São Paulo, segunda-feira, 27 de julho de 2009

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Militares aceitam volta negociada de Zelaya

Em nota, Forças Armadas afirmam apoio a conversas no marco do Acordo de San José, mediado pelo presidente costa-riquenho

Posição pode marcar fissura com o governo interino, que até agora não admitia hipótese de retorno do líder deposto a Honduras

Jose Cabezas/France Presse
Apoiadores de Zelaya em tenda improvisada em El Paraíso; cerca de 500 militantes hondurenhos conseguiram chegar à fronteira

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A OCOTAL (NICARÁGUA)

As Forças Armadas de Honduras emitiram anteontem à noite um comunicado no qual afirmam que não se oporiam a um retorno negociado de Manuel Zelaya, que ontem completou quatro semanas de exílio. É a primeira manifestação de uma instituição importante hondurenha admitindo o retorno do presidente deposto.
O documento, publicado no site oficial das Forças Armadas, afirma que os militares apoiam uma solução "por meio de um processo de negociação no marco do Acordo de San José. Dessa forma, reiteramos o nosso apoio irrestrito aos resultados da mesma."
Pelo Acordo de San José, proposto pelo presidente da Costa Rica e mediador das negociações, Óscar Arias, Zelaya voltaria à Presidência, mas renunciaria à tentativa de convocar uma Assembleia Constituinte -o pivô da crise política.
O governo interino, de Roberto Micheletti, tem dito que só aceita que Zelaya volte para que ele responda a um processo judicial. Mas, na semana passada, admitiu que levaria o plano de Arias para ser analisado formalmente pelo Congresso e pela Corte Suprema de Justiça, que ainda não se pronunciaram sobre a proposta.
Segundo o jornal americano "The New York Times", o comunicado teve a sua primeira versão escrita em Washington após conversas entre oficiais militares hondurenhos e assessores do Congresso. A intenção, afirma o diário, é mostrar que a cúpula militar não desafiaria um acordo negociado pelos Poderes civis.
Anteontem à noite, o comandante das Forças Armadas, general Romeo Vásquez, surpreendeu o país ao dar uma longa entrevista à rádio Globo, principal meio de comunicação pró-Zelaya e que várias vezes foi tirada do ar por intervenção do governo Micheletti.

Bloqueios
As Forças Armadas e a Polícia foram mobilizadas para assegurar o toque de recolher -ampliado até as 6h de hoje- na fronteira de Honduras e Nicarágua, onde Zelaya chegou na sexta-feira para tentar voltar ao país. Ao menos um manifestante apareceu morto, em circunstâncias ainda não esclarecidas.
Os bloqueios militares têm obrigado os militantes de Zelaya a andar cerca de sete horas até a região de Las Manos, onde o presidente deposto está organizando albergues para recebê-los na cidade de Ocotal, a 25 km da fronteira.
Ontem, Zelaya disse que ficaria na região por tempo indeterminado para esperar seus simpatizantes e cobrou uma posição mais clara dos EUA.
"Que a secretária [de Estado, Hillary] Clinton enfrente a ditadura com força para saber verdadeiramente qual é o posicionamento dos EUA diante do golpe de Estado", disse Zelaya, em cima de uma camionete e com um megafone na mão, diante de um punhado de simpatizantes, em Ocotal.
Segundo o organizador da mobilização, Carlos Reina, até ontem à tarde haviam chegado cerca de 500 militantes de várias partes do país.
Um deles, José Oliva Domingues, 43, chegou ontem de manhã. Vindo de Tocoa (nordeste de Honduras), estava acompanhado da mulher, Carla -os dois filhos ficaram sob os cuidados de uma vizinha.
O casal, dono de uma pequena olaria, conseguiu chegar de ônibus até El Paraíso, a 12 km da fronteira. Depois, foi obrigado a dormir num acampamento improvisado numa das montanhas da região.
Viajando desde quarta, os dois vieram só com a roupa do corpo e comeram pela primeira vez ontem às 13h, quando chegaram ao local onde dormiriam, um galpão sem paredes e piso de cimento.
"Parecíamos imigrantes dentro de nosso país", disse Domingues, comparando sua viagem à travessia dos imigrantes irregulares do México aos EUA. "Fugimos dos militares, nos agachamos quando ouvíamos helicóptero, mas estávamos em Honduras."


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