São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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CARIBE

Missão da ONU, enviada logo após a queda de Aristide, não garante segurança; condições para eleição são precárias

Um ano depois, Haiti amarga incertezas

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

Kent Gilbert - 24.fev.2005/Associated Press
Grupo de partidários de Jean-Bertand Aristide grita para que brasileiros em missão de paz da ONU saiam do país e pede a volta do ex-presidente em Porto Príncipe


Há um ano, todos os 3.000 presos das penitenciárias haitianas ganharam as ruas em meio ao caos espalhado pelo país durante a última semana do então presidente Jean-Bertrand Aristide. Oito dias atrás, apesar da presença dos quase 8.000 militares e policiais das forças da ONU, uma invasão na Penitenciária Nacional, na capital Porto Príncipe, proporcionou a fuga de 481 presos, o equivalente a 20% da população carcerária haitiana.
A fuga em massa expôs a fragilidade da área considerada como a que mais avançou nos últimos meses -a da segurança pública- e traz dúvidas sobre as condições nas quais os haitianos irão às urnas no final deste ano e, eleito o novo governo, se o Haiti conseguirá romper o ciclo de governos autoritários, de intervenções estrangeiras e, sobretudo, da miséria extrema.
Localizado no centro de Porto Príncipe, o maior presídio do país é um símbolo da falência institucional do país. Dos 1.257 detidos que havia ali antes da fuga, apenas 14 haviam sido condenados. A fuga também evidenciou a fragilidade da polícia. "Você pode botar todo o Exército americano em volta do presídio que, se envolver conivência policial, eles vão fugir", disse à Folha o general Augusto Heleno Pereira, comandante militar da Minustah (Missão de Estabilização da ONU no Haiti).
Há também relatos de que menores de idade estejam presos lá dentro. No domingo passado, o artesão Pierre Beausejour, 42, pedia de joelhos informações sobre dois filhos que estariam detidos: Chloé, 21, e Michel, 17.
Mas os presos mais visíveis da penitenciária são o ex-premiê Yvon Neptune e o ex-ministro do Interior Joséleme Privert, acusados de comandar a repressão no governo Aristide. Eles estão presos há dez meses, mas até agora não foram julgados.
"O meu marido se considera um preso político da comunidade internacional", disse à Folha Jinette Privert, 45. Carregando uma sacola com uma marmita, esperava a chance de entregá-la ao marido, como faz diariamente. Era a única bem vestida entre as dezenas de familiares, a maioria mulheres, diante do prédio.
"É evidente que, enquanto não forem comprovados os crimes, eles são presos políticos", afirma Ricardo Seitenfus, que, no final do ano passado, esteve durante um mês no país como enviado do governo brasileiro para a equipe de consultores políticos do chefe diplomático da ONU no Haiti, Juan Gabriel Valdés.

Bel Air, Cité Soleil
Palco de conflitos sangrentos em outubro que deixaram mais de 200 de mortos, as favelas mais famosas da capital haitiana estão mais seguras, segundo a brigada brasileira, responsável pela segurança da maior parte da cidade, mas ainda oferecem perigo. Nos dois últimos dias quatro soldados brasileiros ficaram feridos ao acompanhar a polícia em Bel Air. Nenhum corre risco de morte.
"Mas não matamos ninguém até agora", afirma o general João Carlos Vilela Morgero, comandante da brigada brasileira. Há quem duvide. "Eles usam armamento de calibre grosso em missões às 4h da manhã. É difícil usar tanto poder sem vítimas civis", diz Patrick Elie, ex-membro do gabinete de Aristide. Mas ele faz uma ressalva: "Todo mundo sabe a diferença entre o marine americano e o militar brasileiro".
No fim de semana passado, a reportagem da Folha acompanhou uma patrulha brasileira em Bel Air. Em meio às pilhas de lixo, havia uma intensa movimentação de ambulantes, mulheres transportando água em baldes na cabeça e outras pessoas perambulando, sem motivo aparente.
Em outubro, o cenário era diferente: durante a revolta supostamente promovida por partidários de Aristide, o comércio e as escolas permaneceram fechadas.
"Graças aos brasileiros, estamos abertos", disse a irmã Renné, diretora da escola Notre Dame, que tem 700 alunos. "Em outubro, não saíamos de casa."


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