São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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Violência interrompe auxílio na Somália

Agentes ocidentais são alvo; crise é a pior em anos, diz MSF

DA REDAÇÃO

Fogo cruzado e ataques deliberados cerceiam o trabalho dos Médicos Sem Fronteira na Somália, conta o diretor operacional da ONG francesa no país, Joe Belliveau. Impedido de deixar o alojamento na capital, Mogadício, grupo restringe operações, como a distribuição de comida. Neste ano, quatro funcionários foram mortos. Violência generalizada, seca e aumento dos preços de alimentos tornam o cenário "extremamente crítico" e assistência humanitária não poderá impedir uma tragédia, diz Belliveau. Alvo preferencial, ocidentais deixam o país. (CLARA FAGUNDES)

 

FOLHA - O quadro atual da Somália se assemelha ao que culminou na tragédia do início dos anos 90, com milhões de famélicos?
JOE BELLIVEAU
- A situação humanitária é extremamente crítica e está piorando. Há fatores ambientais semelhantes: a Somália atravessa uma seca, há uma severa falta de água neste momento. Além disso, há um aumento geral de preços, sobretudo dos alimentos, como está acontecendo em muitas partes do mundo. Mas, acima de tudo, é a questão central é a violência, que fica mais intensa a cada dia.
As pessoas estão comparando o cenário atual àquela época. Eu não estava na Somália nos anos 90, mas posso dizer que o quadro que enfrentamos agora é o pior dos últimos anos.

FOLHA - Como o recrudescimento do conflito afeta a relação das agências humanitárias com a população?
BELLIVEAU
- A violência que afeta a Somália está destruindo os mecanismos de cooperação e também a resposta da comunidade internacional, de uma maneira imensa. Há pouquíssimas ONGs operacionais ou agências da ONU na Somália. E, entre as que estão lá, quase não há funcionários internacionais em campo. Os agentes humanitários ocidentais estão sendo seqüestrados com muito mais freqüência, são alvejados deliberadamente... Como o que aconteceu com a gente em 28 de janeiro, quando três colegas foram alvejados e assassinados. Há também o risco de acabar em meio a um fogo-cruzado. O perigo aumentou muito nessas últimas semanas.
Não temos como transferir comida. Nossas operações, do MSF, estão bastante limitadas. Em Mogadício, por exemplo, nós não podemos sair do alojamento por enquanto. As pessoas estão vindo para a clínica, mas não podemos fazer trabalhos fora. Os nossos programas por todo o país estão restritos por causa da violência.

FOLHA - Quantos são os mortos nos conflitos em Mogadíscio e na Somália em geral?
BELLIVEAU
- É impossível contar os corpos. Há muito tempo não há esse controle. Fizemos uma pesquisa retrospectiva de mortalidade, há alguns meses. Os resultados indicam uma mortalidade enorme, associada à violência em Mogadício. Muitas famílias disseram que um ou mais parentes tinham morrido dos últimos meses.

FOLHA - A situação é diferente na Somalilândia?
BELLIVEAU
- O nível de violência em Somalilândia é bem mais baixo que na Somália em geral, no momento. Na Somália, as pessoas estão sendo deslocadas, já não há economia real em lugares onde antes havia intensas atividades -informais, mas em alguns casos robustas. Organizações como a nossa estão lutando para conseguir operar no país. Somos tão poucos!

FOLHA - Como seria possível prevenir outra tragédia como a do início dos anos 90?
BELLIVEAU
- O que está claro é que assistência humanitária não vai prevenir. Algo tem de acontecer em nível político.


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