São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2006

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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Assistencialismo é arma do Hizbollah entre pobres

Financiamento iraniano de US$ 40 milhões sustenta os serviços negados pelo Estado

Grupo xiita dá escola, água, emprego, médico e pensão; estrutura inclui também emissoras de TV e rádio e sistema de "inteligência"


MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE

Ibrahim Ali Mohsen, 74, mal teve tempo de calçar os sapatos quando os mísseis israelense começaram a cair em sua cidade, Tiro, no sul do Líbano. Deixou para trás a casa e tudo o que tinha. Agora, não faz idéia se ela continua de pé e se seus vizinhos estão vivos. Dormindo há seis dias sobre folhas de papelão no chão de uma praça de Beirute, ele mantém inabalável sua admiração pelo grupo xiita Hizbollah. "Foram eles que deram emprego a meu filho e me ajudaram a conseguir os remédios para a pressão alta", diz.
Ali Mohsen é um dos milhares de beneficiados pela ampla rede social do Hizbollah, que explica o apoio popular que o grupo possui sobretudo no sul do Líbano. Isso pesa mais que a atuação militar contra Israel.
A rede de proteção, que rompe as fronteiras sectárias tão determinantes nas tensões que deflagraram a brutal guerra civil no país (1975-1990), também ajuda a entender o poder do "Estado dentro do Estado", mantido pelo chamado Partido de Deus (significado da expressão "Hizbollah").

Sem barreiras
"Esse aparato social, que atende milhares de pessoas carentes com escolas, ambulatórios, creches e agências de emprego é um dos principais pilares da força do Hizbollah no país. É nesse pilar clientelista que o grupo encontra amparo para a simpatia popular que lhe garante a continuidade de suas atividades militares", diz Ahmad Moussali, da Universidade Americana de Beirute.
O grupo mantém no sul do Líbano uma estrutura quase autônoma em relação ao governo libanês. É seu reduto eleitoral, mas as ações do Hizbollah têm se estendido a Beirute e a outras cidades do norte nestes dias de conflito. Por meio de suas fundações sociais e usando o apelo da "unidade libanesa", o grupo tem conseguido arregimentar voluntários de todas as comunidades, rompendo as fronteiras xiitas. "Temos aqui sunitas e cristãos, tanto maronitas quanto armênios, todos ajudando os refugiados", conta o universitário cristão Hanibaael Naim, 23, voluntário em uma fundação do Hizbollah que tem ajudado desabrigados.
As atividades civis do Hizbollah impressionam pela amplitude e disciplina. Não há outro partido no Líbano com tantos recursos e uma estrutura tão organizada. Dono de uma emissora de TV, a Al Manar, e outra de rádio, Nur (ambas as palavras se referem a "luz"), ele mantém um sistema de coleta e divulgação de informações com requintes que lembram um serviço de inteligência. Yasser Akkaoui, editor da revista de negócios "Executive", diz que ficou impressionado com essa estrutura ao visitar um dos prédios do grupo, há alguns anos.
"Eles têm uma equipe de centenas de pessoas, na maioria mulheres, somente para coletar informações publicadas pela imprensa mundial. Em todos os idiomas, inclusive em português", diz Akkaoui. "Cada departamento cuida de um continente. Depois de compilados, os dados são cruzados em um programa de computador. A cúpula do grupo crê ser possível prever as ações do inimigo pelas notícias que ele divulga, espécie de balões de ensaio."
"O segredo está nos recursos. Com uma mesada do Irã que pode chegar a US$ 40 milhões anuais, fica bem mais fácil para uma organização ter esse tipo de sofisticação", diz ele.
Se as armas são cruciais para dissuadir qualquer tentativa do governo de desarticular seu poder independente, o "Estado dentro do Estado" também é alimentado pela ausência de serviços prestados pelas autoridades oficiais, principalmente à população xiita, que constitui quase 40% dos libaneses.
"O Hizbollah preenche um vácuo deixado pelo governo, fornece água limpa, empregos e assistência médica, aos xiitas e a qualquer pessoa negligenciada", diz Hillel Hassan, da Universidade Americana de Beirute, que compara a situação a áreas, como as favelas brasileiras, onde os traficantes assumiam esse mesmo papel.


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