São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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Carta norteará diálogo com oposição, diz Evo

Líderes de Santa Cruz rejeitam texto aprovado em referendo; presidente boliviano diz que negociará aplicação da Constituição sem alterar teor

Votação do "sim" é inferior à que o governo esperava; dúvida agora é sobre como implementar texto, que exigirá leis complementares


Dado Galdieri/Associated Press
Boliviano lê em La Paz jornal com notícia sobre a vitória do "sim", pregado por Morales, no referendo constitucional de anteontem

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ

Com uma votação que a apuração parcial indicava estar abaixo do esperado no referendo de anteontem que aprovou a nova Constituição boliviana, o presidente Evo Morales rejeitou a revisão do texto, como quer a oposição localizada nos departamentos onde houve a vitória do "não".
"Ouvi dizer que querem fazer um novo pacto. O pacto é a nova Constituição aprovada pelo povo boliviano. Se querem um novo pacto, será um pacto para aplicar a nova Constituição", disse Morales, durante discurso pela manhã em Cochabamba, região central do país e seu berço político.
Morales admitiu que ainda não há consenso sobre como se fará a regulamentação da nova Carta, que precisa de cerca de cem leis complementares para ser aplicada, incluindo temas espinhosos como a autonomia departamental, o código eleitoral e o novo sistema judicial.
Segundo ele, a partir de hoje seu gabinete se reunirá para discutir a aplicação da Carta. "Agora a responsabilidade do governo é implantar a Constituição, e quero que saibam que amanhã [hoje] ministros, ministras, vice-ministros, vice-ministras estarão reunidos desde as 8h para planejar como implantá-la e como fazer uma gestão pública plurinacional."
Apesar de a vitória do "sim" estar consolidada, a nova Carta foi aprovada por cerca de 60% a 62% dos eleitores, segundo projeção do governo. Se essa porcentagem for confirmada, ficará abaixo da expectativa oficial: dias antes da eleição de domingo, Morales, que em agosto recebeu 67% em um referendo que o ratificou no cargo, disse que esperava um índice de aprovação de até 80%.
Com cerca de 69% dos votos apurados até ontem à noite, o "sim" vencia com 59,5% dos votos válidos, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). O "não" aparecia com 40,5%, mas com clara vantagem nos departamentos (Estados) de Santa Cruz (71%), Beni (70,5%), Pando (58,7%) e Tarija (57%), que juntos formam a região leste conhecida como "meia-lua", oposicionista.
A vitória local do "não" fez com que o governador de Santa Cruz, Ruben Costas, comemorasse o resultado em ato público na véspera. Diante de milhares de pessoas, o mandatário do departamento mais rico do país disse que não acatará a Carta.
"O "não" não pode ser negado pela soberba do governo. A nossa resistência será legal e pacífica. Se impuserem [a nova Constituição], encontrarão resistência", discursou Costas.
Em posição semelhante, o governador oposicionista de Tarija (sul), Mario Cossio, exortou o governo Morales a "construir acordos com a outra metade do país".

Justiça indígena
As diferentes leituras sobre o resultado da oposição devem tumultuar a regulamentação de temas urgentes como o novo código eleitoral, que precisa ser aprovado em tempo suficiente para a realização das eleições gerais, marcadas para o mês de dezembro.l
Outra regulamentação considerada urgente é a do Poder Judiciário, que se encontra parcialmente paralisado. O caso mais grave é o do Tribunal Constitucional, que não se reúne há cerca de dois anos por falta de juízes indicados. Mais de 3.500 recursos estão parados.
Pela nova Constituição, o sistema judicial fica dividido em três jurisdições: a ordinária, a agroambiental e a "indígena originária camponesa". Sua aplicação, porém, depende da regulamentação da Lei de Demarcação Jurisdicional.
No caso da jurisdição indígena, a Carta prevê que terá grau hierárquico igual à ordinária e será exercida "pelas suas próprias autoridades", que aplicarão "princípios, valores culturais, normas e procedimentos próprios". Já o seu escopo será nos âmbitos "pessoal, material e territorial".
Apenas os membros da nação ou povo indígena estarão sujeitos a essa jurisdição, cuja decisão deverá ser acatada por "toda autoridade pública e todo indivíduo".
A outra novidade da Carta para o Judiciário é a criação da jurisdição agroambiental, que cuidará de casos envolvendo disputas agrárias e terá de organizar tribunais específicos. Sua implementação também precisará da aprovação de uma lei específica.


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