São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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ÁSIA

Ator que passou 25 anos como guerreiro implacável vira febre com show de "samba"

Samurai machão se revela dançarino e choca o Japão

NORIMITSU ONISHI
DO ""NEW YORK TIMES", EM OSAKA

Seria como se os americanos acordassem um belo dia e descobrissem John Wayne transformado no caubói do Village People.
Durante 25 anos, Ken Matsudaira atuou num seriado de TV japonês intitulado ""O Xogum Violento", no papel de um samurai do século 18 que encarnava o ideal japonês de masculinidade: forte, abnegado, indiferente às mulheres e ao dinheiro, sempre pronto para fazer justiça com sua espada e a ordem ""punir!".
O ator acabou sendo tão estreitamente identificado com esse herói da cultura popular que foi um choque para os japoneses quando, há pouco tempo, veio à tona que, há dez anos, e quase às escondidas, Matsudaira vem dançando samba num palco, usando quimonos brilhantes, dourados e roxos, lançando gritos animalescos e rebolando. Cercado de dançarinas e ao lado de uma bola de discoteca, ele dizia aos fãs que, nos tempos sombrios em que o país vivia, a única saída era sambar, e cantava: ""Samba! Viva! Samba! Matsuken Samba! Olé!"
A metamorfose de Matsudaira, 51, no samurai cantante de seu show, ""Matsuken Samba 1", que lembra teatro de revista, fez sucesso enorme num país em que a imagem idealizada da masculinidade japonesa vem se modificando drasticamente nos últimos anos, tanto na cultura popular quanto no mundo real, passando de dura para algo mais brando.
Depois de roubar a cena num show de véspera de Ano Novo que foi exibido em todo país e de ver sua canção-tema subindo para o terceiro lugar nas paradas de sucesso, Matsudaira recentemente fez em Osaka a primeira de 30 apresentações programadas para este ano de seu novo espetáculo, ""Matsuken Samba 2".
Além das características do espetáculo, parte de seu apelo consiste na transformação radical pela qual passa Matsudaira, fato que o próprio ator reconheceu. ""As pessoas talvez se interessem pelo show porque pensam: "Aqui também há um tipo de samurai -um samurai que canta e dança"."
Em seu seriado de TV, que ficou no ar entre 1978 e 2003, Matsudaira representou o oitavo xogum do xogunato Tokugawa, Yoshimune Tokugawa. Yoshimune era conhecido como reformista, alguém que, fiel ao espírito do código guerreiro japonês, rejeitava a vida extravagante. Interessado em conhecer os problemas do povo, Yoshimune recebia queixas e sugestões deixadas numa caixa de correio colocada em um dos portões do castelo Edo, em Tóquio.
Na TV, o xogum representado por Matsudaira lê as cartas e, em cada episódio, assume uma identidade diferente para poder se misturar às pessoas. Ele ajuda os cidadãos comuns a combater autoridades corruptas. Cada episódio chega ao clímax quando o xogum revela sua identidade real às autoridades malvadas e, sozinho, dizima toda uma falange de guarda-costas com sua espada.
O mundo mostrado em ""O Xogum Violento" é preto-e-branco, um lugar onde as pessoas são boas ou más, onde homens e mulheres têm características claramente definidas. O samurai de Matsudaira é forte e gentil com os fracos. As mulheres se apaixonam por ele, mas ele, guerreiro estóico, não demonstra interesse por elas. Os episódios começam com a imagem que passou a definir Matsudaira: de vestes simples e o topete dos samurais, com a espada pendurada a seu lado, sentado sobre um cavalo branco.
De acordo com o sociólogo Kimio Ito, a imagem condizia com a idéia japonesa de virilidade do pós-guerra. Mas, nas últimas duas décadas, esse ideal começou a mudar, acompanhando a popularidade dos tipos masculinos mais sensíveis ou engraçados.
No mundo real, à medida que a geração de homens de negócios usando ternos foi dando espaço a homens japoneses que se preocupam com suas roupas, usam cosméticos e, de modo geral, são vistos como femininos, a popularidade do ""Matsuken Samba" talvez não surpreenda.
Como serviço para seus fãs, Matsudaira começou a apresentar os espetáculos ""Matsuken Samba" em teatros de todo o país, em sessões vespertinas vistas sobretudo por donas-de-casa. A primeira metade do show era composta por dramas de samurais, mas a segunda trazia números de canto e dança. Às vezes Matsudaira vestia smoking e dançava sapateado. Mas os números mais bem cotados o traziam em quimonos coloridos, dançando ritmos latinos como ""Matsuken Mambo".
Os shows acabaram conquistando adeptos entre a subcultura gay japonesa, disse o escritor e professor de sociologia Noriaki Fushimi, da Universidade Meiji Gakuin, ele próprio gay. A imagem de ""Matsuken" (como Matsudaira é apelidado) teve destaque em festivais gays realizados no ano passado em Sapporo, no norte do país, e Shinjuku 2-chome, o distrito gay de Tóquio.
""A imagem original de Matsuken era de samurai, uma imagem viril", disse Fushimi. ""Houve um impacto enorme quando alguém com uma imagem desse tipo absorveu uma espécie de feminilidade."


Tradução de Clara Allain


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