São Paulo, quinta-feira, 26 de novembro de 2009

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ANÁLISE

Figura de Ahmadinejad ofusca questões de fundo

Reconhecimento apressado de Lula da validade da reeleição do iraniano ajudou a tirar foco de temas como não proliferação e equilíbrio militar no Oriente Médio

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Com sua retórica dos crentes sem dúvidas, sua negação do Holocausto, seu poder calcado na Guarda Revolucionária e milicianos civis, que reúnem os elementos mais intolerantes do peculiar sistema teocrático-republicano, Mahmoud Ahmadinejad é o inimigo ideal para os adversários do Irã.
Por isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu, em junho passado, erro diplomático ao reconhecer apressadamente a reeleição do iraniano, enquanto a oposição protestava nas ruas contra possível fraude e antes que a contestada vitória eleitoral fosse oficialmente ratificada.
Lula deu a Ahmadinejad o bônus de uma relação que, como costuma argumentar o próprio Itamaraty, é para ser de Estado para Estado, não com um governante particular. O gesto ajudou a pôr em segundo plano questões de fundo sobre equilíbrio militar no Oriente Médio e não proliferação nuclear que vão muito além da figura do dirigente iraniano.

Torcida
"Torcia para Ahmadinejad, o demagógico negador do Holocausto que quer varrer Israel do mapa, porque uma vitória do relativamente moderado Mir Hossein Mousavi poderia criar uma perigosa complacência que tentaria alguns no Ocidente a reduzir a pressão para domar as ambições nucleares do Irã", escreveu na época Douglas Bloomfield, colunista do jornal israelense conservador "The Jerusalem Post".
Bloomfield não podia ser mais direto. De fato, não há dentro do Irã corrente política que seja contra o domínio do ciclo nuclear, que inclui o enriquecimento de urânio -direito do país sob o Tratado de Não Proliferação (TNP), desde que para usos pacíficos.
Ao acenar positivamente ao acordo para mandar aumentar no exterior o enriquecimento de boa parte do combustível atômico produzido localmente, Ahmadinejad foi criticado pelas mesmas facções que contestam sua reeleição.
Apesar das negociações em curso, a maioria dos analistas ainda acredita que Teerã pretende chegar, no mínimo, ao "limite da bomba", isto é, dotar-se de capacidade para produzir o artefato em pouco tempo, se assim crer necessário.
Na ausência de um acordo abrangente que dê ao Irã garantias de segurança e reconhecimento de status no Oriente Médio -o que divide os analistas, já que em curto prazo fortaleceria Ahmadinejad-, permanece vigente o histórico de motivos que impeliu o país a esse objetivo. Entre eles:
A Guerra Irã-Iraque (1980-1988), em que Saddam Hussein teve apoio dos EUA.
As ameaças, no governo George W. Bush, ao "eixo do mal", o ataque ao Iraque e em seguida o recuo para a diplomacia no caso da Coreia do Norte, quando esta deixou o TNP e explodiu seu artefato.
O programa secreto de apoio a grupos separatistas iranianos e de ações de sabotagem autorizado por Bush e que não se sabe se a atual Casa Branca, mesmo com a abertura a negociações, suspendeu. O aval dos EUA e depois internacional, inclusive do Brasil como membro do Grupo de Fornecedores Nucleares, ao programa nuclear da Índia, potência atômica que não é signatária do TNP.
O arsenal nuclear de Israel, país também fora do TNP que já atacou reatores tanto no Iraque, nos anos 80, quanto na Síria, há dois anos, para manter sua superioridade estratégica sobre rivais regionais.
Os adversários do Irã argumentam que ele não pode receber tratamento dispensado a países tidos como "responsáveis", dadas as características "expansionistas" do regime, com o apoio a facções anti-Ocidente na vizinhança e acusações que envolvem seus dirigentes em terrorismo.
Mas, mesmo enquanto cresce a pressão sobre Teerã, dois dados jogam a seu favor.
O primeiro é o desgaste do próprio TNP, tanto pelo padrão duplo aplicado às potências fora do tratado quanto pela relutância das cinco potências reconhecidas a reduzirem seus arsenais, apesar da promessa de Barack Obama de perseguir o desarmamento.
O segundo é a constatação de que dificilmente Rússia e China, a primeira com parceria em energia nuclear civil e a segunda com investimentos de US$ 120 bilhões na indústria do petróleo iraniana, concordarão em impor a Teerã sanções duras como as que vêm sendo citadas nos EUA -e que envolveriam boicote à venda de combustível refinado (o Irã, apesar de grande produtor de petróleo, não refina o suficiente para o consumo interno).


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