São Paulo, sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

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Israelenses disputam política de Obama

Moderados defendem pressão para acordo com palestinos, mas cresce tese da "administração do conflito"; linha dura quer xeque-mate no Irã

"Caminho sírio" tem o apoio do establishment militar e de inteligência; idéia é tirar governo de Damasco da órbita de influência de Teerã


Jae C. Hong-24.jul.08/Associated Press
Obama no Muro das Lamentações, em Jerusalém; expectativa para sua posse é alta em Israel

CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO

Representantes da ala moderada e da linha dura em Israel esperam com tanta ansiedade a posse de Barack Obama, no próximo dia 20, quanto a eleição geral no país, em 10 de fevereiro. Enquanto isso, lutam por meio de artigos de opinião e personalidades aliadas nos Estados Unidos para influenciar a política para o Oriente Médio do novo governo americano.
Para os moderados, hoje minoritários na política israelense, Obama deve ter como prioridade pressionar pela assinatura de um acordo definitivo com os palestinos, sob o princípio dos dois Estados.
Parte deles sugere como marco negociador a Iniciativa de Paz Árabe lançada em 2002; outros endossam as propostas detalhadas em artigo publicado em novembro por Brent Scowcroft e Zibgniew Brzezinski, dois "realistas" que foram conselheiros de Segurança Nacional respectivamente de Bush pai (1989-1992) e Jimmy Carter (1977-1981).
Há quatro semanas, a Autoridade Nacional Palestina (ANP) republicou a Iniciativa Árabe nos principais jornais israelenses. Ela promete a paz entre Israel e os países árabes, em troca da retirada israelense dos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias, em 1967, incluindo o setor oriental de Jerusalém e as colinas de Golã, na Síria. Também sugere um "acordo" sobre o direito de retorno dos refugiados palestinos, abrindo a possibilidade de um acerto que contorne o fantasma da ameaça à natureza judaica de Israel.
A proposta de Brzezinski e Scowcroft é mais específica e sugere compensação aos palestinos e seus descendentes obrigados a fugir quando da primeira guerra árabe-israelense, em 1948. Também propõe a instalação de uma força da Otan nas fronteiras palestinas.
"O Irã, o Hamas e o Hizbollah rejeitam a Iniciativa Árabe. Israel faz o jogo deles ao também rejeitar", disse Mati Steinberg, ex-assessor do Shin Bet, o serviço de segurança interna israelense, em seminário no fim de novembro na Universidade Hebraica de Jerusalém.
Steinberg se diz temeroso de que a ausência de um acordo definitivo, após 15 anos de negociações, ponha em risco a própria idéia dos dois Estados. "O momento é crucial. Um acordo interessa a nós, mas não há acordo se você quer manter [o controle] do vale do Jordão e de Jerusalém. Nem o mais moderado palestino aceitaria."
Na mesma linha vai Moshe Maoz, professor da Universidade Hebraica e ex-assessor do premiê Yitzhak Rabin, morto por um extremista judeu em 1995. "A Iniciativa Árabe é uma oportunidade de ouro para Israel. O que impede um acordo é que os políticos não querem tocar no tema de Jerusalém", diz Maoz, que apela: "A América deveria ajudar Israel a se ajudar. Obama é a chave. Precisamos dele se tiver tempo".

Irã
Para a linha dura israelense, porém, o novo presidente americano deve enfocar em primeiro lugar o projeto nuclear iraniano, lançando uma ofensiva negociadora que ponha em xeque a disposição de Teerã de fazer um acordo e, em última instância, dê aos EUA maior força para sanções mais drásticas ou um eventual ataque militar.
"Obama terá muito mais legitimidade contra o Irã", diz David Horowitz, editor do "Jerusalem Post". Ele cita como o grande desafio a Israel hoje a luta ideológica "entre o mundo livre e o fundamentalismo islâmico", e não o conflito nacional com os palestinos.
É a mesma opinião de Eran Lerman, diretor do Escritório para Israel e Oriente Médio do Congresso Judaico Americano. Para Lerman, "a principal linha divisória hoje não é entre Israel e os palestinos, e sim dentro da sociedade palestina, com o totalitarismo islâmico".
Lerman aposta numa configuração em que "Síria e Irã continuarão isolados, e os EUA e Israel terão o apoio de árabes sunitas moderados". Ele vê limites para as pressões que um governo Obama poderá exercer sobre Israel: "Tudo que precisa passar pelo Congresso [americano] é complicado. Só é possível pressionar onde há divisão na comunidade [judaica], mas não onde não há, como na questão de Jerusalém".

"Caminho sírio"
Parte dos integrantes das duas facções defendem ainda o "caminho sírio". Hoje endossada pelo establishment militar e de informações israelense, a conclusão das negociações para a desocupação de Golã tiraria, segundo seus defensores em Israel, a Síria da órbita iraniana a que foi lançada desde que, após invadirem o Iraque, os EUA isolaram Damasco.
Mas, enquanto alguns falam em paralelismo nos caminhos palestino e sírio, há quem preveja que um acordo com a Síria daria mais tempo a Israel para "administrar o conflito" com os palestinos, sem que sejam necessárias decisões imediatas sobre Jerusalém ou as colônias na Cisjordânia ocupada.
"A estratégia correta para pôr fim à ocupação é de longo prazo. Ela requer uma mudança profunda entre os palestinos que ainda está para ocorrer (...). Mas um acordo permanente com [o presidente sírio Bashar] Assad parece ao nosso alcance. Os EUA e Israel não podem deixar que a falsa paz no oriente obstrua uma paz verdadeira no norte", escreveu o colunista Ari Shavit no jornal "Haaretz".
Shavit se refere ao argumento de que seria impraticável assinar a paz com os palestinos devido à divisão entre o Fatah, facção do presidente da ANP, Mahmoud Abbas, que tem supremacia na Cisjordânia, e o islâmico Hamas, vencedor das eleições legislativas de 2006 e hoje no controle de Gaza.
O mandato de Abbas termina em 9 de janeiro, e o Hamas ameaça impedir a realização de novas eleições gerais.
A idéia de que a ANP não tem condições de implementar nenhum acordo é endossada em artigo publicado na revista "Foreign Affairs" por Richard Haass e Martin Indyk, dois analistas influentes entre os democratas nos EUA. Eles recomendam prioridade para o "caminho sírio", sem abandono dos esforços "para que a diplomacia tenha sucesso mais tarde" entre israelenses e palestinos.
Entre esses esforços, Haass e Indyk sugerem que os EUA se abram à possibilidade de aceitar um governo palestino que inclua o Hamas, hoje boicotado pelo Ocidente.
Mas os defensores de que um acordo com a ANP tenha prioridade acreditam que ele poderia fortalecer a posição do Fatah e levar o Hamas de volta ao diálogo com os rivais, mediado pelo Egito, abandonado pelo grupo islâmico no início de novembro. A falta de perspectiva favorece os radicais, diz Mati Steinberg, pois sua faceta mística lhes permite pregar sobre o "fim inevitável" de Israel.
"O Hamas quer Bibi; Abbas quer Obama. Obama vai confrontar Bibi?", indaga Steinberg, referindo-se à possibilidade, indicada pelas pesquisas de opinião, de que o ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o Bibi, líder do direitista Likud, vença as eleições israelenses. Netanyahu se declara contra o Estado palestino. Propõe uma "paz econômica" que a ANP considera inaceitável.
Os argumentos em defesa de um acordo urgente para os dois Estados são, dizem seus defensores, pragmáticos. Eles mencionam sobretudo a preservação do caráter judaico de Israel e da democracia no país, no momento em que a colonização da Cisjordânia se expande, a liderança palestina está dividida e representantes do 1,5 milhão de palestinos com cidadania israelense (20% da população) começam a defender um Estado binacional, em que os dois povos tenham direitos iguais.
"Pende no horizonte a possibilidade de que a busca pela solução de dois Estados seja abandonada pelos palestinos, por Israel ou por ambos, com conseqüências desafortunadas para todos", advertiram Scowcroft e Brzezinski.


CLAUDIA ANTUNES viajou a Israel a convite do Centro Shasha de Estudos Estratégicos da Universidade Hebraica de Jerusalém


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