São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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Vizinhos rejeitam escudo antimíssil

Habitantes da pequena cidade tcheca Mnisek pod Brdy não querem que EUA instalem radar ali perto

"A grande maioria é contra. Mas eu sei que nós somos peças pequenas do jogo. A decisão será em Praga", diz subprefeito do município


MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A MNISEK POD BRDY

Se é verdade que há uma nova Guerra Fria em gestação, uma de suas fronteiras é uma pequena e sonolenta cidade de nome quase impronunciável, a 30 km da capital tcheca. De qualquer ponto de Mnisek pod Brdy é possível ver as montanhas onde os Estados Unidos pretendem instalar uma base de radares de seu sistema antimísseis, um projeto que elevou as tensões com a Rússia a níveis que não se viam desde a época da Cortina de Ferro.
A idéia não é impopular só no Kremlin. Pesquisas de opinião mostram que dois terços dos tchecos a desaprovam. Os protestos em Praga são freqüentes. Em Mnisek pod Brdy, uma das cidades mais próximas de onde a polêmica base dos EUA será construída, não é diferente.
"A grande maioria é contra", confirma o subprefeito da cidade, Vlastimil Kozisek, que se divide entre o trabalho na prefeitura, onde bate ponto três vezes por semana, e a pequena fábrica de produtos plásticos que abriu após a Revolução de Veludo, em 1989. Para ele, a base americana trará pouco ganho econômico à região e muita pressão política para o país.
Quando fala em pressão, Kozisek está pensando na Guerra Fria, período em que viveu 36 de seus 55 anos. A exigência do Kremlin de enviar soldados para monitorar o radar americano provocou calafrios na população local, diz ele, principalmente nos mais velhos, para quem o poderio militar russo traz de volta lembranças nada agradáveis.
"Vivi tempo demais sob o domínio dos russos, não quero ver seus soldados de volta", diz o subprefeito, cujo pai foi preso nos anos 50 por oposição ao regime comunista. "Mas sei que nós somos peças pequenas do jogo. A decisão será em Praga."
Mesmo para os principais jogadores, porém, não é uma disputa simples. Além da insatisfação popular, o primeiro-ministro Mirek Topolanek enfrenta divisões em sua coalizão, que tem apenas 100 dos 200 votos na Câmara dos Deputados, onde o acordo com os EUA precisa ser ratificado.
Qualquer voto de dissidência pode significar uma derrota. Esse risco aumentou depois que alguns deputados do Partido Verde, um dos três parceiros na aliança governista, ameaçaram votar contra a instalação do radar. Na próxima semana a Câmara votará uma moção de desconfiança no governo.
Para a oposição, que quer mandar a decisão para o voto popular, o governo não tem legitimidade para ceder território ao projeto americano. "Nenhum dos partidos que está no poder tinha em seu programa eleitoral a instalação de uma base militar estrangeira no país", diz o oposicionista Michal Hasek, líder do bloco social-democrata.

Insatisfação
Ao contrário do que ocorre na capital, onde uma vigília chegou a ser montada em frente ao Parlamento, na pacata Mnisek pod Brdy não houve manifestação contra o radar. Mas há uma sintonia silenciosa com a insatisfação de Praga.
Com 4.368 habitantes, a cidade vive de seus poucos hotéis e restaurantes, freqüentados pelos amantes de esqui e bicicross que nos fins de semana se aventuram pelas montanhas que abrigariam o radar. Há ainda uma pequena zona industrial dedicada à reciclagem de metal usado, mas a maioria da população trabalha em Praga, que fica a meia hora de ônibus.
É segunda-feira, praticamente não há movimento nas ruas. A catedral está fechada e o pequeno mercado da praça central tem poucos interessados nos produtos à venda, de roupas de baixo a morangos. A poucos metros dali, Ondrej Jeidl, 20, estudante de jornalismo, espera nos corredores desertos da prefeitura um documento de identidade.
"Não há protestos nas ruas, mas a maioria não está feliz", diz Jeidl, que se movimenta pela cidade de skate e sabe de cor os nomes de ases brasileiros do esporte, como Bob Burnquist . "Ninguém vê benefícios nessa base, que será toda construída por americanos. Dizem que a única participação tcheca será construir o muro em volta."
Não é fácil encontrar uma opinião favorável ao projeto. Quando ela surge, é pelo mesmo motivo dos opositores: os russos. Enquanto os americanos garantem que o objetivo do escudo é interceptar futuros mísseis iranianos, o jornaleiro Martin Hattala pensa no passado. "É bom para que os russos saibam que estamos protegidos", diz Hattala, esticando o pescoço para fora de seu quiosque. "Se o governo explicasse isso direito, a aceitação seria bem maior."


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