São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

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Obama propõe Orçamento
"Robin Hood"

Déficit previsto para 2010 é o maior desde a 2ª Guerra; ricos pagarão mais impostos, e programa de saúde pública será beneficiado

Democrata promove revisão radical de gastos para tentar conter crise econômica e implementar parte de suas promessas de campanha

Chip Somodevilla/Getty Images/France Presse
Obama explica o orçamento para 2010 ao lado do vice, Joe Biden (à dir.) e dos membros de sua equipe econômica Rob Nabors, Lawrence Summers e Cristina Romer

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Na guinada de prioridades para o dinheiro público mais radical das últimas décadas, o presidente Barack Obama apresentou ontem sua proposta de Orçamento para o ano fiscal de 2010 nos EUA, na qual os mais ricos pagarão mais impostos para ajudar na criação de um fundo de saúde pública de acesso universal, a verba com a diplomacia aumentará e o gasto com a Defesa desacelerará.
Além disso, o democrata propõe taxar empresas poluidoras e usar o dinheiro para investir em energia limpa, diminuir os subsídios dados a agricultores e aumentar os da educação. No caminho, aumentará o déficit e comprará briga com os mais poderosos grupos de interesse dos EUA, numa batalha que promete durar meses.
Para já, no ano fiscal de 2009, que se encerra em setembro, o democrata pede autorização para um déficit público de US$ 1,75 trilhão, ou 12,3% do PIB. É o maior desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e o triplo do recorde anterior, no último ano de Bush. Com isso, a diferença entre o que o governo dos EUA arrecadará e o que ele gastará será o equivalente a pouco mais que o PIB do Brasil.
Para 2010, o novo governo pede um gasto total de US$ 3,55 trilhões, o que dá US$ 584 por habitante da Terra, ou 2,8 salários mínimos brasileiros. Os valores são todos superlativos no que analistas chamaram de "Orçamento Robin Hood", por financiar os gastos previstos para as camadas menos favorecidas da população por meio da cobrança maior de impostos do alto da pirâmide social.

Reformas vs. crise
Num gesto ousado, o presidente usa o poder da caneta para implantar sua agenda reformista e faz isso sob as nuvens da pior crise econômica desde os anos 30. "Há momentos em que você pode se dar ao luxo de redecorar sua casa e há momentos em que você tem de se concentrar em reconstruir sua fundação", disse Obama, ao anunciar a proposta, ontem. "Hoje, nós temos de nos concentrar nas fundações."
Assim, cerca de 2,6 milhões de americanos mais ricos e empresas que contaram com incentivos fiscais durante os anos Bush -como a indústria do petróleo, as financeiras e multinacionais com sede no país- pagarão US$ 2 trilhões a mais de imposto nos próximos dez anos. Do total, cerca de 60% serão destinados à reforma do sistema de saúde no período.
Casais que ganham mais de US$ 250 mil por ano e indivíduos que ganham mais de US$ 200 mil por ano -ou 5% da população- pagarão mais, no primeiro aumento dessa fatia desde que o democrata Bill Clinton assumiu o poder, em 1993. Idem para fazendeiros com mais de US$ 500 mil de faturamento anual. "É um repúdio claro à política de Bush", disse Peter Morici, economista da Universidade de Maryland, à agência Bloomberg. "É mais de Obama Robin Hood."
Entre os itens da proposta de 2010, que tem 134 páginas, estão subsídios a estudantes de terceiro grau e a intenção de baratear remédios. Nesse último campo, o governo promete, sem dar detalhes, coibir prática da indústria farmacêutica americana de dificultar a chegada de genéricos ao mercado e fortalecer plano da agência reguladora do setor de permitir a compra de equivalentes mais baratos no exterior.
Nada disso será fácil. Da apresentação ao Congresso até a assinatura da lei, sete meses se passarão em pelo menos 27 processos legislativos relacionadas a discussão, mudanças e aprovação do Orçamento. Pelo conteúdo, Obama enfrentará não só a oposição republicana como também conservadores fiscais de seu próprio partido, a poderosa bancada ruralista e lobbies que vão da indústria farmacêutica à de armamentos.
A gritaria começou minutos depois de o plano vir a público. Uma das acusações mais suaves foi a de que Obama usava o recurso para promover luta de classes. "Não é só errado como perigoso aumentar impostos sobre pequenos empresários e famílias que não têm condições de pagar mais", disse Eric Cantor, líder da bancada republicana na Câmara, para quem Obama está brincando com "dinheiro imaginário".
O presidente se defende dizendo que herdou de Bush US$ 1,2 trilhão do US$ 1,75 trilhão do déficit proposto para 2009 e que a diferença veio da ajuda ao sistema bancário e do pacote de estímulo à economia, ambos aprovados pelo Congresso.
Já seu diretor de Orçamento, Peter Orszag, pinta um cenário róseo para o futuro: no fim do primeiro mandato de Obama, em 2013, o déficit terá caído para US$ 533 bilhões, o que equivalerá então a 3% do PIB.
Ele esquece de dizer que para isso acontecer, no entanto, a Casa Branca espera que o país cresça a 3,8% ao ano em média, o que não aconteceu nem mesmo sob Bush e antes da crise.


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