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Prioridade no curto prazo será controle da violência
GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK
Menos violento, com disputas
internas pelo poder, inexperiente
em assuntos internacionais, mas
conhecedor dos problemas sociais locais, conservador, mas sem
ser um regime radical como o Taleban, enérgico no combate à corrupção e sem um plano claro sobre como lidar com Israel.
Com esse perfil, o Hamas assumirá o governo palestino após a
vitória nas eleições parlamentares
de ontem, segundo três especialistas ouvidos pela Folha.
O controle da violência, ao menos no curto prazo, é consenso
entre os analistas. "Por mais paradoxal que pareça, haverá redução
nos ataques terroristas. O grupo
concluirá que essas ações podem
destruir a sua credibilidade diante
da opinião pública internacional
agora que chegaram ao poder",
afirma o americano Paul Scham,
ex-coordenador de pesquisa da
Universidade Hebraica de Jerusalém e acadêmico do Instituto do
Oriente Médio em Washington.
O israelense Shaul Mishal, professor de ciência política da Universidade de Tel Aviv e autor do
livro "Palestinian Hamas: Vision,
Violence and Coexistence" (o Hamas palestino: visão, violência e
coexistência), diz que é quase certo que o "Hamas fará o possível
para impedir que ocorram ataques terroristas até pelo menos a
realização das eleição de Israel".
Shukri Abed, palestino que dirige o departamento de estudos regionais do Instituto de Oriente
Médio, concorda. "Os líderes do
Hamas são inteligentes, não são
fanáticos. No poder, a dinâmica
do grupo vai se alterar", afirma.
Mais do que cessar os próprios
ataques, o Hamas deve conseguir
controlar as ações do Jihad Islâmico. Apenas a posição das Brigadas dos Mártires de Al Aqsa, grupo ligado a membros mais radicais do Fatah não é certa, de acordo com Scham.
Ele afirma que o maior problema do Hamas no momento é a
disputa interna pela liderança envolvendo pragmáticos que aceitam a visão de que Israel tem o direito de existir e que será inevitável uma negociação no futuro e os
que ainda defendem a destruição
do Estado judeu.
Para resolver isso, é preciso definir quem será o líder, uma vez que
os dois maiores líderes nos territórios, xeque Ahmed Yassin e Abdel Aziz Rantisi, foram mortos
por Israel em 2004. O outro grande nome do grupo é Khaled Meshaal, que vive exilado na Síria. É
certo que Israel não permitirá a
sua volta, mesmo por Rafah, na
fronteira de Gaza com o Egito.
As duas grandes lideranças do
grupo nos territórios hoje são
Mahmoud al Zahar e Ismail Haniya, que encabeçava a lista do grupo na eleição. Porém, segundo
Mishal, nenhum dos dois possui
força suficiente para comandar
todo o grupo. O mais poderoso,
afirma, ainda é Meshaal.
Para complicar, acrescenta, o
Hamas precisa incrementar a sua
presença no norte da Cisjordânia,
onde apenas em Nablus o grupo é
poderoso. Apesar da vitória esmagadora, a força do Hamas é
mais concentrada no sul da Cisjordânia (Hebron) e na faixa de
Gaza.
Conservadorismo
Assumindo o poder, o Hamas
deverá implementar algumas políticas conservadoras em relação à
religião, mas nada radical, como
já ocorre em cidades nas quais o
prefeito é membro do grupo. Pelo
que se viu de suas administrações
municipais, será um governo de
combate a corrupção e com preocupações sociais.
"Será um governo controlado
pelos islâmicos, sem dúvida. Mas
de maneira alguma se aproximará
de um regime radical como o Taleban", diz Scham. "Conservadores, mas não radicais", acrescenta
Abed.
Porém o Hamas, em ainda improváveis negociações com Israel,
seria bem mais intransigente do
que o Fatah. "Eles têm dogmas,
querem todo o território. Não
querem um mini-Estado em partes da Cisjordânia e na faixa de
Gaza. Será difícil eles aceitarem a
solução de dois Estados", explica
Mishal.
"No longo prazo, porém, eles
devem ser pragmáticos. O Hamas
não é a Al Qaeda. No fundo, eles
querem um território para os palestinos viverem em paz", disse.
Nesse momento, segundo Mishal, será importante a participação do Egito e da Jordânia. Já
Abed vê como fundamental o envolvimento do Fatah em negociações com Israel, pois o Hamas não
tem experiência nenhuma em lidar com assuntos internacionais.
Figuras como Saeb Erekat, principal negociador palestino, serão
fundamentais.
Scham acha impossível, neste
momento, que os EUA e Israel se
envolvam em negociações com o
Hamas. Mesmo a União Européia
não deve aceitar um diálogo.
Abed vê a vitória do Hamas e a
situação do grupo agora como
muito similar à da OLP nos anos
70 e 80, quando deixou de ser uma
organização terrorista para se tornar um grupo politico.
Mishal concorda em parte com
Abed, pois, segundo ele, a OLP
era uma organização com ideais
nacionalistas, diferentemente do
Hamas que, além do cunho nacionalista, tem também os seus
ideais religiosos.
Pessimista, Mishal lembra que,
a médio prazo, disputas internas
que já ocorrem em Gaza podem
se acentuar e os territórios palestinos se converterem "em uma espécie de Líbano dos anos 80".
O certo, concordam todos os especialistas, é que nada irá mudar
antes das eleições israelenses e do
futuro de Israel pós-Ariel Sharon.
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