São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

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Prioridade no curto prazo será controle da violência

GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Menos violento, com disputas internas pelo poder, inexperiente em assuntos internacionais, mas conhecedor dos problemas sociais locais, conservador, mas sem ser um regime radical como o Taleban, enérgico no combate à corrupção e sem um plano claro sobre como lidar com Israel.
Com esse perfil, o Hamas assumirá o governo palestino após a vitória nas eleições parlamentares de ontem, segundo três especialistas ouvidos pela Folha.
O controle da violência, ao menos no curto prazo, é consenso entre os analistas. "Por mais paradoxal que pareça, haverá redução nos ataques terroristas. O grupo concluirá que essas ações podem destruir a sua credibilidade diante da opinião pública internacional agora que chegaram ao poder", afirma o americano Paul Scham, ex-coordenador de pesquisa da Universidade Hebraica de Jerusalém e acadêmico do Instituto do Oriente Médio em Washington.
O israelense Shaul Mishal, professor de ciência política da Universidade de Tel Aviv e autor do livro "Palestinian Hamas: Vision, Violence and Coexistence" (o Hamas palestino: visão, violência e coexistência), diz que é quase certo que o "Hamas fará o possível para impedir que ocorram ataques terroristas até pelo menos a realização das eleição de Israel".
Shukri Abed, palestino que dirige o departamento de estudos regionais do Instituto de Oriente Médio, concorda. "Os líderes do Hamas são inteligentes, não são fanáticos. No poder, a dinâmica do grupo vai se alterar", afirma.
Mais do que cessar os próprios ataques, o Hamas deve conseguir controlar as ações do Jihad Islâmico. Apenas a posição das Brigadas dos Mártires de Al Aqsa, grupo ligado a membros mais radicais do Fatah não é certa, de acordo com Scham.
Ele afirma que o maior problema do Hamas no momento é a disputa interna pela liderança envolvendo pragmáticos que aceitam a visão de que Israel tem o direito de existir e que será inevitável uma negociação no futuro e os que ainda defendem a destruição do Estado judeu.
Para resolver isso, é preciso definir quem será o líder, uma vez que os dois maiores líderes nos territórios, xeque Ahmed Yassin e Abdel Aziz Rantisi, foram mortos por Israel em 2004. O outro grande nome do grupo é Khaled Meshaal, que vive exilado na Síria. É certo que Israel não permitirá a sua volta, mesmo por Rafah, na fronteira de Gaza com o Egito.
As duas grandes lideranças do grupo nos territórios hoje são Mahmoud al Zahar e Ismail Haniya, que encabeçava a lista do grupo na eleição. Porém, segundo Mishal, nenhum dos dois possui força suficiente para comandar todo o grupo. O mais poderoso, afirma, ainda é Meshaal.
Para complicar, acrescenta, o Hamas precisa incrementar a sua presença no norte da Cisjordânia, onde apenas em Nablus o grupo é poderoso. Apesar da vitória esmagadora, a força do Hamas é mais concentrada no sul da Cisjordânia (Hebron) e na faixa de Gaza.

Conservadorismo
Assumindo o poder, o Hamas deverá implementar algumas políticas conservadoras em relação à religião, mas nada radical, como já ocorre em cidades nas quais o prefeito é membro do grupo. Pelo que se viu de suas administrações municipais, será um governo de combate a corrupção e com preocupações sociais.
"Será um governo controlado pelos islâmicos, sem dúvida. Mas de maneira alguma se aproximará de um regime radical como o Taleban", diz Scham. "Conservadores, mas não radicais", acrescenta Abed.
Porém o Hamas, em ainda improváveis negociações com Israel, seria bem mais intransigente do que o Fatah. "Eles têm dogmas, querem todo o território. Não querem um mini-Estado em partes da Cisjordânia e na faixa de Gaza. Será difícil eles aceitarem a solução de dois Estados", explica Mishal.
"No longo prazo, porém, eles devem ser pragmáticos. O Hamas não é a Al Qaeda. No fundo, eles querem um território para os palestinos viverem em paz", disse.
Nesse momento, segundo Mishal, será importante a participação do Egito e da Jordânia. Já Abed vê como fundamental o envolvimento do Fatah em negociações com Israel, pois o Hamas não tem experiência nenhuma em lidar com assuntos internacionais. Figuras como Saeb Erekat, principal negociador palestino, serão fundamentais.
Scham acha impossível, neste momento, que os EUA e Israel se envolvam em negociações com o Hamas. Mesmo a União Européia não deve aceitar um diálogo.
Abed vê a vitória do Hamas e a situação do grupo agora como muito similar à da OLP nos anos 70 e 80, quando deixou de ser uma organização terrorista para se tornar um grupo politico.
Mishal concorda em parte com Abed, pois, segundo ele, a OLP era uma organização com ideais nacionalistas, diferentemente do Hamas que, além do cunho nacionalista, tem também os seus ideais religiosos.
Pessimista, Mishal lembra que, a médio prazo, disputas internas que já ocorrem em Gaza podem se acentuar e os territórios palestinos se converterem "em uma espécie de Líbano dos anos 80".
O certo, concordam todos os especialistas, é que nada irá mudar antes das eleições israelenses e do futuro de Israel pós-Ariel Sharon.


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