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Mais de 3 milhões estão deslocados dentro da Colômbia
Refugiados dentro de seu próprio país, grupo é formado sobretudo por quem foge da guerrilha e dos paramilitares
Movimento cria favelas; Bogotá diz que solução do problema é iminente graças ao combate das milícias
de direita e de esquerda
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SOACHA (COLÔMBIA)
Com a exceção do clima frio,
a favela Altos de Cazucá, na região metropolitana de Bogotá,
não destoa de uma típica favela
brasileira: um imenso labirinto
de vielas e barracos mal construídos que avança sobre morros onde não deveria morar
ninguém. Mas a miséria aqui
não se alimenta apenas da desigualdade. É fruto também do
violento conflito colombiano,
que, além de seqüestrados e
mortos, produziu mais de 3 milhões de deslocados internos
nas últimas duas décadas.
Dos cerca de 50 mil habitantes dessa crescente favela do
município de Soacha, metade é
composta por famílias que fugiram das áreas mais violentas do
conflito que dura mais de quatro décadas. São, na maioria,
pessoas ameaçadas pelo fogo
cruzado em zonas rurais disputadas por mais de um grupo armado ilegal, sobretudo as guerrilhas de esquerda e paramilitares de direita.
Enquanto o motivo que leva
essas famílias a migrar não for
diferente, o Altos de Cazucá
atrai por motivos semelhantes
aos das favelas brasileiras: disponibilidade de terrenos a uma
distância razoável de Bogotá.
E, como no país vizinho, a falta de regularização dos terrenos sob o crescente fluxo migratório limita a ação do Estado, gerando problemas de infra-estrutura, como esgoto e
luz, e estimulando a aparição
de um violento poder paralelo.
Em meados deste mês, a polícia prendeu 12 integrantes do
bando "pistoleiros de Cazucá",
ligado a paramilitares desmobilizados, a quem atribui mais
de cem assassinatos em 2007,
geralmente esmagando o crânio. Foram indiciados, entre
outros crimes, por extorsão e
deslocamento forçado -razões
semelhantes às que levaram
milhares de pessoas à favela.
"As pessoas não chegam a
Soacha porque querem, mas
porque a situação econômica as
obriga. Não queríamos estar
em Cazucá, mas não temos outra solução. Se vão para outro
lado, as pessoas não têm como
pagar os serviços, como água,
luz", diz Cesar Plata, dirigente
da MIGD (Mesa de Interlocução, Gestão e Desenvolvimento
de Soacha), entidade que atua
pelos deslocados da região.
Para Roberto Mignone, vice-representante na Colômbia do
Acnur (Alto Comissariado da
ONU para os Refugiados), a
violência nas grandes cidades
colombianas -que atrai a
maioria dos migrantes- acaba
provocando o chamado "deslocamento intraurbano": "As
pessoas chegam às cidades e
não só inexistem oportunidades econômicas como há muita
insegurança. Não é raro que tenham de ir para outro lugar."
Mignone, que é italiano, diz
que as principais vítimas de
deslocamento saem do campo
para as grandes cidades, são
camponeses e, sobretudo, indígenas e afro-colombianos, "que
deveriam estar particularmente protegidos".
Os deslocados internos, diz,
também são vítimas da impunidade, embora a Colômbia tenha uma "das leis mais avançadas do mundo". Ele cita um levantamento segundo o qual,
desde 2005, houve 619 mil deslocados registrados, mas apenas 15 condenações pelo delito.
Por outro lado, Mignone diz
que o número de deslocados internos é maior do que os que
procuram outro países (73 mil
refugiados na América Latina,
no ano passado) porque na Colômbia há um aparato estatal.
"O sistema de atenção à população é melhor do que muitos
outros países", afirma. "Também, muito importante, é que
na Colômbia, o agente de perseguição não é o Estado."
Mais crítico, Plata, um ex-sindicalista rural que vive há
dez anos em Bogotá e diz estar
sob ameaça de morte, acusa o
governo Álvaro Uribe de não
ter uma política de "prevenção
de deslocamento" e diz que a
ajuda estatal é "assistencialista
e limitada à ajuda humanitária
de emergência. E essa ajuda,
mas demora muito".
"Problema em evolução"
Para Luis Carlos Restrepo,
alto comissário para a Paz do
governo colombiano, o problema dos deslocados tende a diminuir com as vitórias militares sobre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e a desmobilização dos
paramilitares de direita.
"Ainda que a cifra pareça escandalosa, é preciso entender
que se trata de um problema
em evolução e que realmente é
um problema que está em vias
de se solucionar, pois o mais
importante fator de deslocamento tem sido a violência interna, especialmente os grupos
paramilitares e guerrilheiros",
disse à Folha no início do mês.
Os números oficiais, no entanto, mostram que o deslocamento interno tem se mantido
estável desde 2003, com uma
média anual de cerca de 200
mil pessoas. Restrepo afirma
que "a maioria dessas pessoas
deslocadas tem também o caráter de migrantes, ou seja, já
querem ficar nas cidades."
O funcionário do governo
Uribe diz que a atenção aos
deslocados é uma prioridade:
"Todos esses deslocados internos estão identificados, têm
um serviço de saúde e por isso
já estão havendo soluções específicas tanto produtivas como de moradia. Não estão em
barracos ou acampamentos,
como em outros países."
Colaborou JOHANNA CORTÉS
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