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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO
Assistencialismo é arma do Hizbollah entre pobres
Financiamento iraniano de US$ 40 milhões sustenta os serviços negados pelo Estado
Grupo xiita dá escola, água,
emprego, médico e pensão;
estrutura inclui também
emissoras de TV e rádio e
sistema de "inteligência"
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE
Ibrahim Ali Mohsen, 74, mal
teve tempo de calçar os sapatos
quando os mísseis israelense
começaram a cair em sua cidade, Tiro, no sul do Líbano. Deixou para trás a casa e tudo o que
tinha. Agora, não faz idéia se ela
continua de pé e se seus vizinhos estão vivos. Dormindo há
seis dias sobre folhas de papelão no chão de uma praça de
Beirute, ele mantém inabalável
sua admiração pelo grupo xiita
Hizbollah. "Foram eles que deram emprego a meu filho e me
ajudaram a conseguir os remédios para a pressão alta", diz.
Ali Mohsen é um dos milhares de beneficiados pela ampla
rede social do Hizbollah, que
explica o apoio popular que o
grupo possui sobretudo no sul
do Líbano. Isso pesa mais que a
atuação militar contra Israel.
A rede de proteção, que rompe as fronteiras sectárias tão
determinantes nas tensões que
deflagraram a brutal guerra civil no país (1975-1990), também ajuda a entender o poder
do "Estado dentro do Estado",
mantido pelo chamado Partido
de Deus (significado da expressão "Hizbollah").
Sem barreiras
"Esse aparato social, que
atende milhares de pessoas carentes com escolas, ambulatórios, creches e agências de emprego é um dos principais pilares da força do Hizbollah no
país. É nesse pilar clientelista
que o grupo encontra amparo
para a simpatia popular que lhe
garante a continuidade de suas
atividades militares", diz Ahmad Moussali, da Universidade
Americana de Beirute.
O grupo mantém no sul do
Líbano uma estrutura quase
autônoma em relação ao governo libanês. É seu reduto eleitoral, mas as ações do Hizbollah
têm se estendido a Beirute e a
outras cidades do norte nestes
dias de conflito. Por meio de
suas fundações sociais e usando o apelo da "unidade libanesa", o grupo tem conseguido arregimentar voluntários de todas as comunidades, rompendo
as fronteiras xiitas. "Temos
aqui sunitas e cristãos, tanto
maronitas quanto armênios,
todos ajudando os refugiados",
conta o universitário cristão
Hanibaael Naim, 23, voluntário
em uma fundação do Hizbollah
que tem ajudado desabrigados.
As atividades civis do Hizbollah impressionam pela amplitude e disciplina. Não há outro
partido no Líbano com tantos
recursos e uma estrutura tão
organizada. Dono de uma emissora de TV, a Al Manar, e outra
de rádio, Nur (ambas as palavras se referem a "luz"), ele
mantém um sistema de coleta e
divulgação de informações com
requintes que lembram um
serviço de inteligência. Yasser
Akkaoui, editor da revista de
negócios "Executive", diz que
ficou impressionado com essa
estrutura ao visitar um dos prédios do grupo, há alguns anos.
"Eles têm uma equipe de
centenas de pessoas, na maioria mulheres, somente para coletar informações publicadas
pela imprensa mundial. Em todos os idiomas, inclusive em
português", diz Akkaoui. "Cada
departamento cuida de um
continente. Depois de compilados, os dados são cruzados em
um programa de computador.
A cúpula do grupo crê ser possível prever as ações do inimigo
pelas notícias que ele divulga,
espécie de balões de ensaio."
"O segredo está nos recursos.
Com uma mesada do Irã que
pode chegar a US$ 40 milhões
anuais, fica bem mais fácil para
uma organização ter esse tipo
de sofisticação", diz ele.
Se as armas são cruciais para
dissuadir qualquer tentativa do
governo de desarticular seu poder independente, o "Estado
dentro do Estado" também é
alimentado pela ausência de
serviços prestados pelas autoridades oficiais, principalmente
à população xiita, que constitui
quase 40% dos libaneses.
"O Hizbollah preenche um
vácuo deixado pelo governo,
fornece água limpa, empregos e
assistência médica, aos xiitas e
a qualquer pessoa negligenciada", diz Hillel Hassan, da Universidade Americana de Beirute, que compara a situação a
áreas, como as favelas brasileiras, onde os traficantes assumiam esse mesmo papel.
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