São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Direitos humanos e paixão eleitoral


Há certa continuidade nessa área e outras que vem de 88; as manifestações partidárias não somam à democracia

ESTAMOS ÀS VÉSPERAS de eleições gerais no Brasil. Este é um momento solene e maior de toda democracia. É o momento em que o povo manifesta sua vontade.
É o momento em que o contrato social entre nação e Estado, entre sociedade civil e seus governantes -aquele contrato que está inscrito e previsto na Constituição do país- é reafirmado, que os partidos políticos apresentam suas propostas, e os políticos que governarão o país nos próximos quatro anos são eleitos.
Em uma democracia como aquela que estamos construindo no Brasil, é um momento de escolha, mas é também um momento de tranquilidade porque as escolhas não são dramáticas, não implicam a salvação ou a danação do país, mas expressam conflitos legítimos e consensos crescentes.
Com estas considerações em mente, li em "Política de Direitos Humanos", excelente livro organizado por uma jovem professora de ciência política da USP, Rossana Rocha Reis, duas conferências pronunciadas por dois homens públicos da mais alta qualidade, José Gregori, primeiro titular da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, criada em 1997, e Paulo Vannuchi, atual titular dessa secretaria de nível ministerial.
Os dois são amigos muito caros para mim: Gregori foi meu contemporâneo na Faculdade de Direito, e companheiro político de toda vida, Vannuchi, meu aluno no doutorado em ciência política na USP -um aluno de convicções firmes que milita no PT desde a sua fundação.
As duas conferências nos dão um quadro da luta pelos direitos humanos no Brasil, mas o que mais me chamou a atenção foi como elas se completam. Como o trabalho de um foi continuado pelo outro, como a luta pelos direitos humanos não é uma questão de partidos em conflito, mas de uma sociedade que se irmana na luta contra a tortura e a violência policial, contra o racismo e o antissemitismo, contra a prostituição de menores, contra a exploração de crianças e adolescentes, contra as violências dirigidas às mulheres, aos homossexuais.
Vannuchi foi o primeiro a falar. E sua fala foi a do reconhecimento de uma construção e de uma continuidade: "Existem avanços no sentido da consolidação de direitos, o que é particularmente claro de 1988 para cá... No governo FHC houve importantes avanços".
Gregori, por sua vez, além de corresponder ao apreço que Vannuchi manifestara por ele, assinalou: "Nossas posições políticas como todos sabem não coincidem, mas a nossa essência do ponto de vista do papel dos Direitos Humanos no Brasil é praticamente coincidente".
Não é só nesta área que há continuidade. Em vários setores ela data da transição democrática. Uma continuidade que responde à Constituição de 1988.
Por isso, nestas eleições, não posso deixar de ver com perplexidade, de um lado, a tese de que tudo começou no governo Lula, que jamais em tempo algum houve um governo como esse, e, do outro lado, o renascimento do udenismo liberal-autoritário segundo o qual o governo atual desrespeita a Constituição e a candidatura Dilma Rousseff é uma ameaça para a democracia brasileira.
Manifestações partidárias e apaixonadas desse tipo, sem base na realidade, não honram quem as faz. Não contribuem para a democracia brasileira.


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