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Violência interrompe auxílio na Somália
Agentes ocidentais são alvo; crise é a pior em anos, diz MSF
DA REDAÇÃO
Fogo cruzado e ataques deliberados cerceiam o trabalho
dos Médicos Sem Fronteira na
Somália, conta o diretor operacional da ONG francesa no país,
Joe Belliveau. Impedido de deixar o alojamento na capital,
Mogadício, grupo restringe
operações, como a distribuição
de comida. Neste ano, quatro
funcionários foram mortos.
Violência generalizada, seca
e aumento dos preços de alimentos tornam o cenário "extremamente crítico" e assistência humanitária não poderá impedir uma tragédia, diz Belliveau. Alvo preferencial, ocidentais deixam o país.
(CLARA FAGUNDES)
FOLHA - O quadro atual da Somália
se assemelha ao que culminou na
tragédia do início dos anos 90, com
milhões de famélicos?
JOE BELLIVEAU - A situação humanitária é extremamente crítica e está piorando. Há fatores
ambientais semelhantes: a Somália atravessa uma seca, há
uma severa falta de água neste
momento. Além disso, há um
aumento geral de preços, sobretudo dos alimentos, como
está acontecendo em muitas
partes do mundo. Mas, acima
de tudo, é a questão central é a
violência, que fica mais intensa
a cada dia.
As pessoas estão comparando o cenário atual àquela época.
Eu não estava na Somália nos
anos 90, mas posso dizer que o
quadro que enfrentamos agora
é o pior dos últimos anos.
FOLHA - Como o recrudescimento
do conflito afeta a relação das agências humanitárias com a população?
BELLIVEAU - A violência que afeta a Somália está destruindo os
mecanismos de cooperação e
também a resposta da comunidade internacional, de uma
maneira imensa. Há pouquíssimas ONGs operacionais ou
agências da ONU na Somália.
E, entre as que estão lá, quase
não há funcionários internacionais em campo.
Os agentes humanitários ocidentais estão sendo seqüestrados com muito mais freqüência, são alvejados deliberadamente... Como o que aconteceu
com a gente em 28 de janeiro,
quando três colegas foram alvejados e assassinados. Há
também o risco de acabar em
meio a um fogo-cruzado. O perigo aumentou muito nessas
últimas semanas.
Não temos como transferir
comida. Nossas operações, do
MSF, estão bastante limitadas.
Em Mogadício, por exemplo,
nós não podemos sair do alojamento por enquanto. As pessoas estão vindo para a clínica,
mas não podemos fazer trabalhos fora. Os nossos programas
por todo o país estão restritos
por causa da violência.
FOLHA - Quantos são os mortos
nos conflitos em Mogadíscio e na
Somália em geral?
BELLIVEAU - É impossível contar
os corpos. Há muito tempo não
há esse controle. Fizemos uma
pesquisa retrospectiva de mortalidade, há alguns meses. Os
resultados indicam uma mortalidade enorme, associada à
violência em Mogadício. Muitas famílias disseram que um
ou mais parentes tinham morrido dos últimos meses.
FOLHA - A situação é diferente na
Somalilândia?
BELLIVEAU - O nível de violência
em Somalilândia é bem mais
baixo que na Somália em geral,
no momento. Na Somália, as
pessoas estão sendo deslocadas, já não há economia real em
lugares onde antes havia intensas atividades -informais, mas
em alguns casos robustas. Organizações como a nossa estão
lutando para conseguir operar
no país. Somos tão poucos!
FOLHA - Como seria possível prevenir outra tragédia como a do início
dos anos 90?
BELLIVEAU - O que está claro é
que assistência humanitária
não vai prevenir. Algo tem de
acontecer em nível político.
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