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Vizinhos rejeitam escudo antimíssil
Habitantes da pequena cidade tcheca Mnisek pod Brdy não querem que EUA instalem radar ali perto
"A grande maioria é contra. Mas eu sei que nós somos peças pequenas do jogo. A decisão será em Praga", diz subprefeito do município
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A MNISEK POD BRDY
Se é verdade que há uma nova Guerra Fria em gestação,
uma de suas fronteiras é uma
pequena e sonolenta cidade de
nome quase impronunciável, a
30 km da capital tcheca. De
qualquer ponto de Mnisek pod
Brdy é possível ver as montanhas onde os Estados Unidos
pretendem instalar uma base
de radares de seu sistema antimísseis, um projeto que elevou
as tensões com a Rússia a níveis
que não se viam desde a época
da Cortina de Ferro.
A idéia não é impopular só no
Kremlin. Pesquisas de opinião
mostram que dois terços dos
tchecos a desaprovam. Os protestos em Praga são freqüentes.
Em Mnisek pod Brdy, uma das
cidades mais próximas de onde
a polêmica base dos EUA será
construída, não é diferente.
"A grande maioria é contra",
confirma o subprefeito da cidade, Vlastimil Kozisek, que se divide entre o trabalho na prefeitura, onde bate ponto três vezes
por semana, e a pequena fábrica de produtos plásticos que
abriu após a Revolução de Veludo, em 1989. Para ele, a base
americana trará pouco ganho
econômico à região e muita
pressão política para o país.
Quando fala em pressão, Kozisek está pensando na Guerra
Fria, período em que viveu 36
de seus 55 anos. A exigência do
Kremlin de enviar soldados para monitorar o radar americano provocou calafrios na população local, diz ele, principalmente nos mais velhos, para
quem o poderio militar russo
traz de volta lembranças nada
agradáveis.
"Vivi tempo demais sob o domínio dos russos, não quero ver
seus soldados de volta", diz o
subprefeito, cujo pai foi preso
nos anos 50 por oposição ao regime comunista. "Mas sei que
nós somos peças pequenas do
jogo. A decisão será em Praga."
Mesmo para os principais jogadores, porém, não é uma disputa simples. Além da insatisfação popular, o primeiro-ministro Mirek Topolanek enfrenta divisões em sua coalizão,
que tem apenas 100 dos 200 votos na Câmara dos Deputados,
onde o acordo com os EUA precisa ser ratificado.
Qualquer voto de dissidência
pode significar uma derrota.
Esse risco aumentou depois
que alguns deputados do Partido Verde, um dos três parceiros
na aliança governista, ameaçaram votar contra a instalação
do radar. Na próxima semana a
Câmara votará uma moção de
desconfiança no governo.
Para a oposição, que quer
mandar a decisão para o voto
popular, o governo não tem legitimidade para ceder território ao projeto americano. "Nenhum dos partidos que está no
poder tinha em seu programa
eleitoral a instalação de uma
base militar estrangeira no
país", diz o oposicionista Michal Hasek, líder do bloco social-democrata.
Insatisfação
Ao contrário do que ocorre
na capital, onde uma vigília
chegou a ser montada em frente ao Parlamento, na pacata
Mnisek pod Brdy não houve
manifestação contra o radar.
Mas há uma sintonia silenciosa
com a insatisfação de Praga.
Com 4.368 habitantes, a cidade vive de seus poucos hotéis
e restaurantes, freqüentados
pelos amantes de esqui e bicicross que nos fins de semana se
aventuram pelas montanhas
que abrigariam o radar. Há ainda uma pequena zona industrial dedicada à reciclagem de
metal usado, mas a maioria da
população trabalha em Praga,
que fica a meia hora de ônibus.
É segunda-feira, praticamente não há movimento nas ruas.
A catedral está fechada e o pequeno mercado da praça central tem poucos interessados
nos produtos à venda, de roupas de baixo a morangos. A
poucos metros dali, Ondrej
Jeidl, 20, estudante de jornalismo, espera nos corredores desertos da prefeitura um documento de identidade.
"Não há protestos nas ruas,
mas a maioria não está feliz",
diz Jeidl, que se movimenta pela cidade de skate e sabe de cor
os nomes de ases brasileiros do
esporte, como Bob Burnquist .
"Ninguém vê benefícios nessa
base, que será toda construída
por americanos. Dizem que a
única participação tcheca será
construir o muro em volta."
Não é fácil encontrar uma
opinião favorável ao projeto.
Quando ela surge, é pelo mesmo motivo dos opositores: os
russos. Enquanto os americanos garantem que o objetivo do
escudo é interceptar futuros
mísseis iranianos, o jornaleiro
Martin Hattala pensa no passado. "É bom para que os russos
saibam que estamos protegidos", diz Hattala, esticando o
pescoço para fora de seu quiosque. "Se o governo explicasse
isso direito, a aceitação seria
bem maior."
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