São Paulo, sábado, 27 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Capital nuclear iraniana não teme sanções da ONU

Preocupação em Isfahan, sede da principal usina do país, é com os problemas locais

Instalação está entre as maiores geradoras de empregos da antiga capital do país; moradores reclamam de prejuízos no turismo

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A ISFAHAN (IRÃ)

Sanções? Que sanções? Na quarta-feira, dia em que a comissão de países ocidentais que lidam com a questão atômica iraniana começavam sua reunião em Londres, a cidade-sede da instalação que fabrica o gás UF6, componente fundamental no processo de obtenção da energia nuclear, não estava preocupada com possíveis medidas que venham a ser tomadas contra o seu país.
A bela Isfahan, a jóia do Irã, ex-capital que mantém uma relação com Teerã parecida com a de Rio de Janeiro e São Paulo, de rivalidade cordial, está preocupada com seu turismo. Com o metrô que a Prefeitura quer fazer sob a Chahar Bagh ("quatro jardins", em farsi), avenida de 400 anos que cruza a cidade. Com a falta de emprego. Não com sanções.
A principal discussão nas rodas dos "bazari", os comerciantes que se enfileiram ao longo da grande avenida, é o metrô que a Prefeitura quer construir, destruindo uma via que foi considerada patrimônio da humanidade pela Unesco. Fábrica de gás UF6? "Todo esse noticiário só afasta os turistas", diz um motorista de táxi, que já teve de negar várias viagens de curiosos até lá.

Inspetores
Entre os curiosos, quem não usou táxi nem teve o acesso negado foi o time da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que iniciou há uma semana viagens por diversas instalações do país, Isfahan incluída, ainda sem conclusão anunciada. No vôo de volta a Teerã, a reportagem da Folha presenciou o esquema especial que envolve a locomoção de um dos agentes, acompanhado de um segurança iraniano que tomou o assento do comissário de bordo para ficar de frente e vigiando os outros passageiros.
"Não sou esperto o suficiente para opinar sobre a necessidade de energia nuclear neste país, mas sou velho o suficiente para saber que tenho de trabalhar para comer", diz à Folha Nasrolah Shayegan, 85, que acaba de fazer a oração do meio-dia voltado a Meca, veste as chinelas, recolhe seu tapete e senta-se ao lado dos objetos que vende no chão, na histórica praça do Imã.
"E não ganho o suficiente para comprar cigarros." Shayegan vende "koluns", campainhas tradicionais que os locais pregam às portas, aos pares -o de batida mais leve para as mulheres, mais forte para os homens. "Assim, o proprietário sabe quem o está esperando lá fora", ensina. Instalação nuclear? "Fica muito longe daqui."
Na verdade, não fica, é meia hora de carro. Localizada numa das saídas da principal rodovia da região, a fábrica que produz o UF6 é uma das grandes empregadoras da região. Sua força de trabalho vem de Isfahan, na maior parte, mas também das pequenas Gayart, Zardanjan e Soreshbadaran.
Da estrada, vê-se apenas uma fileira de árvores estrategicamente colocada para evitar fotos. Atrás das árvores, diz o motorista de táxi, há soldados postados nos telhados da fábrica em posição de tiro, à espera do reflexo de uma lente. A partir daí, o acesso é proibido 99% dos dias, o outro 1% ao sabor dos interesses oficiais.
Em fevereiro, por exemplo, os jornalistas podiam chegar lá -eram até bem-vindos. Foi quando estudantes e operários favoráveis ao regime ou com pontos a ganhar com burocratas locais aceitaram se reunir em frente à fábrica e fazer uma manifestação a favor da autonomia nuclear e contra o "imperialismo norte-americano".
Hoje não.
"Você tem de entender que se trata de um local estratégico", diz à Folha o mulá Ali Dabbab, 26, que estuda direito islâmico há 10 anos na madrassa (escola de islamismo, ou "houzeh", em farsi) Chahar Bagh. "Tudo não passa de um grande mal-entendido, causado por estereótipos que a mídia ocidental alimenta."

Terrorista
Às vezes, quando ele sai com a roupa típica, turistas o param na rua e perguntam se ele anda armado ou é terrorista. "O Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, pelo Reino Unido e, é claro, por Israel, quer enfraquecer o povo iraniano, para que eles possam explorar melhor as riquezas do país, como fazem nos países árabes. Por isso que dizem que não podemos ter energia nuclear", recita o blablablá de sempre.
O que ele acha do governo? "Já vi melhores." Da economia? "Pode melhorar." E como garantir que esse governo, com esse presidente, vá parar na produção de energia para fins pacíficos e não aproveitará para construir armas nucleares? "Porque o islã proíbe a matança em massa. Mesmo se Israel nos atacasse com bombas nucleares, nós não poderíamos atacar de volta", afirma.
Finda a entrevista, o mulá pede licença para fazer uma pergunta: "É verdade que um dos pratos típicos do Brasil é rato?". Estereótipos não têm nacionalidade.


Texto Anterior: Líder do Jihad é assassinado no Líbano
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.