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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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REVOLTA NOS ANDES

Para analistas, novo governo em La Paz não tem saída entre conter oposição e perder ajuda externa

Política antidrogas dos EUA alimentou levante na Bolívia

LARRY ROHTER
DO "NEW YORK TIMES", EM LA PAZ

Numa visita à Casa Branca no ano passado, o então presidente boliviano, Gonzalo Sánchez de Lozada, disse a seu colega George W. Bush que seguiria com a erradicação das plantações de coca, mas que precisaria de mais dinheiro para reduzir o impacto do plano sobre os agricultores. Senão, teria dito ele segundo autoridades bolivianas, estaria de volta em um ano, "mas pedindo asilo".
Bush teria achado graça, dito que todos os chefes de Estado enfrentam problemas e lhe desejado boa sorte. Hoje Sánchez de Lozada, o mais fiel aliado de Washington na América do Sul, está asilado nos EUA após ser derrubado por um levante popular visto como um golpe na política antidrogas dos EUA para a região.
Representantes dos EUA em La Paz minimizaram a questão, atribuindo a queda de Sánchez de Lozada à frustração popular com as exportações de gás e a corrupção.
Para muitos bolivianos e analistas políticos, porém, o problema está ligado às questões do empobrecimento e da marginalização, que deram origem aos protestos.
"O fato de os EUA exigirem a erradicação da coca foi a causa fundamental dos problemas de Sánchez de Lozada", disse o acadêmico boliviano Eduardo Gamarra, diretor do Centro Latino-americano e Caribenho da Universidade Internacional da Flórida, em Miami. Ele e outros analistas vêem os fatos recentes na Bolívia como aviso de que a política dos EUA pode originar uma instabilidade maior na região, onde cresce o sentimento antiamericano ante o fracasso de reformas econômicas que Washington incentivou.
Na Bolívia, o antiamericanismo fortalece a influência da figura política vista pelos EUA como o seu maior inimigo no país: o líder cocaleiro Evo Morales, segundo na eleição presidencial de 2002.
Os EUA viam a Bolívia como um sucesso tão grande da guerra às drogas que já pensavam em reproduzir no Peru a estratégia usada no país. Mas também no Peru surgem sinais de insatisfação, como o ressurgimento do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso.
"O Sendero Luminoso é mais forte nas áreas de cultivo de coca", disse Michael Shifter, do grupo Diálogos Interamericanos. "À medida que os EUA se mostram inflexíveis na erradicação do plantio de coca, a população se abre ao discurso de grupos insurgentes, como o Sendero."
Na Colômbia, a campanha de erradicação reduziu substancialmente a área de cultivo da coca, mas empurrou plantações para a Bolívia e o Peru.
A proposta original era que a campanha de erradicação fosse acompanhada de um programa que incentivasse os agricultores a trocar a coca por outros cultivos.
Embora os EUA tenham dado US$ 211 milhões ao projeto nos últimos dez anos, os críticos dizem que a soma está longe de compensar todos os que tiveram seu meio de subsistência destruído com a campanha de erradicação. Na visita a Washington, Sánchez de Lozada pedira US$ 150 milhões para, entre outras coisas, reduzir o déficit orçamentário do governo, que limita os gastos sociais. Conseguiu US$ 10 milhões.
"Essas são quantias irrisórias, inadequadas", disse o economista Jeffrey Sachs, por muito tempo assessor econômico do governo boliviano. "Os EUA fazem exigências a um país depauperado sem mostrar senso de realidade nem propor uma estratégia para auxiliar seu desenvolvimento."
O embaixador americano em La Paz, David N. Greenlee, discorda. "Acho que damos recursos substanciais. Alguns milhões de dólares a mais dos EUA não resolverão o problema da Bolívia", disse.
O novo presidente boliviano, Carlos Mesa, afirmou que a erradicação da coca criou "um cenário complicado", dando sinais de que a política poderia mudar.
Para Mesa, líder de um governo interino fraco, pode ser inevitável reduzir a erradicação para evitar o destino político de seu antecessor ou afastar opositores como Morales, que se fortaleceu apesar do esforço em contrário dos EUA.
Washington pressiona para que o cocaleiro seja expulso do Congresso e indiciado pelo assassinato de quatro policiais em Chapare. Além disso, na campanha presidencial de 2002, a embaixada dos EUA sugeriu que sua eleição seria vista como ato hostil, levando ao fim da assistência à Bolívia.
"Isso só inflou Morales, impelindo-o à posição que ele ocupa hoje", disse Gamarra. "Ele usa a questão da coca para construir um movimento nacional e os plantadores de coca como sua guarda pretoriana."
Para diplomatas e analistas políticos em La Paz, o novo governo está num beco sem saída.
Se mantiver o plano de erradicação, poderá ter dificuldade em conter Morales distante. Mas, se o suspender, poderá afetar o fluxo de ajuda externa ao país.


Tradução de Clara Allain


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