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Comércio tenta sobreviver sob economia arruinada de Gaza
Comerciantes relatam queda de até 98% dos lucros sob 18 meses de bloqueio israelense
Estimativa mais moderada coloca desemprego em 50% antes da ofensiva de Israel;
produção para sem matéria-prima, e preços disparam
RAPHAEL GOMIDE
ENVIADO ESPECIAL À FAIXA DE GAZA
Nabil Shurafa se levanta cedo, veste camisa social, paletó e
gravata e abre a agência de turismo da família, no centro de
Gaza, às 9h em ponto. Só que
Nabil não tem clientes. Com o
bloqueio econômico e as restrições ao repasse de impostos
por Israel ao território em junho de 2007, após o Hamas
romper com o Fatah e assumir
o controle da área, ninguém
mais viaja. Seu lucro caiu para
2% do que ganhava antes. Os
clientes eventuais são poucos, a
maioria da Cisjordânia.
A história de Nabil se repete
para muitos comerciantes da
faixa de Gaza, principalmente
os de produtos importados, impedidos de entrar em Gaza, ou
de bens que não sejam de primeira necessidade.
Vão para o trabalho, mas não
têm o que fazer, numa rotina
que já dura 18 meses, desde o
início do bloqueio que quebrou
a economia de Gaza, elevou o
desemprego e fez o número de
pessoas que dependem de ajuda humanitária subir a 80% da
população de 1,5 milhão.
O comerciante de tapetes
Adel Jamal passou de 50 para 3
vendas ao mês. Dos 15 empregados de Zurer Abed na marcenaria que exportava para Israel
e Cisjordânia, não restou nenhum. A matéria-prima, o jacarandá, vinha do Brasil, mas as
importações, como as exportações, estão proibidas.
Era de um outro tipo de jacarandá, granito, mas igualmente
"Made in Brazil"-revela o selo-, que Falah El Elkhlili, 35,
dependia para seu negócio de
15 anos prosperar. Nos 18 meses de bloqueio, o estoque acabou, e os dez funcionários engrossaram as estatísticas de
cerca de 50% de desempregados, segundo relatório de rede
de entidades que inclui a Anistia Internacional e a Oxfam, de
março de 2008 -a Rede Palestina de ONGs estima em 70%,
antes da ofensiva de 22 dias de
Israel contra o território.
Segundo o documento, 95%
das indústrias de Gaza tinham
as atividades suspensas então.
Boa parte do parque industrial
foi destruído agora pelos ataques israelenses, o que deve
piorar a situação para o futuro.
Outros 24 mil palestinos que
trabalhavam em Israel em
2000 perderam os empregos.
"Não posso fechar, tenho de
abrir todo dia, continuar em
Gaza, resistir. Ficar e esperar.
Quando abrir, lucro por três
anos, para esperar outros anos
de bloqueio", diz Nabil, cuja família fundou a primeira agência de turismo de Gaza, em
1952. Para ele, nas atuais condições, "Gaza não parece uma
prisão, é uma prisão, de fato".
Com o bloqueio, energia e
água são racionadas, pois Israel
proíbe a importação de peças
de eletricidade e tubulações.
Inflação
"Perdi tudo o que fiz na vida,
tenho de começar tudo de novo. Há dois anos, vivo do que ganhei antes. Meus empregados
pediam dinheiro para viver.
Enquanto eu tinha, dava. Agora
acabou", diz o marceneiro
Abed, 35, gesticulando muito,
no galpão semivazio, com o teto
de zinco permeado de buracos
de tiros recentes. Um disparo
furou a cabeceira da cama.
A tradição palestina é de
união familiar nos negócios.
Portanto, de cada comércio dependem vários irmãos.
O bloqueio -imposto por Israel para enfraquecer o Hamas,
ao qual considera terrorista-
inclui alimentos e medicamentos. Palestinos relatam que a situação piorou nos últimos seis
meses. Espremida em um território costeiro de 360 km2, a terra na faixa de Gaza é insuficiente para abastecer a população.
A escassez de produtos fez os
preços de comida dispararem.
A alternativa encontrada foi o
contrabando por túneis subterrâneos ligados ao Egito, que
geram sobrepreços de até quatro vezes. O quilo de banana no
mercado ontem custava US$ 3,
e o de maçã, US$ 5. Um pacote
de cigarros contrabandeado sai
por US$ 3. Tudo caro demais
para o morador de Gaza sem
trabalho.
No hotel Commodore, onde
a reportagem está, não há nem
sequer cardápio. "É que o menu não é muito grande: temos
frango assado e frango frito,
ambos com salada", explica o
garçom. Comunista, recebeu
convite do PC do B para visitar
o Brasil, mas não irá por causa
das fronteiras fechadas.
Para a rede internacional de
ONGs, "o bloqueio efetivamente desmantelou a economia e
empobreceu a população de
Gaza. A política de Israel afeta
a população civil indiscriminadamente e constitui punição
coletiva a homens, mulheres e
crianças comuns. As medidas
contrariam a lei humanitária
internacional".
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