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Capital nuclear iraniana não teme sanções da ONU
Preocupação em Isfahan, sede da principal usina do país, é com os problemas locais
Instalação está entre as maiores geradoras de empregos da antiga capital do país; moradores reclamam de prejuízos no turismo
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A ISFAHAN (IRÃ)
Sanções? Que sanções? Na
quarta-feira, dia em que a comissão de países ocidentais que
lidam com a questão atômica
iraniana começavam sua reunião em Londres, a cidade-sede
da instalação que fabrica o gás
UF6, componente fundamental no processo de obtenção da
energia nuclear, não estava
preocupada com possíveis medidas que venham a ser tomadas contra o seu país.
A bela Isfahan, a jóia do Irã,
ex-capital que mantém uma relação com Teerã parecida com
a de Rio de Janeiro e São Paulo,
de rivalidade cordial, está preocupada com seu turismo. Com
o metrô que a Prefeitura quer
fazer sob a Chahar Bagh ("quatro jardins", em farsi), avenida
de 400 anos que cruza a cidade.
Com a falta de emprego. Não
com sanções.
A principal discussão nas rodas dos "bazari", os comerciantes que se enfileiram ao longo
da grande avenida, é o metrô
que a Prefeitura quer construir,
destruindo uma via que foi considerada patrimônio da humanidade pela Unesco. Fábrica de
gás UF6? "Todo esse noticiário
só afasta os turistas", diz um
motorista de táxi, que já teve de
negar várias viagens de curiosos até lá.
Inspetores
Entre os curiosos, quem não
usou táxi nem teve o acesso negado foi o time da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que iniciou há uma
semana viagens por diversas
instalações do país, Isfahan incluída, ainda sem conclusão
anunciada. No vôo de volta a
Teerã, a reportagem da Folha
presenciou o esquema especial
que envolve a locomoção de
um dos agentes, acompanhado
de um segurança iraniano que
tomou o assento do comissário
de bordo para ficar de frente e
vigiando os outros passageiros.
"Não sou esperto o suficiente
para opinar sobre a necessidade de energia nuclear neste
país, mas sou velho o suficiente
para saber que tenho de trabalhar para comer", diz à Folha
Nasrolah Shayegan, 85, que
acaba de fazer a oração do
meio-dia voltado a Meca, veste
as chinelas, recolhe seu tapete
e senta-se ao lado dos objetos
que vende no chão, na histórica
praça do Imã.
"E não ganho o suficiente para comprar cigarros." Shayegan
vende "koluns", campainhas
tradicionais que os locais pregam às portas, aos pares -o de
batida mais leve para as mulheres, mais forte para os homens.
"Assim, o proprietário sabe
quem o está esperando lá fora",
ensina. Instalação nuclear?
"Fica muito longe daqui."
Na verdade, não fica, é meia
hora de carro. Localizada numa
das saídas da principal rodovia
da região, a fábrica que produz
o UF6 é uma das grandes empregadoras da região. Sua força
de trabalho vem de Isfahan, na
maior parte, mas também das
pequenas Gayart, Zardanjan e
Soreshbadaran.
Da estrada, vê-se apenas
uma fileira de árvores estrategicamente colocada para evitar
fotos. Atrás das árvores, diz o
motorista de táxi, há soldados
postados nos telhados da fábrica em posição de tiro, à espera
do reflexo de uma lente. A partir daí, o acesso é proibido 99%
dos dias, o outro 1% ao sabor
dos interesses oficiais.
Em fevereiro, por exemplo,
os jornalistas podiam chegar lá
-eram até bem-vindos. Foi
quando estudantes e operários
favoráveis ao regime ou com
pontos a ganhar com burocratas locais aceitaram se reunir
em frente à fábrica e fazer uma
manifestação a favor da autonomia nuclear e contra o "imperialismo norte-americano".
Hoje não.
"Você tem de entender que
se trata de um local estratégico", diz à Folha o mulá Ali Dabbab, 26, que estuda direito islâmico há 10 anos na madrassa
(escola de islamismo, ou "houzeh", em farsi) Chahar Bagh.
"Tudo não passa de um grande
mal-entendido, causado por
estereótipos que a mídia ocidental alimenta."
Terrorista
Às vezes, quando ele sai com
a roupa típica, turistas o param
na rua e perguntam se ele anda
armado ou é terrorista. "O Ocidente, liderado pelos Estados
Unidos, pelo Reino Unido e, é
claro, por Israel, quer enfraquecer o povo iraniano, para
que eles possam explorar melhor as riquezas do país, como
fazem nos países árabes. Por isso que dizem que não podemos
ter energia nuclear", recita o
blablablá de sempre.
O que ele acha do governo?
"Já vi melhores." Da economia? "Pode melhorar." E como
garantir que esse governo, com
esse presidente, vá parar na
produção de energia para fins
pacíficos e não aproveitará para
construir armas nucleares?
"Porque o islã proíbe a matança
em massa. Mesmo se Israel nos
atacasse com bombas nucleares, nós não poderíamos atacar
de volta", afirma.
Finda a entrevista, o mulá
pede licença para fazer uma
pergunta: "É verdade que um
dos pratos típicos do Brasil é
rato?". Estereótipos não têm
nacionalidade.
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