São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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Comércio tenta sobreviver sob economia arruinada de Gaza

Comerciantes relatam queda de até 98% dos lucros sob 18 meses de bloqueio israelense

Estimativa mais moderada coloca desemprego em 50% antes da ofensiva de Israel; produção para sem matéria-prima, e preços disparam


RAPHAEL GOMIDE
ENVIADO ESPECIAL À FAIXA DE GAZA

Nabil Shurafa se levanta cedo, veste camisa social, paletó e gravata e abre a agência de turismo da família, no centro de Gaza, às 9h em ponto. Só que Nabil não tem clientes. Com o bloqueio econômico e as restrições ao repasse de impostos por Israel ao território em junho de 2007, após o Hamas romper com o Fatah e assumir o controle da área, ninguém mais viaja. Seu lucro caiu para 2% do que ganhava antes. Os clientes eventuais são poucos, a maioria da Cisjordânia.
A história de Nabil se repete para muitos comerciantes da faixa de Gaza, principalmente os de produtos importados, impedidos de entrar em Gaza, ou de bens que não sejam de primeira necessidade.
Vão para o trabalho, mas não têm o que fazer, numa rotina que já dura 18 meses, desde o início do bloqueio que quebrou a economia de Gaza, elevou o desemprego e fez o número de pessoas que dependem de ajuda humanitária subir a 80% da população de 1,5 milhão.
O comerciante de tapetes Adel Jamal passou de 50 para 3 vendas ao mês. Dos 15 empregados de Zurer Abed na marcenaria que exportava para Israel e Cisjordânia, não restou nenhum. A matéria-prima, o jacarandá, vinha do Brasil, mas as importações, como as exportações, estão proibidas.
Era de um outro tipo de jacarandá, granito, mas igualmente "Made in Brazil"-revela o selo-, que Falah El Elkhlili, 35, dependia para seu negócio de 15 anos prosperar. Nos 18 meses de bloqueio, o estoque acabou, e os dez funcionários engrossaram as estatísticas de cerca de 50% de desempregados, segundo relatório de rede de entidades que inclui a Anistia Internacional e a Oxfam, de março de 2008 -a Rede Palestina de ONGs estima em 70%, antes da ofensiva de 22 dias de Israel contra o território.
Segundo o documento, 95% das indústrias de Gaza tinham as atividades suspensas então. Boa parte do parque industrial foi destruído agora pelos ataques israelenses, o que deve piorar a situação para o futuro. Outros 24 mil palestinos que trabalhavam em Israel em 2000 perderam os empregos.
"Não posso fechar, tenho de abrir todo dia, continuar em Gaza, resistir. Ficar e esperar. Quando abrir, lucro por três anos, para esperar outros anos de bloqueio", diz Nabil, cuja família fundou a primeira agência de turismo de Gaza, em 1952. Para ele, nas atuais condições, "Gaza não parece uma prisão, é uma prisão, de fato".
Com o bloqueio, energia e água são racionadas, pois Israel proíbe a importação de peças de eletricidade e tubulações.

Inflação
"Perdi tudo o que fiz na vida, tenho de começar tudo de novo. Há dois anos, vivo do que ganhei antes. Meus empregados pediam dinheiro para viver. Enquanto eu tinha, dava. Agora acabou", diz o marceneiro Abed, 35, gesticulando muito, no galpão semivazio, com o teto de zinco permeado de buracos de tiros recentes. Um disparo furou a cabeceira da cama.
A tradição palestina é de união familiar nos negócios. Portanto, de cada comércio dependem vários irmãos.
O bloqueio -imposto por Israel para enfraquecer o Hamas, ao qual considera terrorista- inclui alimentos e medicamentos. Palestinos relatam que a situação piorou nos últimos seis meses. Espremida em um território costeiro de 360 km2, a terra na faixa de Gaza é insuficiente para abastecer a população.
A escassez de produtos fez os preços de comida dispararem. A alternativa encontrada foi o contrabando por túneis subterrâneos ligados ao Egito, que geram sobrepreços de até quatro vezes. O quilo de banana no mercado ontem custava US$ 3, e o de maçã, US$ 5. Um pacote de cigarros contrabandeado sai por US$ 3. Tudo caro demais para o morador de Gaza sem trabalho.
No hotel Commodore, onde a reportagem está, não há nem sequer cardápio. "É que o menu não é muito grande: temos frango assado e frango frito, ambos com salada", explica o garçom. Comunista, recebeu convite do PC do B para visitar o Brasil, mas não irá por causa das fronteiras fechadas.
Para a rede internacional de ONGs, "o bloqueio efetivamente desmantelou a economia e empobreceu a população de Gaza. A política de Israel afeta a população civil indiscriminadamente e constitui punição coletiva a homens, mulheres e crianças comuns. As medidas contrariam a lei humanitária internacional".


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