São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2010

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ANÁLISE

Plebiscito poderá dar origem a uma situação surreal no país

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Os EUA são uma federação de verdade, o que pode levar a conflitos legislativos impensáveis no Brasil, onde o governo central detém a exclusividade para regular quase tudo que é relevante.
Um desses choques ocorrerá caso os californianos aprovem a "proposition 19".
Se isso acontecer, a maconha estará legalizada na Califórnia -e autoridades locais poderão regular e taxar seu comércio-, mas seguirá proibida no plano federal.
A situação tem algo de surreal. O procurador-geral dos EUA, Eric Holder, vem afirmando que o governo federal vai aplicar a lei com vigor e como prioridade, qualquer que seja o resultado.
Uma decisão da Suprema Corte sobre o uso medicinal da maconha, liberado na Califórnia desde 1996, estabelece que agentes federais estão autorizados a prender usuários, mesmo que a lei estadual permita o consumo.
A disputa, porém, não deve sair da retórica. Na prática, são quase que exclusivamente agentes estaduais que se ocupam da repressão a usuários de maconha. Em 2008, eles foram responsáveis por 847 mil prisões relacionadas à droga nos EUA, contra 6.300 (0,75%) realizadas por policiais federais.
A menos que Holder planeje inundar a Califórnia com agentes do FBI, que deixariam suas atividades habituais para correr atrás de pequenos consumidores, a maconha será para efeitos práticos permitida no Estado.
O interessante aqui é menos a droga e mais a forma como os EUA lidam com conflitos federativos.
Não se pode afirmar que tenham passado despercebidos pelos "founding fathers" (pais fundadores). Alexander Hamilton, no papel federalista nº 28, não apenas prevê essa situação como a imagina benéfica: "Se os seus direitos [do povo] forem invadidos por um deles [União ou Estados], podem utilizar o outro como instrumento de reparação".
Ainda que de forma um pouco exótica, a ideia de Hamilton era incorporar possíveis disputas entre entes federativos ao sistema de freios e contrapesos ("checks and balances") que caracteriza a Constituição dos EUA.
Como se vê pela experiência do uso médico da maconha (liberado em 15 Estados, embora ainda proibido no plano federal), a fórmula permite a criação de consensos.


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