma comédia familiar que vai ao ar todos os dias no horário nobre na Telefé.
Desde que estreou, em fevereiro, a novela tem batido recordes de audiência com média de 34.3 pontos, segundo a mediação do Ibope, mas chega a atingir picos de 40, principalmente nos capítulos que envolvem os momentos cruciais da vida de Laisa, personagem que desbancou até a "sex-simbol" Andrea Frigerio, ex-modelo e apresentadora de TV, que também participa do elenco.
A trama da novela se desenvolve em torno das disputas entre os Roldáns, uma família simples de classe média baixa, que se muda para um bairro chique, e os sofisticados Uriartes. Laisa interpreta a irmã travesti do chefe de família Tito Róldan. É justamente por Laisa que o esnobe e casado Emílio Uriarte se apaixona e perde a memória quando flagra Laisa no banho.
O sucesso de um travesti na televisão argentina é um fato curioso, principalmente para uma sociedade homofóbica que, até 1998, prendia travestis pelo simples fato de estarem vestidos de mulher. Em 1998, porém, o Legislativo de Buenos Aires aprovou o "Código de Convivência", que acaba de ser reformado e que permitiu a circulação de prostitutas e travestis.

Travestis protestam
"O travestismo da novela é aceito pela sociedade porque vem em uma versão "light", longe da realidade de violência social e preconceito a que são submetidos", diz a antropóloga Josefina Fernandes, autora do livro "Corpos Desobedientes", que discute os travestis.
"O sucesso de Laisa foi uma surpresa. Acho que a simpatia do público se deve ao fato de que Laisa mostra o lado humano dos travestis. Ela é só mais um membro da família, que tem uma vida normal e vive um drama por causa de sua condição sexual. Laisa não é um personagem erótico, portanto, não choca", disse Mario Schajris, um dos autores da novela.
Para a especialista em TV do curso de comunicação da Universidade de Buenos Aires, Nora Mazzioti, é justamente pela falta de erotismo em seu personagem que o público aceita um travesti como celebridade. "Ao mesmo tempo em que ela mexe com fantasia das pessoas, por sua ambigüidade sexual, é um personagem do tipo simpático, quase infantil, portanto não causa confrontos com as mulheres, por exemplo."
Franca, sorridente e sem trejeitos exagerados, Florencia faz mais o gênero Rogéria, o famoso travesti brasileiro que, como ela, iniciou a carreira no teatro de revista, do que o estilo "sex-simbol" de Roberta Close.
Apesar da fama, Florencia não é unanimidade. De acordo com a presidente da Associação de Luta pela Identidade Travesti, Lohana Berkins, ela não representa a categoria.
"Ela reforça a imagem bufanesca do travesti que só serve para ser vedete. Queremos ser reconhecidas como profissionais normais, médicas, enfermeiras, professoras, que podemos ser", afirma. "A sociedade é muito hipócrita. As mesmas pessoas se divertem com ela na televisão ou no teatro apóiam a reforma do Código de Convivência que quer cercear a circulação dos travestis nas ruas."
Florencia iniciou-se nos palcos de Buenos Aires aos 21 anos. Foi em 1996 que, por um golpe de sorte, ganhou certa fama. Um produtor artístico apresentou Florencia ao mágico inglês David Copperfield, com quem foi fotografada em uma boate.
A mídia publicou que Copperfield, então namorado da modelo Claudia Schiffer, havia trocada a celebridade das passarelas internacionais por um travesti argentino. Astutamente, Florencia não confirmou nem desmentiu a versão e acabou ganhando espaço.


Texto Anterior: Entrevista: Lech Walesa apóia Bush e critica a ONU
Próximo Texto: Globalização leva à aceitação de travestis, afirma Florencia de la V
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.