São Paulo, domingo, 27 de março de 2011

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DEPOIMENTO

Cenário depois do terremoto é digno de um filme de guerra

MARI HIRATA
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM TÓQUIO

Ontem ganhei uma senha no supermercado para poder comprar leite, água e ovos. Fiz fila às 10h (quando abre o supermercado), com mais 30 pessoas do bairro.
Não é uma cena de um filme de guerra nem estamos em um vilarejo da ex-União Soviética. Estamos no mês de março de 2011 em uma das cidades mais modernas do mundo: Tóquio!
Enquanto esperava minha vez, conversamos, rimos e aguardamos pacientemente. Não ouvi reclamações dos cortes diários de luz, nem da falta de gasolina, e ninguém falou mal da companhia elétrica Tepco, que administra as usinas em Fukushima. E nem sequer comentaram sobre aquela fila, que seria surrealista há duas semanas!
Naquele 11 de março, enquanto dava aulas, senti o maior terremoto de toda a minha vida aqui no Japão.
Mas já estava acostumada.
Fazemos mecanicamente vários gestos, como ficar longe das janelas, agachar, entrar embaixo de uma mesa e ligar a TV. Mas esse terremoto, além de mais forte, era extremamente longo.
A primeira coisa em que se pensa é na família, mas mais 120 milhões de japoneses pensam o mesmo -logo não tem celular que funcione, e já há fila nos telefones públicos. E, depois de telefonar, é querer voltar para casa, pouco importa se são mais de 12 km e o metrô não funciona.
Parecia filme mudo: quanto mais me aproximava dos bairros, o número de pedestres aumentava e o trânsito ficava completamente parado, mas não se ouvia o som de uma buzina. Todos calmamente, quase em fila, andando em direção às suas casas.
Nessas duas semanas, muita coisa ocorreu, as notícias tristes se sucederam e muitas dúvidas surgiram.
Para aumentar nosso medo, havia uma defasagem muito grande entre a mídia japonesa e a internacional.
Precisava ser muito japonês para não pegar o primeiro avião e fugir daqui. Mas em Tóquio estava tudo como sempre: as lojas abertas, o metrô funcionando e todos indo trabalhar.
Pela TV, religiosamente uma vez por dia, nosso novo herói, Yukio Edano (porta-voz do governo), fala sem ler (coisa inédita) os números e os fatos do dia e responde calma e exaustivamente às perguntas dos jornalistas.
E é mais uma noite em que vamos dormir um pouco mais tranquilos, mesmo sabendo que leite, água e algumas verduras estão contaminados pela radiação, mesmo sabendo que as mortes podem chegar a mais de 25 mil.
De onde vem essa força para retomar a vida, encarar esses contratempos e ainda conseguir sorrir e dizer bom dia ao vizinho enquanto se faz fila para comprar água?
E, nessa mesma fila ontem, o que todos não paravam de admirar e comentar era uma árvore de sakura (cerejeira) precoce, toda florida, diante do supermercado!

A chef brasileira MARI HIRATA é radicada no Japão


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