São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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ANÁLISE

Faltam muitos no banco dos réus

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Se o general Augusto Pinochet for afinal julgado por sua participação na Operação Condor, será um enorme avanço no combate à impunidade de crimes relativos a direitos humanos.
Mas faltará muita gente no banco dos réus.
A Operação Condor não foi apenas uma iniciativa dos porões da repressão, instalada na América do Sul a partir do momento (meados dos anos 70) em que todos os países da sub-região ficaram sob regimes militares, exceto Colômbia e Venezuela.
Teve também o aval das cúpulas militares de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, em reunião realizada em 1975, no Hotel Carrasco, nas proximidades do aeroporto de Montevidéu.
Um dos participantes diretos foi o general Jorge Rafael Videla, então chefe do Exército argentino, que, no ano seguinte, comandaria o golpe que depôs a presidente Maria Estela Martínez de Perón e poria em funcionamento uma máquina de matar sem paralelo mesmo na sangrenta história da América Latina.
Entidades de direitos humanos calculam que a repressão no Cone Sul das Américas causou 50 mil mortos, o desaparecimento (na verdade, o assassinato) de outras 30 mil pessoas -a grande maioria na Argentina- e, ainda, a prisão de 400 mil, boa parte das quais foi torturada.
É evidente que o sinal verde para matar, concedido pela Operação Condor, tem muito a ver com tanto sangue, mas o foco principal dessa verdadeira multinacional do terrorismo de Estado foi mais restrito.
Visava aos alvos politicamente mais relevantes e potencialmente mais perigosos para as ditaduras da época. Alvos como o general boliviano Juan José Torres, efêmero presidente de esquerda. Ou Orlando Letelier, que havia sido chanceler do governo socialista do presidente Salvador Allende, no Chile, e estava exilado nos Estados Unidos, onde foi alcançado por uma bomba em plena Embassy Row, a ala das embaixadas de Washington.
Ou o general, também chileno, Carlos Prats, morto em Buenos Aires, onde havia se exilado por ter se contraposto ao golpe de Estado que, em 11 de setembro de 1973, depôs Allende.
Todos eles poderiam, em tese, encabeçar movimentos de resistência às ditaduras. Por esse motivo, sempre surgem rumores de que ou João Goulart -o presidente deposto em 1964 no Brasil, que depois se exilou no Uruguai, onde morreu- ou Juscelino Kubitschek, antecessor de Goulart, cassado pelo movimento militar, também teriam sido vítimas da Operação Condor ou de algum de seus braços.
Sempre em tese, Goulart e Kubitschek poderiam, de fato, liderar um movimento contrário ao regime militar. Os dois, mais Carlos Lacerda, líder da direita, mas também cassado pelos militares, chegaram a criar a Frente Ampla, para lutar pelo restabelecimento da democracia.
Mas não surgiram, até agora, provas de que algum deles tenha sido assassinado. Somente Kubitschek teve morte violenta (acidente de automóvel).
Nos outros episódios, ao contrário, não só houve violência (atentados a bomba), como existem abundantes evidências de que os serviços de inteligência das ditaduras estiveram diretamente envolvidos.
O julgamento de Pinochet tende a jogar mais luz sobre esses crimes, talvez o suficiente para que outros três países da Operação Condor -Brasil, Argentina e Paraguai- prestem contas em algum momento.


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