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ARTIGO
A encruzilhada democrata
Escolher Hillary Clinton como candidata é se arriscar a enfurecer eleitorado democrata; preterir a senadora pode levar à perda de apoio em Estados-chave
CARLOS DA FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A escolha do candidato democrata às eleições presidenciais americanas de 2008 é das
mais disputadas que se tem notícia. Em 2004, John Kerry definiu a corrida logo após a chamada Superterça. Em 2000, Al
Gore era vice-presidente e teve
como único rival o senador Bill
Bradley. Em 1996, Bill Clinton
era presidente e não teve rivais.
Em 1992, Clinton, jovem governador de Arkansas, começou
mal, mas deu a volta por cima,
vencendo na Superterça.
Há controvérsia sobre as
conseqüências, para o Partido
Democrata, do acirramento da
disputa entre Barack Obama e
Hillary Clinton. Via de regra,
enumeram-se, entre as conseqüências positivas, a mobilização dos eleitores, a atenção da
mídia e a arrecadação de fundos. A contrapeso, está a percepção de que a indefinição da
escolha deve-se a situação que
pode torná-la um risco para os
interesses do partido em novembro: a insistência de um
dos candidatos, com chances
remotas de vitória, de aferrar-se à disputa.
Apesar da recente vitória na
Pensilvânia, a situação de Hillary Clinton é muito difícil, e
não é incomum ouvirem-se comentários que associam a probabilidade de sua eventual vitória a um "milagre".
Premissa frustrada
A estratégia da senadora foi
traçada, em meados do ano
passado, com base na premissa
de um favoritismo indiscutível:
acumular vitórias entre janeiro
e a Superterça (em fevereiro,
quando os eleitores de mais de
20 Estados votaram), de maneira a forçar os demais concorrentes à capitulação rápida.
Certa da vitória, Hillary ensaiava, já no começo do ano,
discurso de candidata oficial,
pairando sobre os correligionários nos debates do partido.
Mas a súbita popularidade de
Barack Obama frustrou a blitzkrieg da senadora, forçando-a a
contínuas mudanças de estratégia, sem reverter a situação.
Depois dos resultados pífios da
Superterça e de uma série de 11
derrotas consecutivas sofridas
até março, a senadora logrou o
que parecia uma reação, com as
vitórias no Texas e em Ohio. A
partir daí, abriu-se uma guerra
de trincheiras entre os dois
pré-candidatos.
Nas ultimas semanas, Hillary
tentou de tudo para virar o jogo: mudou a aritmética das prévias, argumentando que venceu nos Estados com maior peso eleitoral; pressionou pela inclusão dos votos de Flórida e de
Michigan, invalidados pelo partido porque os dois Estados
desrespeitaram o calendário
eleitoral; tentou convencer os
superdelegados indecisos a votarem nela ou, ao menos, a não
aderirem por enquanto ao seu
rival; e inverteu o ônus do resultado das prévias na Pensilvânia, afirmando que uma derrota de Obama, desde sempre
previsível (Hillary somava 33
pontos de vantagem no Estado,
nas pesquisas feitas em dezembro), atestaria sua inelegibilidade em novembro.
Não obstante o empenho, a
situação da senadora é das mais
complicadas.
Pelas contas de hoje, computados os votos da Pensilvânia,
Obama teria cerca de 1.700 delegados e Hillary, 1.550. Entre 6
de maio e 7 de junho, serão disputados os últimos 408 delegados, distribuídos entre oito Estados e o território de Guam.
Para que Hillary supere Obama, terá que conquistar, na média geral, 65% da preferência
dos eleitores, e ainda conseguir
computar os votos da Flórida e
de Michigan. Caso isso ocorra,
passará Obama em delegados
eleitos e terá argumentos para
convencer os superdelegados
indecisos a apoiá-la.
É improvável que isso aconteça. A disputa nos dois Estados
com maior número de delegados tem Obama como favorito:
vence na Carolina do Norte por
13 pontos percentuais e em Indiana por 5. Dos Estados restantes, é provável que Hillary
ganhe em Porto Rico, Virgínia
Ocidental e Kentucky, mas que
perca em Oregon. Guam, Montana e Dakota do Sul são eleitoralmente irrelevantes.
A se manterem as tendências
mostradas nas últimas pesquisas e respeitando-se a distribuição proporcional de delegados,
ao final do processo Obama teria entre 1.880 e 1.900 delegados, e Hillary no máximo 1.800.
Para derrotar seu adversário, a
senadora dependeria do voto
de boa parte dos cerca de 250
superdelegados indecisos, que
teria de convencer a votar contra a escolha popular.
Isso dificilmente acontecerá.
Votar contra o desejo dos eleitores dividiria o partido e desmobilizaria setores inteiros do
eleitorado, especialmente a população negra, essencial nos
Estados sulinos.
Memória de 1968
A memória coletiva dos democratas há muito metabolizou anticorpos contra essa possível tentação. Em 1968, a convenção de Chicago, composta
exclusivamente por superdelegados, escolheu o vice-presidente Hubert Humphrey contra a opinião da maioria dos
eleitores, que preferiam Eugene McCarthy. A reunião terminou em tumulto, com intervenção da polícia e vários presos.
Humphrey, desprestigiado,
perdeu para Nixon. O conflito
acabou levando à reforma que,
na década de 1970, estabeleceu
o atual sistema de primárias.
Em tais circunstâncias, seria
improvável que o partido arriscasse outra fratura, especialmente em ano que se anuncia
alvissareiro, dada a rejeição ao
presidente Bush e, por tabela, a
fragilidade republicana.
Decisão difícil
Preterir Hillary, no entanto,
também é decisão difícil. A senadora não apenas tem o apoio
do eleitorado feminino, como
vence entre latinos e, em geral,
entre eleitores de baixa renda,
o que seria fundamental, na
disputa de novembro, para ganhar Estados-chave como Pensilvânia, Ohio e Flórida. Não
por acaso, pesquisas recentes
mostram que, no confronto direto com McCain, a senadora
vence nesses três Estados. Obama perde nos três.
Confrontados com esse dilema, muitos superdelegados
preferem esperar. A depender
do resultado nas prévias de Indiana e Carolina do Norte (ambas em 6 de maio), a espera poderá esticar-se até a convenção
democrata, em agosto. É com o
que conta Hillary, que torce por
um tropeço do rival. O problema é que, nesse meio tempo, o
desgaste da disputa poderá levar a que tropecem os dois.
CARLOS DA FONSECA é mestre em políticas
públicas pela Universidade Harvard e professor
do Instituto Rio Branco
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