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ANÁLISE
Plebiscito poderá dar origem a uma situação surreal no país
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
Os EUA são uma federação
de verdade, o que pode levar
a conflitos legislativos impensáveis no Brasil, onde o
governo central detém a exclusividade para regular
quase tudo que é relevante.
Um desses choques ocorrerá caso os californianos
aprovem a "proposition 19".
Se isso acontecer, a maconha estará legalizada na Califórnia -e autoridades locais
poderão regular e taxar seu
comércio-, mas seguirá
proibida no plano federal.
A situação tem algo de surreal. O procurador-geral dos
EUA, Eric Holder, vem afirmando que o governo federal
vai aplicar a lei com vigor e
como prioridade, qualquer
que seja o resultado.
Uma decisão da Suprema
Corte sobre o uso medicinal
da maconha, liberado na Califórnia desde 1996, estabelece que agentes federais estão
autorizados a prender usuários, mesmo que a lei estadual permita o consumo.
A disputa, porém, não deve sair da retórica. Na prática, são quase que exclusivamente agentes estaduais que
se ocupam da repressão a
usuários de maconha. Em
2008, eles foram responsáveis por 847 mil prisões relacionadas à droga nos EUA,
contra 6.300 (0,75%) realizadas por policiais federais.
A menos que Holder planeje inundar a Califórnia
com agentes do FBI, que deixariam suas atividades habituais para correr atrás de pequenos consumidores, a maconha será para efeitos práticos permitida no Estado.
O interessante aqui é menos a droga e mais a forma
como os EUA lidam com conflitos federativos.
Não se pode afirmar que
tenham passado despercebidos pelos "founding fathers"
(pais fundadores). Alexander Hamilton, no papel federalista nº 28, não apenas prevê essa situação como a imagina benéfica: "Se os seus direitos [do povo] forem invadidos por um deles [União ou
Estados], podem utilizar o
outro como instrumento de
reparação".
Ainda que de forma um
pouco exótica, a ideia de Hamilton era incorporar possíveis disputas entre entes federativos ao sistema de freios
e contrapesos ("checks and
balances") que caracteriza a
Constituição dos EUA.
Como se vê pela experiência do uso médico da maconha (liberado em 15 Estados,
embora ainda proibido no
plano federal), a fórmula permite a criação de consensos.
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