São Paulo, sexta-feira, 27 de abril de 2007

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Putin sobe o tom e ameaça romper acordo

Presidente russo congela adesão a tratado de armas assinado no fim da Guerra Fria em retaliação a escudo antimísseis dos EUA

Em novo ataque a Ocidente, Putin critica interferência externa; preocupação do Kremlin com sistema de defesa é "ridícula", diz Rice

DA REDAÇÃO

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, usou ontem o seu último discurso anual sobre o estado da nação para subir o tom contra o Ocidente e o avanço militar dos Estados Unidos na esfera de influência da antiga União Soviética.
Diante do Congresso russo, o presidente repetiu os recentes ataques de seu governo ao Ocidente -que acusou de interferência ao "estilo colonial" nos assuntos domésticos da Rússia-, mas foi um passo além da retórica: Putin ameaçou suspender o cumprimento do Tratado sobre Forças Convencionais na Europa (CFE, na sigla em inglês), um marco da segurança no continente.
O secretário-geral da Otan (aliança militar do Ocidente), Jaap de Hoop Scheffer, disse que o anúncio de Putin causa "grave preocupação".
A ameaça foi o destaque de um discurso em tom de despedida, no qual Putin descartou um terceiro mandato, mas frustrou os que esperavam que apontasse um preferido para sua sucessão, nas eleições presidenciais de janeiro.
Vetada pela Constituição, a possibilidade de um terceiro mandato consecutivo chegou a ser sugerida a Putin no mês passado pelo presidente do Senado russo. Observadores políticos especulam que o presidente ainda não descartou totalmente a idéia de uma emenda na legislação para ficar no poder mais quatro anos.

Testamento prematuro
"O próximo discurso sobre o estado da nação será feito por outro chefe de Estado", disse Putin, antes de dar sua explicação para não nomear um sucessor, arrancando gargalhadas e deixando no ar que não pretende sair de cena. "É cedo para eu fazer um testamento político."
Ao anunciar que pretende decretar uma moratória no acordo de armas, Putin acentua a crescente irritação da Rússia com o escudo antimísseis que os Estados Unidos pretendem estender ao território europeu. No começo do ano, o governo americano anunciou a intenção de instalar parte do sistema de defesa na República Tcheca e na Polônia, para proteger-se de ataques de países como o Irã.
Em Oslo (Noruega) para uma reunião da Otan com a chancelaria russa, a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, voltou a negar que o escudo antimísseis seja contra a Rússia e afirmou esperar que o Kremlin honre seus compromissos.
"Sejamos realistas: a idéia de que dez interceptadores e uns poucos radares no Leste Europeu vão ameaçar a estratégia de defesa soviética é simplesmente ridícula", disse Rice, num ato falho -o uso do adjetivo "soviética"- que pode ter sido inspirado por sua antiga especialidade no país inimigo dos EUA durante a Guerra Fria.
Pouco depois, a Otan confirmou que o chanceler russo comunicou oficialmente que congelará sua adesão ao CFE.
Putin não especificou o que quis dizer com "moratória", mas sugeriu que a Rússia poderá deixar o tratado se não houver um resultado satisfatório nas negociações entre a Otan e a Rússia. ""Está mais que na hora de nossos parceiros provarem seu comprometimento com a redução de armas", disse.
O comentário arrancou as palmas mais efusivas dos 70 minutos de discurso, em um Congresso dominado por aliados do Kremlin. Assinado em 1990 para limitar e realocar as armas pesadas convencionais na Europa, o CFE sofreu uma revisão em 1999 para refletir as mudanças causadas pela desintegração da União Soviética.
A nova versão foi ratificada pela Rússia, mas EUA e outros membros da Otan se recusaram a fazer o mesmo até que Moscou retire suas tropas da Geórgia e de Moldova.
Além de dar o troco aos EUA pelo controvertido escudo antimísseis, a disposição de abandonar o CFE reflete as frustrações do governo russo com os acordos negociados pelo Kremlin nos anos 90, quando o país ainda ressentia-se do colapso soviético e estava fragilizado demais para impor-se diante dos inimigos da Guerra Fria.
Embora o anúncio de Putin seja ainda parte da inflamada retórica anti-Ocidente que ele vem repetindo desde o discurso que fez em fevereiro, atacando o expansionismo militar americano, o gesto é carregado de simbolismo. Firmado entre a Otan e o antigo Pacto de Varsóvia, a aliança militar comunista, o tratado praticamente estabeleceu uma nova ordem de defesa no continente, marcando o fim da Guerra Fria.


Com agências internacionais


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