São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

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Mais de 3 milhões estão deslocados dentro da Colômbia

Refugiados dentro de seu próprio país, grupo é formado sobretudo por quem foge da guerrilha e dos paramilitares

Movimento cria favelas; Bogotá diz que solução do problema é iminente graças ao combate das milícias de direita e de esquerda

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SOACHA (COLÔMBIA)

Com a exceção do clima frio, a favela Altos de Cazucá, na região metropolitana de Bogotá, não destoa de uma típica favela brasileira: um imenso labirinto de vielas e barracos mal construídos que avança sobre morros onde não deveria morar ninguém. Mas a miséria aqui não se alimenta apenas da desigualdade. É fruto também do violento conflito colombiano, que, além de seqüestrados e mortos, produziu mais de 3 milhões de deslocados internos nas últimas duas décadas.
Dos cerca de 50 mil habitantes dessa crescente favela do município de Soacha, metade é composta por famílias que fugiram das áreas mais violentas do conflito que dura mais de quatro décadas. São, na maioria, pessoas ameaçadas pelo fogo cruzado em zonas rurais disputadas por mais de um grupo armado ilegal, sobretudo as guerrilhas de esquerda e paramilitares de direita.
Enquanto o motivo que leva essas famílias a migrar não for diferente, o Altos de Cazucá atrai por motivos semelhantes aos das favelas brasileiras: disponibilidade de terrenos a uma distância razoável de Bogotá.
E, como no país vizinho, a falta de regularização dos terrenos sob o crescente fluxo migratório limita a ação do Estado, gerando problemas de infra-estrutura, como esgoto e luz, e estimulando a aparição de um violento poder paralelo.
Em meados deste mês, a polícia prendeu 12 integrantes do bando "pistoleiros de Cazucá", ligado a paramilitares desmobilizados, a quem atribui mais de cem assassinatos em 2007, geralmente esmagando o crânio. Foram indiciados, entre outros crimes, por extorsão e deslocamento forçado -razões semelhantes às que levaram milhares de pessoas à favela.
"As pessoas não chegam a Soacha porque querem, mas porque a situação econômica as obriga. Não queríamos estar em Cazucá, mas não temos outra solução. Se vão para outro lado, as pessoas não têm como pagar os serviços, como água, luz", diz Cesar Plata, dirigente da MIGD (Mesa de Interlocução, Gestão e Desenvolvimento de Soacha), entidade que atua pelos deslocados da região.
Para Roberto Mignone, vice-representante na Colômbia do Acnur (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados), a violência nas grandes cidades colombianas -que atrai a maioria dos migrantes- acaba provocando o chamado "deslocamento intraurbano": "As pessoas chegam às cidades e não só inexistem oportunidades econômicas como há muita insegurança. Não é raro que tenham de ir para outro lugar."
Mignone, que é italiano, diz que as principais vítimas de deslocamento saem do campo para as grandes cidades, são camponeses e, sobretudo, indígenas e afro-colombianos, "que deveriam estar particularmente protegidos".
Os deslocados internos, diz, também são vítimas da impunidade, embora a Colômbia tenha uma "das leis mais avançadas do mundo". Ele cita um levantamento segundo o qual, desde 2005, houve 619 mil deslocados registrados, mas apenas 15 condenações pelo delito. Por outro lado, Mignone diz que o número de deslocados internos é maior do que os que procuram outro países (73 mil refugiados na América Latina, no ano passado) porque na Colômbia há um aparato estatal.
"O sistema de atenção à população é melhor do que muitos outros países", afirma. "Também, muito importante, é que na Colômbia, o agente de perseguição não é o Estado." Mais crítico, Plata, um ex-sindicalista rural que vive há dez anos em Bogotá e diz estar sob ameaça de morte, acusa o governo Álvaro Uribe de não ter uma política de "prevenção de deslocamento" e diz que a ajuda estatal é "assistencialista e limitada à ajuda humanitária de emergência. E essa ajuda, mas demora muito".

"Problema em evolução"
Para Luis Carlos Restrepo, alto comissário para a Paz do governo colombiano, o problema dos deslocados tende a diminuir com as vitórias militares sobre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e a desmobilização dos paramilitares de direita.
"Ainda que a cifra pareça escandalosa, é preciso entender que se trata de um problema em evolução e que realmente é um problema que está em vias de se solucionar, pois o mais importante fator de deslocamento tem sido a violência interna, especialmente os grupos paramilitares e guerrilheiros", disse à Folha no início do mês.
Os números oficiais, no entanto, mostram que o deslocamento interno tem se mantido estável desde 2003, com uma média anual de cerca de 200 mil pessoas. Restrepo afirma que "a maioria dessas pessoas deslocadas tem também o caráter de migrantes, ou seja, já querem ficar nas cidades."
O funcionário do governo Uribe diz que a atenção aos deslocados é uma prioridade: "Todos esses deslocados internos estão identificados, têm um serviço de saúde e por isso já estão havendo soluções específicas tanto produtivas como de moradia. Não estão em barracos ou acampamentos, como em outros países."


Colaborou JOHANNA CORTÉS


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