São Paulo, domingo, 27 de março de 2011

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"Intervenção na Líbia será de longo prazo"

Embaixador dos EUA na Otan durante governo Clinton vê como entrave falta de consenso sobre limite da ação

Analista compara caso líbio com o de Kosovo e afirma que um eventual cenário sem Gaddafi não será pior que o atual


ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Não adianta a Otan (aliança militar ocidental) dizer que sua intervenção na Líbia vai durar algumas semanas.
A esta altura, o envolvimento externo com o país vai perdurar por anos, afirma Robert Hunter, ex-embaixador dos EUA no órgão.
Segundo Hunter, que serviu na Otan de 1993 a 1998, durante o governo Bill Clinton (1993-2001), e é analista sênior do "think tank" Rand, o problema é que até agora "nenhum dos países envolvidos na Líbia foi capaz de definir até onde estão dispostos a ir". Leia a entrevista à Folha.

 

Folha - O que a intervenção na Líbia e a dificuldade de estabelecer o comando dizem sobre a identidade da Otan?
Robert Hunter -
Toda vez que faz algo diferente, a aliança aumenta suas possibilidades de ação no futuro. A atuação no norte da África, em circunstâncias como as atuais, com razões mais humanitárias, vai além de sua experiência até agora. Estende a gama de regiões nas quais a Otan está disposta a considerar como válidas para atuar militarmente.
É similar ao que fizeram na Bósnia e em Kosovo, mas esses eram do lado "de cá" do Mediterrâneo, claramente na beirada da Europa. Desta vez há um mar inteiro no meio.
Sobre a dificuldade em estabelecer o comando, primeiro é preciso lembrar que a Otan é formada de indivíduos [países] sui generis.
Há vários fatores: 1) Não houve um ataque direto a nenhum país-membro; 2) não estava claro que haveria impacto estratégico e político caso não se fizesse nada; 3) há diferenças em como a situação afeta cada país; 4) a missão é limitada e não está claramente definida.

Por que há tanta dificuldade em fixar um objetivo claro?
Porque até agora todos os países envolvidos foram incapazes de definir até onde estão dispostos a ir. E não há entendimento sobre o que querem para o futuro de Gaddafi, que é a grande pergunta. Estão, portanto, lidando com uma resposta parcial.
Os EUA não exigem um mandato da ONU para agir, mas os demais sim, e isso resultou em uma definição muito estreita da missão, que ficou sendo "como proteger civis" e não "como ajudar rebeldes a vencer" ou "como impor um cessar-fogo" ou ainda "como nos livrar de Gaddafi".
A limitação veio muito em razão da oposição da Turquia, que não quer ser parte de uma operação que vai matar muçulmanos, de propósito ou por acidente.

O quanto passar o comando dos EUA para a Otan realmente tira a operação das mãos dos americanos?
Claro que os EUA têm muita influência na Otan. Os dois maiores comandantes militares são americanos, assim como o líder do comando africano.
Mas precisávamos fazer isso porque os EUA têm uma reputação muito ruim entre os países árabes e para evitar que o Congresso diga que estamos, mais uma vez, indo ao resgate de gente que não tem nada a ver conosco.
Parte da decisão é para dar uma satisfação para o público americano.

A Otan já começou a discutir a ampliação da missão. O que isso significaria?
Em primeiro lugar, estão discutindo o que além da zona de exclusão aérea é necessário para cumprir o mandato da ONU de proteger civis. Mas pode ser também que estejam discutindo um mandato estendido de ação.

Dá para escapar da palavra "mudança de regime"?
Não sei de ninguém fora do círculo de Gaddafi que ficaria infeliz com uma mudança de regime na Líbia. Não significa que querem ajudar a derrubá-lo, mas gostariam de vê-lo fora.

Mas o que vem depois? As últimas operações da Otan com mudança de regime não são exatamente sucessos.
Eu diria que não foi a Otan, por exemplo, que derrubou [o presidente sérvio Slobodan] Milosevic. Aconteceu em parte pelo que ele fez com seu próprio povo [limpeza étnica]. Mas eu acho que ainda que nem a Bósnia-Herzegóvina nem Kosovo estejam exatamente prosperando, é melhor do que uma matança.
No caso da Líbia, não sabemos o que vai ocorrer, mas dificilmente haverá um cenário pior [do que o atual], e poderá ficar melhor.
Em outras palavras, terceiros países terão um grande envolvimento na Líbia por anos a fio, não importa o que aconteça. Não é coisa de semanas. Não serão anos de batalha, mas teremos de trabalhar para fazer com que o país seja bem-sucedido.
De toda forma, o ponto em que poderíamos deixar [a Líbia] de lado passou quando Gaddafi começou a atacar seu povo.


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