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ANÁLISE
Figura de Ahmadinejad ofusca questões de fundo
Reconhecimento apressado de Lula da validade da reeleição do iraniano ajudou a tirar foco de temas como não proliferação e equilíbrio militar no Oriente Médio
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Com sua retórica dos crentes
sem dúvidas, sua negação do
Holocausto, seu poder calcado
na Guarda Revolucionária e
milicianos civis, que reúnem os
elementos mais intolerantes do
peculiar sistema teocrático-republicano, Mahmoud Ahmadinejad é o inimigo ideal para os
adversários do Irã.
Por isso, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva cometeu,
em junho passado, erro diplomático ao reconhecer apressadamente a reeleição do iraniano, enquanto a oposição protestava nas ruas contra possível
fraude e antes que a contestada
vitória eleitoral fosse oficialmente ratificada.
Lula deu a Ahmadinejad o
bônus de uma relação que, como costuma argumentar o próprio Itamaraty, é para ser de
Estado para Estado, não com
um governante particular. O
gesto ajudou a pôr em segundo
plano questões de fundo sobre
equilíbrio militar no Oriente
Médio e não proliferação nuclear que vão muito além da figura do dirigente iraniano.
Torcida
"Torcia para Ahmadinejad, o
demagógico negador do Holocausto que quer varrer Israel
do mapa, porque uma vitória do
relativamente moderado Mir
Hossein Mousavi poderia criar
uma perigosa complacência
que tentaria alguns no Ocidente a reduzir a pressão para domar as ambições nucleares do
Irã", escreveu na época Douglas Bloomfield, colunista do
jornal israelense conservador
"The Jerusalem Post".
Bloomfield não podia ser
mais direto. De fato, não há
dentro do Irã corrente política
que seja contra o domínio do ciclo nuclear, que inclui o enriquecimento de urânio -direito
do país sob o Tratado de Não
Proliferação (TNP), desde que
para usos pacíficos.
Ao acenar positivamente ao
acordo para mandar aumentar
no exterior o enriquecimento
de boa parte do combustível
atômico produzido localmente,
Ahmadinejad foi criticado pelas mesmas facções que contestam sua reeleição.
Apesar das negociações em
curso, a maioria dos analistas
ainda acredita que Teerã pretende chegar, no mínimo, ao
"limite da bomba", isto é, dotar-se de capacidade para produzir
o artefato em pouco tempo, se
assim crer necessário.
Na ausência de um acordo
abrangente que dê ao Irã garantias de segurança e reconhecimento de status no Oriente
Médio -o que divide os analistas, já que em curto prazo fortaleceria Ahmadinejad-, permanece vigente o histórico de motivos que impeliu o país a esse
objetivo. Entre eles:
A Guerra Irã-Iraque (1980-1988), em que Saddam Hussein
teve apoio dos EUA.
As ameaças, no governo
George W. Bush, ao "eixo do
mal", o ataque ao Iraque e em
seguida o recuo para a diplomacia no caso da Coreia do Norte,
quando esta deixou o TNP e explodiu seu artefato.
O programa secreto de apoio
a grupos separatistas iranianos
e de ações de sabotagem autorizado por Bush e que não se sabe
se a atual Casa Branca, mesmo
com a abertura a negociações,
suspendeu. O aval dos EUA e
depois internacional, inclusive
do Brasil como membro do
Grupo de Fornecedores Nucleares, ao programa nuclear da
Índia, potência atômica que
não é signatária do TNP.
O arsenal nuclear de Israel,
país também fora do TNP que
já atacou reatores tanto no Iraque, nos anos 80, quanto na Síria, há dois anos, para manter
sua superioridade estratégica
sobre rivais regionais.
Os adversários do Irã argumentam que ele não pode receber tratamento dispensado a
países tidos como "responsáveis", dadas as características
"expansionistas" do regime,
com o apoio a facções anti-Ocidente na vizinhança e acusações que envolvem seus dirigentes em terrorismo.
Mas, mesmo enquanto cresce a pressão sobre Teerã, dois
dados jogam a seu favor.
O primeiro é o desgaste do
próprio TNP, tanto pelo padrão
duplo aplicado às potências fora do tratado quanto pela relutância das cinco potências reconhecidas a reduzirem seus
arsenais, apesar da promessa
de Barack Obama de perseguir
o desarmamento.
O segundo é a constatação de
que dificilmente Rússia e China, a primeira com parceria em
energia nuclear civil e a segunda com investimentos de US$
120 bilhões na indústria do petróleo iraniana, concordarão
em impor a Teerã sanções duras como as que vêm sendo citadas nos EUA -e que envolveriam boicote à venda de combustível refinado (o Irã, apesar
de grande produtor de petróleo, não refina o suficiente para
o consumo interno).
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