|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Faltam muitos no banco dos réus
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Se o general Augusto Pinochet for afinal julgado por sua
participação na Operação Condor, será um enorme avanço no
combate à impunidade de crimes
relativos a direitos humanos.
Mas faltará muita gente no banco dos réus.
A Operação Condor não foi
apenas uma iniciativa dos porões
da repressão, instalada na América do Sul a partir do momento
(meados dos anos 70) em que todos os países da sub-região ficaram sob regimes militares, exceto
Colômbia e Venezuela.
Teve também o aval das cúpulas
militares de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, em reunião realizada em 1975, no Hotel Carrasco, nas proximidades do aeroporto de Montevidéu.
Um dos participantes diretos foi
o general Jorge Rafael Videla, então chefe do Exército argentino,
que, no ano seguinte, comandaria
o golpe que depôs a presidente
Maria Estela Martínez de Perón e
poria em funcionamento uma
máquina de matar sem paralelo
mesmo na sangrenta história da
América Latina.
Entidades de direitos humanos
calculam que a repressão no Cone
Sul das Américas causou 50 mil
mortos, o desaparecimento (na
verdade, o assassinato) de outras
30 mil pessoas -a grande maioria na Argentina- e, ainda, a prisão de 400 mil, boa parte das quais
foi torturada.
É evidente que o sinal verde para matar, concedido pela Operação Condor, tem muito a ver com
tanto sangue, mas o foco principal dessa verdadeira multinacional do terrorismo de Estado foi
mais restrito.
Visava aos alvos politicamente
mais relevantes e potencialmente
mais perigosos para as ditaduras
da época. Alvos como o general
boliviano Juan José Torres, efêmero presidente de esquerda. Ou
Orlando Letelier, que havia sido
chanceler do governo socialista
do presidente Salvador Allende,
no Chile, e estava exilado nos Estados Unidos, onde foi alcançado
por uma bomba em plena Embassy Row, a ala das embaixadas
de Washington.
Ou o general, também chileno,
Carlos Prats, morto em Buenos
Aires, onde havia se exilado por
ter se contraposto ao golpe de Estado que, em 11 de setembro de
1973, depôs Allende.
Todos eles poderiam, em tese,
encabeçar movimentos de resistência às ditaduras. Por esse motivo, sempre surgem rumores de
que ou João Goulart -o presidente deposto em 1964 no Brasil,
que depois se exilou no Uruguai,
onde morreu- ou Juscelino Kubitschek, antecessor de Goulart,
cassado pelo movimento militar,
também teriam sido vítimas da
Operação Condor ou de algum de
seus braços.
Sempre em tese, Goulart e Kubitschek poderiam, de fato, liderar um movimento contrário ao
regime militar. Os dois, mais Carlos Lacerda, líder da direita, mas
também cassado pelos militares,
chegaram a criar a Frente Ampla,
para lutar pelo restabelecimento
da democracia.
Mas não surgiram, até agora,
provas de que algum deles tenha
sido assassinado. Somente Kubitschek teve morte violenta (acidente de automóvel).
Nos outros episódios, ao contrário, não só houve violência
(atentados a bomba), como existem abundantes evidências de
que os serviços de inteligência das
ditaduras estiveram diretamente
envolvidos.
O julgamento de Pinochet tende
a jogar mais luz sobre esses crimes, talvez o suficiente para que
outros três países da Operação
Condor -Brasil, Argentina e Paraguai- prestem contas em algum momento.
Texto Anterior: Escândalo influiu na decisão, diz analista Próximo Texto: Iraque sob tutela: Líderes xiitas fecham acordo em Najaf Índice
|